vida nova

O milagre mora no Parque dos Anjos, e se chama Artur

Artur, que em 21 de setembro completou cinco anos, voltou para casa domingo que passou e, agora, quer pizza

Quando o Seguinte: chegou, nesta tarde, ao número 986 da rua Bernardino Timóteo da Fonseca, no Parque dos Anjos, encontrou Artur sentado no banco do motorista e com as mãos ao volante de um Volkswagen Santana, estacionado na garagem.

Vestia uma camiseta do Barcelona – expoente do futebol espanhol – com o número 11, de Lionel Messi, às costas.

Na ‘carona’ estava o pai do ‘piloto’, o auxiliar de almoxarifado, desempregado, e professor de bateria nas horas possíveis, Oséias Pospichil da Silva, de 33 anos. Como se estivesse com o pé afundando o acelerador, Artur fazia o motor ‘roncar’ forte.

— Vrummmmm! Vrummmmmmmmmmmmmm – até esgotar o fôlego.

Nem parece com o garotinho de cinco anos que há menos de 40 dias, na noite de 31 de dezembro, foi atingido por uma bala perdida, na cabeça, e que ficou 12 dias em coma no Hospital de Pronto Socorro (HPS), em Porto Alegre.

O drama de Oséias e sua esposa, a auxiliar administrativa – também sem emprego – Micheli Rosa da Silva, 27 anos, começou quando toda a família foi para a frente da casa assistir à queima de fogos, tradicional na virada de ano.

Artur, como sempre muito falante e ativo, abraçou e beijou os avós, tios, primos, a mãe, e pulou de volta ao colo do pai. Era a troca de cumprimentos e a distribuição de votos de Feliz Ano Novo entre os familiares.

— Eu peguei ele no colo, ele me deu um beijo e comentou ‘que bonito aquele lá!’, apontando para os fogos. Em seguida ouvi o estalo, ele baixou a cabeça choramingando e já escorreu o sangue — conta o Oséias.

 

: Oséias, Artur e Micheli, depois do susto e dos dias de incertezas, estão de volta à casa

 

Em choque

 

Acreditando que fosse um rojão ou parte de um, que tivesse acertado a cabeça do filho, Oséias gritou para que pegassem o carro para levar o filho ao hospital. O primo, em estado de choque, nem se mexeu. Um cunhado é que tomou a frente.

Artur chegou consciente ao Hospital Dom João Becker (HDJB) onde o atendimento foi imediato. Mas já havia perdido muito sangue. E foi no Dom João Becker que a família ficou sabendo: era um projetil de arma de fogo.

Mesmo ferido, o garoto permaneceu consciente durante a transferência e até ser sedado no HPS. Diante da gravidade do quadro clínico, a cirurgia foi hipótese imediatamente descartada para preservar a vida de Artur.

— Se operassem ele, teriam que abrir a cabecinha, mexer no cérebro, e ele perderia mais sangue ainda. O risco era muito grande e os médicos optaram por não operar — lembra a mãe, Micheli, agora entre sorrisos.

 

: Artur, ao volante de um Santana, com pé na lata e fazendo o motor roncar forte

 

Coma induzido

 

A bala – que ninguém sabe se é de revólver ou de pistola e nem o calibre – continua na cabeça da criança. Entrou pelo alto do crânio e está alojada em uma região do cérebro que comanda a fala e a coordenação motora.

A previsão inicial era que Artur ficaria sem poder falar, tivesse problemas de visão e dificuldades para movimentar os membros do lado direito. Para alegria da família, não é o que aconteceu.

A recuperação de Artur é considerada pelos pais – religiosos e frequentadores da Igreja Assembléia de Deus, da parada 79 de Gravataí – como “um verdadeiro milagre”. Depois de 12 dias em coma ainda ficou até o dia 27 de janeiro no HPS.

Dali foi transferido para o Hospital da Criança Santo Antônio, de onde recebeu alta no domingo passado, dia 5/2. Com recuperação surpreendente, o garoto vai ser submetido, agora, à fisioterapia e sessões com uma fonoaudióloga.

A fisioterapia é para que Artur volte a caminhar com a desenvoltura de antes já que o longo tempo sobre uma cama e os 12 primeiros dias em coma induzido fizeram-no perder massa muscular.

Já a fonoaudiologia é para que ele recupere a plena condição de articulação da fala, uma dificuldade que aos poucos ele vem superando graças ao contato com a família e à casa da avó quase sempre cheia.

 

: Com o Robocop, na casa da avó Margarete, sua companheira de chimarrão

 

Livre arbítrio

 

O casal não tem dúvida.

— A recuperação dele foi um milagre operado pela mão de Deus! Os médicos e todas as pessoas que cuidaram dele fizeram o que era possível a eles. Depois disso caberia ao organismo do Artur se recuperar, e a melhora foi visível e rápida — comenta Micheli.

Segundo Oséias, o que houve com seu filho não tem uma definição, uma explicação. Tanto no incidente da noite de Ano Novo quanto na recuperação.

— No começo a gente até se questionou: ‘por que isso com a gente?’. Ficamos um tempo sem entender — afirmou.

— Deus dá o livre arbítrio às pessoas, como deu para um ‘sem noção’ que pegou uma arma e atirou para cima. A recuperação do Artur foi pela oração de muitas pessoas, de todos os lugares, gente que nunca vimos e nem vamos conhecer a todos. E por Deus, que deu sabedoria aos médicos porque, no início, foi bem difícil — fala Oséias.

 

Um fim de semana

 

E daqui para a frente?

Os dois, Oséias e Micheli, sorriem juntos quando ouvem a pergunta.

— Nem pensamos ainda — diz Micheli.

— Eu só sei uma coisa! Sem ser neste fim de semana, no outro (18/2) vamos sumir! Vamos pegar ele (Artur) e tirar um tempo para a gente descansar porque até agora não foi fácil — revela Oséias.

E um outro plano já está definido: levar Artur para comer pizza. Internado, e já em fase de recuperação, pedia aos enfermeiros para comer pizza.

Quando lhe diziam que ele não podia comer pizza, tentava negociar para que os funcionários do hospital – tanto do HPS quanto do Santo Antônio –comprassem para eles e lhe dessem pelo menos um pedaço.

 

A fala da mãe:

“No começo a gente não podia nem ficar muito perto dele, no hospital. Ele estava ligado em oito máquinas e não podíamos tocar e nem falar para que não houvesse atividade cerebral, para não piorar o inchaço”.

 

Milagre da pizza

 

Não se passaram mais que cinco minutos desde que pai e mãe haviam comentado com o Seguinte: sobre o desejo do filho em relação à pizza, a paixão que ele tem por pizza, e um outro – digamos – milagre entrou na casa de madeira simples e sem pintura.

Carina Reinheimer e Ketlin Eduarda Marques, colegas de trabalho na empresa Resolve, foram avisar que haviam conseguido que a Cia do Sabor doasse uma rodada de pizza para Artur, Oséias e Micheli.

Visivelmente emocionada e já em lágrimas, Carina se disse ‘tocada’ pela situação da família e contou que amanhã, quarta, vai se submeter a exames para diagnosticar pequenas anomalias que lhe surgiram na cabeça.

— A gente fica assim, emocionada, pelo que aconteceu com ele. Não sei o que vai acontecer comigo, e também tenho uma filha pequena, de três anos — contou Carina. Depois de serem fotografadas com Artur, ela e Ketlin foram para o quarto brincar com ele.

 

: As ‘tias da pizza’, Ketlin (e) e Carina foram dar a boa notícia ao pequeno Artur

 

A fala do pai:

“Teve um pai que veio me abraçar e disse que tinha o costume de dar tiro para o alto. Ele também tem um filho pequeno e me garantiu, chorando, que nunca mais iria fazer isso”.

 

No almoxarifado

 

Na sala, conjugada com a cozinha, de móveis simples, sem pintura nas paredes, Oséias revela que espera conseguir um emprego, de preferência na área em que atuou por vários anos na Gravel Veículos, no almoxarifado de peças.

De quebra, para reforçar o orçamento da família, quer continuar ensinado quem quer tocar bateria. Ele suspendeu as aulas, temporariamente, para se dedicar ao filho que ainda exige atenção em tempo integral.

A esposa, Micheli, que já trabalhou em agência bancária e outras empresas, na área administrativa, por enquanto não vai retornar ao mercado. Vai acompanhar Artur até a recuperação total do filho.

Para se manter, o casal tem contado com a ajuda dos amigos da Igreja Assembléia de Deus, dos familiares, de amigos e de incontáveis anônimos. É ‘vaquinha’ no banco, doação do supermercado, do vizinho…

 

A casa da avó

 

— Agora sim. Agora está tudo bem!

É o que exclama a avó de Artur, a dona de casa Margarete Pospichil da Silva, de 54 anos, ao responder se está mais tranquila por ter o neto em casa, de novo.

— O susto foi horrível. Ninguém queira passar o que a gente passou. E foi justo na minha casa — exclama, e completa:

— Não queria que fosse em qualquer lugar, mas foi aqui, que é onde ele mais gosta de ficar. Ele é o meu companheirinho de chimarrão!

Artur tem intimidade com a casa da avó. É onde sempre ficava enquanto os pais saíam para trabalhar. Agora, o endereço tem sido o porto seguro do casal, e dele. A família mora a poucas quadras da casa da avó, também no Parque dos Anjos.

 

: A avó Margarete diz que, agora, está “mais aliviada”

 

Conscientização

 

O pai de Artur não fala em vingança, em punição, e acha que vai ser muito difícil identificar o autor do disparo que atingiu Artur. E diz que tem aceitado falar com a imprensa sobre o caso, como forma de alertar as pessoas.

— É preciso que, quem ver alguém dando tiro para cima, que denuncie. Essa ‘bala’ vai cair em algum lugar, e pode atingir uma pessoa, como atingiu meu filho. As pessoas precisam se conscientizar que isso é errado.

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