coluna do silvestre

O ouro, as ciganas e eu…

Da série me cortem os tubos! Me aguentem ou…

Venho de uma era geológica nem tão remota quanto à dos dinossauros, mas em que viver era bem mais tranquilo que nos conturbados dias atuais. Especialmente nas cidades interioranas em que a criminalidade praticamente não existia. Era possível deixar o carro com vidros abertos, pelas ruas, ou dormir sem trancar as portas da casa.

A bandidagem se limitava a furtar roupas dos varais para dar de vestir aos seus, ou alguns ovos e galinhas para ter o que comer com os filhos. Exceções eram os crimes violentos. Existiam, claro, mas eram, de fato, as exceções. Os crimes de morte, então, eram raridade e, quando se davam, em grande parte eram os que se chamava de “em defesa da honra”, ou motivados por disputas de terras.

Lembro de um caso em que um conceituado médico, cirurgião-plástico, feriu e matou a tiros o homem que havia assassinado seu pai, anos passados. O desfecho do que muitos consideraram ter sido um crime premeditado e por vingança, se deu em pleno meio-dia, no centro da cidade, e diante de muita gente.

Fato vai e fato vem, o médico acabou sendo absolvido por 4 a 3 no primeiro julgamento, escore que deu à promotoria condições de recorrer e pedir um novo júri. Levado ao banco dos réus pela segunda vez, a absolvição foi por placar inapelável: 7 x 0. Tanto o crime quanto as duas sessões do júri foram motivos de rodas de conversa por muitos e muitos dias.

Mais remotamente falando, lembro que na cidade, a terra dos arrozais, que é como eu chamo Cachoeira do Sul, tudo quanto era tipo de crime se atribuía a um criminoso apelidado de “sabugo”. É que ele tinha os cabelos desalinhados e meio compridos, avermelhados como os do sabugo de uma certa variedade de milho.

As vezes “sabugo” estava até preso, pela polícia. Mas se furtavam uma bolinha de gude (exagerando, claro!) lá no meio do mato de um distante distrito, a culpa era do “sabugo”. Só não atribuíam a ele casos de gravidez, daqueles em que o marido saía para uma temporada na roça e, quando voltava para casa, a mulher estava esperando um filho.

Dele!

Os bons tempos remetiam-nos a andar pelas estradas sem medo de assaltos, por exemplo. Eu viajava muito, tanto na direção da fronteira quanto para a capital. Houve um período em que viajava duas a três vezes por semana para Porto Alegre, sempre a serviço. Era o escolhido porque conhecida a metrópole e chegava com facilidade aos endereços necessários.

E costumava, com frequência, oferecer carona para pessoas que estavam aguardando o ônibus para a capital, no último ponto de embarque-desembarque de passageiros à saída da cidade. Fazia isso como forma de ter companhia e, através de uma boa prosa, evitar a monotonia e impedir que o sono ou cansaço me dominasse.

Certa feita, numa dessas viagens, não consegui parceria na saída de Cachoeira, no ponto que fica ainda hoje no bairro Nossa Senhora de Fátima.

Mandei pé no acelerador, mesmo assim.

Já no trevo da BR-153 com a BR-290, lugar conhecido então como Posto do Papagaio – sei lá por quais cargas d’água! – duas mulheres, com uma criança, pediam carona na direção do meu deslocamento. Eu estava sozinho mesmo, não vi problemas em atender ao pedido, afinal, poderia ser uma necessidade maior já que havia até uma menina de uns oito ou dez anos, junto.

Mal elas entraram no carro e, daí, percebi: eram ciganas. Nada de mal, pensei.

Ledo engano!

Assim que retomei a velocidade normal para a época – uns 130/140 quilômetros por hora! – uma delas puxou conversa querendo saber o que eu fazia, para onde estava indo, e abriu um embrulho mal feito em que estavam várias pedrinhas douradas que ela disse serem pepitas de ouro. Acho que nunca tinha visto ouro assim, na forma de pepitas, mas…

E ela foi ficando cada vez mais insistente, afirmando que eu “tinha” que comprar aquelas pepitas. Como seu eu tivesse realmente a obrigação de comprar aquilo que elas diziam ser ouro. Primeiro que eu não sabia se aquilo realmente era ouro, e segundo que eu não tinha o dinheiro que elas pediam. Não lembro quanto, mas não tinha.

Acho que, se tivesse o valor que elas queriam, teria dado para me ver livre delas. Tamanha era a insistência eu cada vez ficava com mais medo delas. E a que estava sentada atrás, estava no banco atrás de mim. Daí comecei a imaginar coisas como ser atacado pelas costas, com uma faca, por aquela cigana. Ou que me roubassem o carro e a máquina que levava para conserto e o dinheiro que a empresa me dera para custear a viagem…

Como eu iria explicar isso?

Quem acreditaria que eu tivesse sido assaltado por duas ciganas e uma criança?

Mil coisas começaram a passar pela minha cabeça, e o medo começou a se tornar pavor.

Daí que me ocorreu – acendeu a luz mágica das boas ideias – de inventar uma historinha para ganhar tempo e quem sabe despistar as ciganas. Disse a elas que, em Pantano Grande, eu tinha um amigo que poderia me conseguir o dinheiro e eu faria um negócio com ele, repartindo as pepitas.

Acho que acreditaram, e me deram uma trégua até a frente da Raabelândia, o restaurante onde todos param até hoje. Sob o pretexto de que iria telefonar para o meu amigo, já que naqueles dias ainda não tinha sequer ouvido falar em telefone celular, desci do carro e sugeri que as ciganas também descessem. Elas não aceitaram, e optaram por esperar ali mesmo.

Fui obrigado, então, a pedir socorro.

Os policiais da Brigada Militar ficavam em um posto ao lado do restaurante. Lembro de, várias vezes, ter visto o “fusquinha” da BM, ali. Mas naquele dia o carrinho não estava. Apelei para os frentistas que, felizmente, e bota felizmente nisso, conheciam as ciganas ladinas. Dois deles foram até onde estava o carro, com elas ainda dentro, xingaram um monte as duas ciganas e as colocaram a correr.

Ambas desceram dizendo um monte de impropérios e rogando mil e uma pragas em minha direção. Como não entendi nada do que falavam, suponho que fosse no idioma romani, não esquentei muito a cabeça por causa do que elas estavam me desejando, se era para o bem ou para o mal.

Agradeci aos frentistas, paguei-lhes alguns cafezinhos e me pus de volta à estrada, com os olhos mais do que arregalados e ainda apavorado pela enrascada em que me havia envolvido.

Depois disso, parei com as caronas.

Só eventualmente, e muito eventualmente, deixava que viajassem comigo amigos e conhecidos, quando muito algum policial militar devidamente fardado e muito bem identificado.

Por estas e por outras que eu digo, para o mundo que eu quero descer.

Ah, aproveita e me corta os tubos!

 

 

 

 

 

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