Somos a geração dos pais "com culpa".
Sei bem. Sou dessas.
Nos sentimos culpados por não conseguir dar a eles a última pista Super Master Plus do Hot Whells ou a casa dos sonhos da Barbie, nos sentimos culpados por trabalhar as vezes até 12h por dia e deixá-los sob cuidados das escolas e terceiros, nos sentimos culpados pela batata frita e chocolate, pela televisão liberada em troca de alguns minutos de descanso. Nos vemos na encruzilhada entre trabalhar muito e dar toda estrutura e diminuir a jornada e contribuir com nosso tempo útil a eles.
As vezes, porém, há instantes mágicos que se sobrepõe a essas culpas e nos fazem vestir nossa melhor capa de super-herói ou heroína.
Tive um desses instantes mágicos no último verão, numa daquelas chuvas torrenciais que deixaram a cidade em baixo d'água. Eram os primeiros dias de aula e estava eu, durante o temporal, buscando a melhor vaga em meio ao trânsito caótico que se formou na volta da escola do João e naqueles poucos minutos fiquei pensando no seguinte: quando eu era criança minha mãe me buscava na escola em dias de chuva? A minha mãe e a da maioria dos meus colegas não. E não iam por serem maus pais, minha mãe por exemplo, trabalhava no comércio de Porto Alegre de segunda a sábado, não tinhamos carro e nem telefone. Largar tudo para buscar a filha na escola ou mandar um whats para um parente ou vizinho não era alternativa. Whats? Nem Sms era alternativa. Íamos pra casa a pé pulando poças d'água. (E era bem divertido)
Em meio aos meus devaneios vi rostos preocupados e cansados dentro de seus carros atravessando as ruas alagadas e buscando a vaga mais próxima do portão que houvesse. Vi mães e pais com guardas chuvas dos mais variados personagens nas mãos, alguns com toalhas, alguns com aquela jaqueta velha esquecida no porta mala do carro que hoje foi de grande serventia.
Vi o grupo de pais do whatsapp se encher de mensagens informativas e preocupadas.
Vi os melhores nuances de amor ao ver pais (encharcados) encontrar seus filhos.
Estacionei o carro quase em frente ao portão, peguei a jaqueta velha (aquela esquecida no porta mala) e ao encontrar o João contei-lhe como havia sido forte a chuva, expliquei-lhe o meu atraso e a busca incansável pelo melhor lugar ao sol, ops, melhor lugar junto ao portão.
A diferença naquele dia foi que, no caminho de 5 metros que havia entre nós e a segurança que o carro nos traria, em que eu carregava a mochila com uma mão, com a outra abraçava o João (com a jaqueta enrolada na cabeça) e a chuva caia sobre mim eu só conseguia pensar que o que somos mesmo é uma geração de pais bons pra caramba (a palavra que veio na minha cabeça foi outra, mas os pouparei disso).
A culpa seguiu no dia seguinte ao perceber que mais uma vez havia esquecido de botar a fruta na lancheira.