luto

O míssil partiu de Gravataí

Joseph Elbling faleceu nesta quarta

Joseph Elbling (25.12.1927 – 07.10.2020), um obituário. Presidente do Grupo Digicon, de Gravataí, deixa legado de inovação

 

Ele se tornou engenheiro aos seis anos de idade. Estava nos ombros de sua mãe para poder ver os aviões pousando e decolando em Brest-Litovsk, sua cidade natal na Polônia. Quis porque quis entender como era possível aquele enorme pássaro de aço manter-se ao ar, subir e descer como se fosse uma pluma. Ali começava sua paixão pelo invento humano e a obsessão por indagar, pesquisar, decifrar, inovar.

Ele se tornou um lutador aos sete anos. De novo pelas mãos de sua mãe. Freda Elbling não suportou ver seu pequeno Joe encolhido na margem do Rio Bug, temeroso de se aventurar naquelas águas agitadas, enquanto seu irmão de 9 anos, Jack, bem mais corpulento que ele, dava exibições de perícia e coragem. Ela pegou o caçula e o arremessou na água para aplicar, pelo método Freda Elbling, uma daquelas lições que valem uma vida.

Enquanto via o corpo franzino de Joe se debatendo para manter o nariz na superfície, sentenciou:

– Nada ou afunda!

Ele se tornou um sobrevivente aos nove anos, quando seu pai, Peter Elbling, farejou a provável invasão da Polônia pelos alemães e fugiu com a família para o Canadá. Já em Montreal, os Elbling receberam a notícia de que a força aérea nazista havia bombardeado Brest-Litovsk. A casa onde eles moravam ficou reduzida a escombros.

Ele se tornou um apaixonado pelo Brasil aos 23 anos, quando chegou ao Rio de Janeiro para trabalhar como engenheiro na Light, no início dos anos 50. Aprendeu português, trabalhou duro, bombardeou nuvens para fazer chover e encher reservatórios e casou com uma carioquinha fluente em francês chamada Jacqueline Childe, com quem andou pelo mundo ao longo de toda a vida.

Ele se tornou um executivo quando deixou o Brasil para fazer parte da revolução do transistor que tomava corpo na Europa e nos Estados Unidos. Estava fascinado pela desbravadora união entre a mecânica e a eletrônica, um fenômeno que ele considerava capaz de transformar radicalmente a indústria no século XX.

Ele se tornou um empreendedor já passando dos 50 anos, quando pôs fim a uma bem-sucedida carreira executiva em países como Itália e Estados Unidos e resolveu vir ao Brasil fundar sua própria empresa, a Digicon, em 1977, e a Perto, na primeira metade dos anos 80.

Ele se tornou uma referência de ousadia quando decidiu fabricar no Brasil coisas que na época pareciam delírios – comandos numéricos computadorizados, HD de computador, satélite de observação terrestre, caixa eletrônico de autoatendimento bancário e outros itens aparentemente mirabolantes – inclusive um míssil terraar para o Exército Brasileiro.

Fosse como executivo da Olivetti nos tempos áureos, quando os italianos brigavam com a IBM pela glória de fabricar o primeiro computador, fosse como dono de suas próprias empresas no Brasil, o que Joe adorava fazer era percorrer o chão de fábrica. Aquele lugar feito de máquinas modernas e gente perfeccionista era seu playground. Parava aqui e ali para conversar com técnicos e engenheiros, desafiá-los a perseguir precisão (“Não pode ter erro!”), encorajá-los (“Aqui nós podemos fazer qualquer coisa!”) e mobilizá-los para novos projetos (“Um grande engenheiro está sempre tentando inventar algo!”).

Quando estava em busca de uma nova solução técnica, entrava em transe, avançava madrugada adentro, dormia e comia o mínimo necessário, parecia não desgrudar do seu alvo mesmo que ele mudasse de direção – mais ou menos como o míssil que a Digicon ajudou a fabricar em Gravataí.

Até bem recentemente, a caminho dos 93 anos de idade, seu programa favorito era ir a Gravataí três vezes por semana e, com seu passo já vagaroso, percorrer as fábricas da Perto e da Digicon, admirar os novos produtos, como o sistema de controle de acesso com patente de invenção internacional. Também gostava de reservar tempo e energia para ir autografando, um pouco de cada vez, centenas de exemplares em português e em inglês de “Um Certo Mr. Elbling” (Bookman, 2017), para que seus filhos Tom e Peter Elbling, que presidem a Perto e a Digicon, disponibilizassem a executivos que visitassem os show rooms das empresas, em São Paulo ou no exterior, e tivessem interesse em conhecer as raízes e os valores da companhia.

Nascido na Polônia, educado no Canadá, forjado profissionalmente na Inglaterra, nos Estados Unidos e sobretudo na Itália, Joe – como gostava de ser chamado – adotou uma pátria nos trópicos. Era um defensor intransigente e até teimoso do Brasil e dos brasileiros. nenhuma crítica ao Brasil ficava sem resposta se ele estivesse por perto.

– Look… Brasil tem tudo. Tudo! É um grrande país!

Esta visão o levou a patrocinar, em seu nome e no da esposa, um professorship permanente em Harvard (EUA) para estimular pesquisadores independentes a produzir conhecimento sobre o Brasil.

Um míssil de Joe disparado em direção ao futuro.

Joseph Elbling, que em março havia se despedido da esposa Maria Jacqueline Childe Elbling, deixa os filhos Tom e Peter; as noras Maria Beatriz Martins Elbling e Ana Paula Amodeo Elbling; e os netos Thomas, Alan e André; e Gabriel, Eric e Georgia. A cerimônia de despedida foi reservada ao núcleo familiar.

 

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