coluna da Sônia

O mistério do brilhante  

Em determinado momento, lá no início do século passado, Vovó Leonor, uma das minhas bisavós maternas, ganhou, provavelmente do marido, um anel de brilhante com o aro de ouro branco (ou seria de platina?).

Várias décadas depois, embora houvesse três mulheres entre seus sete filhos, decidiu legá-lo em vida a minha mãe, que, de acordo com meus olhos de criança, era sua neta favorita.

E, em 79, a mãe resolveu passá-lo para mim, e já lhes explico por quê.

Dias antes, eu havia sido aprovada, em Porto Alegre, na primeira etapa de um concurso do Ministério das Relações Exteriores, que estava selecionando estagiários para serem enviados a setores de promoção comercial de embaixadas brasileiras e, posteriormente, contratados por empresas exportadoras nacionais (estávamos em pleno boom das exportações no País).

Quando me preparava para viajar a Brasília, onde ocorreria a segunda etapa do concurso, comentei com a mãe que teria de enfrentar, entre outros testes, uma banca de diplomatas de carreira, que me entrevistaria sobre minha vida pessoal.  

Ela ficou preocupadíssima, pois eu era bem grunge (ainda sou) e, no seu entendimento, teria poucas chances de passar pelo crivo “daquele povo de nariz empinado”(essa era a visão que ela tinha do pessoal do Itamaraty).

Então, colocou o anel no dedo anular da minha mão direita e falou: “Agora, o anel é teu. Pinta as unhas, vai bem arrumada e bem esticada e, ao chegar lá, coloca a mão sobre a mesa, para que o vejam bem”.  

Depois de passar pelos outros testes, cheguei, afinal, à sala onde me esperava a tal banca, e é lógico que não tive coragem de fazer o que ela tinha mandado, pois era muito tímida (ainda sou um pouco).

Ali, fui como que posta sob uma lupa e bombardeada por um monte de perguntas que, claramente, visavam detectar o nível social da minha família. Cá entre nós, só faltou perguntarem se eu sabia comer com garfo e faca.

Meses depois, lá estava eu, no meu estágio, quando  percebi que havia perdido o brilhante do anel. Dei o alarme, e vários colegas se puseram a gatinhar, em sua busca, nos tapetes da Embaixada. Mas, dali a pouco, eu mesma o encontrei no piso de um banheiro.

No dia seguinte, mandei modificar o engaste do brilhante, para que ficasse mais seguro, e lá se foram 39 anos sem que eu jamais tirasse o anel do dedo.  

Até que, nessa segunda-feira, pouco depois de chegar na  Câmara do Livro, onde trabalho,  percebi que o brilhante havia sumido outra vez.

Como sou otimista (Meu irmão Davi dizia que, se me jogassem do 20º andar de um prédio, ao passar pelo 19º, eu diria: “Até aqui tudo bem!”), meti na cabeça que apareceria até o dia seguinte, e me pus a trabalhar. E, mesmo ao chegar em casa, não me preocupei em procurá-lo.   

Na terça, a moça que faz a limpeza varreu a sede da Câmara de ponta a ponta, com o maior cuidado, e nada.

Naquela noite, ao voltar pra casa, aí sim tirei minha cama do lugar, varri em baixo, tirei os travesseiros (durmo com três), sacudi os lençóis e a colcha, esvaziei a mochila e a bolsa sobre a cama, e nada do brilhante aparecer.

Então, mandei uma mensagem, pelo Face, à  faxineira, que viria na quarta, pedindo que fizesse uma busca mais cuidadosa na casa. E aí deitei e dormi profundamente.

Lá pelas tantas, acordei para ir ao banheiro e, quando voltei a me acomodar, senti que havia algo sob minhas costas. Acendi a luz para ver o que era, e dei de cara com o brilhante, e estou até agora tentando entender quem o pôs ali.

Terá sido um gnomo? A fada do dente? O anjo da guarda da oração que a mãe nos ensinou quando crianças e logo esqueci? São Longuinho, para quem, apesar de agnóstica desde sempre, dei uma rezadinha básica na segunda? Ou terá caído da minha bolsa e ficado escondido em alguma prega do lençol de baixo, sem que eu o tenha visto quando estava a sua procura?

Sei lá, mas o certo é que dei três pulinhos em agradecimento a São Longuinho, pus o brilhante em uma caixinha e voltei a dormir tranquila, pois, apesar de que não sou nada apegada a bens materiais, estava há dois dias pensando no quanto a mãe teria ficado triste, se ainda estivesse entre nós, ao saber que o tinha perdido.

The End

 

 

 

 

 

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