Bolsonaro se mostra cada vez mais astuto e perigoso. Tudo o que está acontecendo entre o presidente e o Exército não deixará de ter um reflexo importante nas próximas eleições. O Seguinte: reproduz o artigo de Juan Arias, publicado pelo El País
A cada hora que passa o assunto político que aparece como prioritário em todos os meios de comunicação e nas redes sociais é o das ainda misteriosas relações do presidente Jair Bolsonaro com as Forças Armadas. A última surpresa foi a atitude inesperada do Exército de não punir o ex-ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, que transgrediu pública e flagrantemente o regimento interno militar que impede participar de um ato político público com Bolsonaro. Além disso, o presidente desafiou o Exército ao oferecer ao general um posto-chave em seu Governo.
Em suas relações com o Exército, Bolsonaro sente-se tão seguro que ousa desafiá-lo cada dia mais em público. O que ainda não está claro é como as Forças Armadas que pareciam ter participado do Governo de extrema direita do capitão reformado para “controlá-lo” em seus possíveis arroubos golpistas acabaram de joelhos diante dele.
A notícia da claudicação da cúpula do Exército diante de Bolsonaro ao perdoar Pazuello teve repercussão nacional e complicou as estratégias políticas das eleições presidenciais do próximo ano. Além disso, deu um destaque especial à CPI da pandemia no Senado, que investiga a existência de um governo paralelo criado por Bolsonaro para defender sua postura negacionista diante da pandemia e sua rejeição à vacina.
Isso fica claro nas últimas declarações do presidente da CPI, Omar Aziz, que, incomodado com a arrogância com que Bolsonaro se dirige e até insulta os senadores, deu a entender que estão chegando a ele e que serão severos em suas decisões.
O que fica cada vez mais claro é que as Forças Armadas não estão no Governo para tutelar o capitão frustrado, como se imaginava no início, mas é ele quem parece dar ordens ao Exército. O fato da claudicação de Bolsonaro no caso de flagrante delito como o de Pazuello perante as leis disciplinares do Exército surpreendeu até os analistas mais sérios em questões militares, como Igor Gielow, da Folha de S. Paulo, e Miriam Leitão, de O Globo. Segundo Miriam, que sofreu na carne a ditadura militar, com o perdão a Pazuello, o Exército “se submete ao bolsonarismo e dá passo para a anarquia”. Para ela, o presidente conspira contra a democracia, enfraquecendo as instituições, e chega a afirmar que para o Brasil “foi o passo mais perigoso dado pelas Forças Armadas desde o fim da ditadura militar”.
Para Igor Gielow, que conta com boas informações dentro do Exército, foi uma falsa ilusão pensar que com a entrada das Forças Armadas, inclusive de generais da ativa, no Governo, controlariam o capitão reformado e evitariam a volta do petismo ao poder. E acrescenta, irônico: “Bolsonaro conseguiu sua vingança. É psicologia barata, mas dá a impressão de que matou o pai”, referindo-se a Freud.
Duas coisas aparecem cada vez mais enigmáticas: por que o Exército que sabe que Bolsonaro está se enfraquecendo cada vez mais diante da opinião pública, como refletem as últimas pesquisas, parece continuar ajoelhado diante dele e aceitando passivamente seus desafios e provocações? Ainda não ouvimos um único militar importante lembrar ao presidente que o Exército “não é dele” e que é mais uma instituição a serviço do Estado. E mais quando fica cada dia mais claro que o que o presidente pretende é não aceitar uma derrota na reeleição, mesmo que seja à custa de um golpe de Estado. Acabou de dizê-lo o ex-presidente Michel Temer, que sempre teve fama de conhecer como poucos as entranhas do Exército, com o qual manteve e mantém relações de amizade.
Talvez seja necessário rever a ideia de que Bolsonaro, quando fala em público, revela estupidez e ausência de inteligência. A verdade é que está se tornando cada vez mais evidente que quando o capitão fala à gente simples de seus seguidores, na verdade está enviando mensagens e ameaças inclusive para o Exército. A última demonstração disso aconteceu em 25 de maio. A uma mulher simples que se queixava da pobreza do Brasil, Bolsonaro respondeu com uma frase sibilina: “Quem não estiver contente comigo, tem Lula em 2022”. Não é preciso ser psicanalista para entender que a frase de Bolsonaro foi dirigida para além da mulher simples. Também apontava para os militares. Foi como dizer a eles que se não o apoiassem agora, amanhã poderiam se deparar novamente com Lula, o PT, e a esquerda no poder, algo pouco menos do que abominável para o Exército, que sempre preferirá Bolsonaro com todas as suas loucuras e intemperanças do que a volta de Lula.
Para entender esse temor do Exército de que o PT com Lula possa voltar ao poder, talvez tenhamos de voltar a 2018, quando Bolsonaro acabava de ser eleito, depois de o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, ter ameaçado no Twitter o Supremo Tribunal Federal que poderia haver uma subversão nacional se permitisse que Lula disputasse as eleições. O STF claudicou e foi um dos momentos mais sombrios da Alta Corte.
Vencidas as eleições e com Lula fora de combate, o novo presidente Bolsonaro, em um encontro com Villas Bôas, pronunciou uma frase enigmática que ainda não foi decifrada. Depois de agradecer a ajuda que lhe dera para tirar Lula das eleições, com a frase: “O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui hoje”, pronunciou a seguinte frase que só uma pitonisa poderia decifrar: “O que já conversamos morrerá entre nós”. Sem dúvida tratava-se de algo sério que ainda ninguém conseguiu revelar e que lembra os códigos da máfia.
Tudo o que está acontecendo entre o Bolsonaro e o Exército não deixará de ter um reflexo importante nas próximas eleições se é que as instituições, apesar de tudo que a CPI do Senado está revelando, permitirão a participação do presidente. O que está acontecendo, seu desprezo pela CPI, suas ameaças de golpe, seu descaramento em enfrentar o Exército, sua insistência no negacionismo e em alimentar um governo paralelo superbolonarista e suas ameaças de que Lula, seu inimigo mortal, possa voltar, revelam, como pensa o ex-presidente Temer, que o capitão não aceitará o resultado das eleições se perder nas urnas. Assim, ele já estaria preparando um golpe de Estado, talvez com o apoio e a complacência das Forças Armadas, das Polícias Militares e de suas amigas, as milícias.
Não sabemos se é esse o segredo que prometeu a Villas Bôas levar para o túmulo, mas algo aparece cada dia com mais clareza: Bolsonaro começa a se mostrar mais astuto e perigoso do que se pensa e seu sonho se aproxima cada vez mais do projeto venezuelano de Maduro, de quem seria sua melhor cópia brasileira de direita.