opinião

O pinote da Ford e a GM de Gravataí sob ameaça; um test drive do futuro

Valcir Ascari, presidente do Simgra

Não por polemista comento que o caso da GM não é tranqüilo como uma pescaria no Pantanal, como mal informados ou informados do mal fazem parecer. É sim, um test drive do futuro de Gravataí. O there is no free lunch, there is no free marmita se demonstrou, sem aviso prévio, com o fechamento da Ford em São Bernardo do Campo, para se concentrar na baiana Camaçari, para onde no final dos anos 90 pinoteou, a polpudos incentivos fiscais, a empresa que seria instalada no Rio Grande do Sul.

O presidente da companhia na América do Sul, da mesma forma que fez o chefe da GM Mercosul Carlos Zarlenga, aponta prejuízos nas operações: 4,5 bilhões de dólares entre 2013 e 2018.

Lá são 2000 empregos diretos e 2,8 mil indiretos. O complexo automotivo de Gravataí chega aos 6 mil. Em São Bernardo, a Ford é responsável por uma arrecadação de R$ 18 milhões nos cofres da Prefeitura. Em Gravataí, R$ 70 milhões. Que tal? A projeção do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos, é de que o efeito cascata do ‘tchau Ford’ ameace 24 mil empregos. 

O governador João Dória, que informou que depois do Carnaval fará um anúncio sobre a GM, que ameaça fechar fábricas em São José do Rio Preto e São Caetano, tenta negociar com a Ford, mas a companhia já avisou que vai sair do mercado de caminhões, que produzia junto ao Fiesta. De Brasília, os sinais do ‘posto ipiranga’ Paulo Guedes são de que o governo Jair Bolsonaro não vai ampliar incentivos ao já ultra subsidiado mercado automotivo brasileiro.

São fantasmas a assombrar os trabalhadores de Gravataí.

Explico.

A GM propôs 21 medidas, retiradas após recusa e ameaça de greve pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí (Simgra). A companhia confirmou ao prefeito Marco Alba e ao governador Eduardo Leite a manutenção do investimento de R$ 1,4 bilhão, anunciados no ‘show do bilhão’ de 2017, mas condicionou o aporte de mais R$ 13 bilhões entre 2020 e 2024 a uma “reestruturação”, aqui e em São Paulo. São José do Rio Preto largou na frente, com os trabalhadores reduzindo salários e benefícios em troca do investimento de R$ 5 bilhões na fábrica que é a que dá mais prejuízo na GM Brasil.

A proposta da montadora para os paulistas inclui reajuste zero nos salários em 2019. Para 2020, a GM propôs reposição de 60% da inflação em 12 meses medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) – em ambos os casos, portanto, os trabalhadores teriam perda real no rendimento. A reposição da inflação total só voltaria em 2021.

Para amenizar a falta de reajuste em 2019, os trabalhadores terão abono salarial de R$ 2,5 mil. Para 2020, já com a reposição parcial da inflação, o abono cairá para R$ 1,5 mil. Em 2021, com a reposição total, deixa de haver abono.

Em São Paulo, a GM começou as conversas com 28 reivindicações. Após as rodadas de negociações, a pauta caiu para 10 pontos. Em um deles, que toca no piso salarial de novos contratados, houve recuo da montadora. No início, a empresa queria reduzir o piso de R$ 2,3 mil para R$ 1,6 mil, uma queda de 30%. Depois, propôs redução para R$ 1,7 mil nesse momento, com aumento para R$ 1,8 mil em setembro. Segundo o sindicato, a empresa também desistiu de aumentar a jornada de 40 para 44 horas semanais e adotar a terceirização irrestrita na fábrica.

Siga as 21 propostas para Gravataí e depois concluo:

1. Formação de acordo coletivo de longa duração (dois anos), renováveis por mais dois anos. 

2. Negociação de valor fixo e substituição do aumento salarial para empregado horista; e congelamento ou redução da meritocracia para mensalistas.

3. Negociação de participação nos resultados com revisão de regras de aplicação, prevalência da proporcionalidade, transição para aplicação da equivalência salarial e inclusão de produtividade.

4. Participação dos resultados por três anos. Zero no primeiro ano, 50% no segundo e 100% no terceiro ano.

5. Suspensão da contribuição da GM por 12 meses para a previdência.

6. Alteração do plano médico.

7. Implementação do trabalho intermitente por acordo individual e coletivo. 

8. Terceirização de atividades meio e fim.

9. Jornada de trabalho de 44 anos horas semanais para novas contratações.

10. Piso salarial de R$ 1,3 mil.

11. Redução do período de complementação do auxílio previdenciário para 60 dias.

12. Renovação dos acordos de flexibilidade.

13. Rescisão no curso do afastamento para empregados com tempo para aposentadoria. 

14. Desconsideração de horas extraordinárias. 

15. Trabalho em regime de tempo parcial.

16. Jornada especial de trabalho de 12 por 36.

17. Ajuste na cláusula de férias com parcelamento previsto em lei.

18. Regramento do contrato de trabalho intermitente. 

19. Inaplicabilidade de isonomia salarial acima dos 48 meses para uma nova grade.

20. Cláusula regrando a adoção de termo de quitação anual de obrigações trabalhistas. 

21. Congelamento da política de progressão salarial horista por 12 meses. 

Concluo.

Ao que parece, sob o risco da GM não completar 25 anos em Gravataí, restará aos sindicalistas aceitar a adaptação às novas regras trabalhistas, que Valcir Ascari, diretor do Simgra, chama de ‘revogação da Lei Áurea’.

No artigo GM confirma bilhão em Gravataí a Marco Alba e Eduardo Leite; montadora vai conseguir o que quer, escrevi:

 

“(…)

Se agradou o mercado, e divide o país, já que conforme pesquisa Ipsos seis a cada 10 brasileiros não aprova a reforma trabalhista, fato é que as novas regras estão aí. Resta aos trabalhadores aceitarem o acordo coletivo ou a GM não vai investir em Gravataí e, com os R$ 5 bilhões anunciados para São Paulo, a fábrica gaúcha que hoje é a mais rentável do país perderá em competitividade, principalmente porque o maior mercado de veículos é o paulista.

O leitor mais sensível deve estar pensando:

– Bah, sempre estoura no mais fraco.

Sim. Think out of the box é expressão que os executivos adoram até chegar a hora de prestar contas ao CEO ou aos fundos de investimento. Aí, os cortes nos salários e benefícios são sempre a ortodoxa solução buscada dentro da caixinha.

Ao fim, não é uma ameaça, porque a GM não precisa ameaçar; não pede: manda. E também não é uma garantia de empregos por longo prazo, porque se for aprovada a terceirização, funcionários podem ser demitidos para outros serem contratados por pouco mais da metade dos salários.

Dura a vida dos funcionários da GM, cujo emprego na montadora sempre foi sonho de tantos, principalmente do jovens da periferia de Gravataí.

Infelizmente, There’s no free lunch, there´s no free marmita, como tratei no Seguinte: no artigo Trump, Gravataí, almoço e marmita de graça; o futuro da GM.

(…)”

 

Conforme a assessoria de imprensa do Simgra informou ao jornalista Silvestre Silva Santos, do Seguinte:, as negociações não avançaram. Mas, a ameaça da GM somada ao pinote da Ford, recomenda aos trabalhadores refazerem suas contas. Inegável que a última palavra não virá, entre cada vez mais robôs, do chão da fábrica, mas da CEO Mary Barra, no ar condicionado do escritório da companhia em Detroit.

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