O Seguinte: estreia a série de perfis dos vereadores eleitos com o presidente da Câmara, Nadir Rocha. Ele foi o vereador mais votado
A sala está sempre cheia, esteja ele lá ou não. Os registros de visitas mostram que, disparado, o gabinete de número 17 é o mais procurado da Câmara. É a ‘central de atendimento’ de Nadir Rocha, o campeão de votos de Gravataí.
– Sou vereador, não sou empresário, nem tenho outra atividade. É o que faço, é minha vida. Eu gosto das pessoas e sei lidar com elas – resume o parlamentar, que recebeu 3.500 votos redondinhos em 2012, sua quarta eleição consecutiva.
Ex-funcionário e líder sindical do Grupo Hospitalar Conceição, Nadir é uma referência em saúde no legislativo. Conhece como ninguém os caminhos por entre as macas nos corredores do SUS. Muitas vezes recebe pessoas que procuram outros gabinetes, e são indicadas a ele pelos próprios colegas vereadores ou funcionários da casa.
– Não furo fila do SUS, mas sei orientar as pessoas a garantir seus direitos, a exigir prioridade nos casos mais graves – explica, citando “direitos”, o substantivo masculino que a cada sessão da Câmara, ao usar a tribuna, repete por pelo menos uma dezena de vezes, com a fala rápida, herança da infância ‘catarina’.
Da solene à bocha
Quando Nadir sai de casa, na rua Janete Clair, nas Águas Claras, onde mora há 38 anos, a companheira Lúcia sabe que ele não tem hora para voltar.
– Me dedico ao que faço. Recebo as pessoas na Câmara, visito em casa, vou onde sou convidado. Nos fins de semana não deixo de ir a uns cinco ou seis eventos, pelo menos – lista o agitado homem de 57 anos, que ao vivo, diferente da foto de campanha, já aceita os cabelos brancos e é um dos políticos mais queridos nas festas dos clubes de mães da cidade.
O estilo popular e coloquial, que o faz pedir ajuda para colocar a gravata, mesmo já tendo sido prefeito por um mês e um dia, e estar, atualmente, na terceira gestão como presidente da Câmara, Nadir carrega tanto em uma solenidade oficial, como tomando um aperitivo numa cancha de bocha.
– O político povão não pode ter medo, não pode fugir das pessoas para não ser cobrado, não pode se intimidar – ensina.
– Nunca deixei de ir a qualquer lugar. Para fazer um bom trabalho como vereador, é preciso saber as necessidades das pessoas. Para isso, ouço a todos, seja na festa da igreja ou tomando uma cervejinha num boteco.
O guri chegou lá
Nadir é um iluminado se analisados seus feitos políticos, um menino de infância paupérrima que, aos 12 anos, saiu sozinho do interior para tentar a vida na Capital gaúcha.
Entre demissões e readmissões, foi linha de frente do movimento sindical nos anos 80 e 90, numa época em que os grevistas do GHC, pela maior estabilidade no emprego, puxavam o fechamento dos acordos salariais de diferentes categorias de funcionários.
Em 1998, ainda um desconhecido, impressionou o meio político ao receber 5200 votos, numa candidatura a deputado estadual, quando não era vereador e nem tinha ocupado qualquer cargo público.
E, oposição a um dos governos de maior aprovação da história de Gravataí, o de Daniel Bordignon, foi eleito vereador em 2000, e reeleito, sempre com uma votação ascendente, em 2004 e 2008, mantendo-se como um dos únicos contemporâneos a não participar das administrações da dinastia petista, ou pelo menos frequentar a lista de parlamentares e oposicionistas simpáticos ao governo.
– Nunca entrava na Prefeitura – orgulha-se.
Prefeito por 31 dias
Mas, às 15h30 do domingo, 16 de outubro de 2011, Nadir não só entrou, como sentou na cadeira estofada da primeira sala à direita da escada, no segundo andar do castelinho de número 1350 da avenida José Loureiro da Silva, onde na porta ainda estava a marca da placa recém arrancada, e que anunciava: Prefeita de Gravataí.
Presidente da Câmara, Nadir era o novo prefeito, como consequência do impeachment da professora Rita Sanco (PT) e do vice Cristiano Kingeski (PT), confirmado por 10 votos a quatro, pouco depois das 15h do sábado, dia 15, um Dia dos Professores, após uma sessão ininterrupta que tinha começado às 9h da sexta-feira.
Sob o alerta da necessidade de posse em 24h, feito por Cláudio Ávila, o advogado proponente da denúncia e um dos articuladores do impeachment, Julio Wurlitzer, um dos funcionários mais antigos da Prefeitura e responsável pelo setor de Atos Oficiais, que ouvia a jornada esportiva de Inter contra o Avaí, foi buscado em casa, na rua Coronel Sarmento, para oficializar a posse.
Numa Prefeitura lotada, tendo como plateia os ex-prefeitos Edir Oliveira e Sérgio Stasinski, Nadir assinou o livro ata e chorou.
– Dedico esse momento a minha falecida esposa – disse o viúvo há cinco meses, abraçado pelos outros nove vereadores favoráveis à cassação, entre eles Acimar da Silva (PMDB), assassinado no ano passado, que foi o relator do impeachment e, um mês depois, eleito prefeito de forma indireta pela Câmara.
Ali, a chamada ‘República dos Vereadores’ derrubava a ‘República do PT’, 15 anos depois da chegada ao poder.
Entre uma das 17 entrevistas que deu no dia a TVs e rádios, o cumprimento do maior expoente do PMDB em Gravataí, Marco Alba, que no ano seguinte seria eleito prefeito, veio pelas ondas de um nextel, direto da Disney, onde o deputado estadual curtia férias com a família.
– Ser prefeito foi uma experiência inesquecível. Foi difícil separar o Nadir vereador, do Nadir prefeito, porque tinha vontade de fazer tudo por todos, mas há muitos limites. E pegamos uma Prefeitura quebrada – lembra.
– Mas a cassação se mostrou correta quando a justiça declarou prescrita a dívida que a ex-prefeita queria pagar e não deixamos. Era o centro do impeachment – argumenta, se referindo à decisão de maio do ano passado, do juiz Vinícius Tatsch dos Santos, da 1ª Vara Cível de Gravataí, que considerou extinta a dívida de R$ 90 milhões que era cobrada pelo Banrisul, por débitos que a Prefeitura tinha com a CEEE, e haviam sido ‘vendidos’ ao banco, em 2002, e, em parte, pagos, entre 1997 e 2011.
A bomba do ano
Nadir considera a cassação a maior demonstração de força do parlamento.
– A Câmara representa 100% da cidade – defende.
Essa defesa externa do poder, e a cancha de anos de legislativo, também o fazem um escudo dos vereadores em assuntos espinhosos, como as viagens para congressos e aumentos de salários.
Neste ano, Nadir foi eleito pela terceira vez presidente da Câmara.
– Só estou esperando qual vai ser a bomba do ano – brinca, já que foi presidente em 2011, no histórico impeachment, e em 2013, após sindicância, demitiu dois servidores com 25 anos de casa por suspeita de desvio de cerca de meio milhão de reais, entre 2004 e 2010.
Um pouco da história – e das histórias – do Nadir
No domingo 12 de outubro de 1958, Nadir Flores da Rocha veio ao mundo pelas mãos de uma parteira, em uma pequena casa da Vila Timbó, no município de Sananduva, interior gaúcho.
Filho de Sid e Arlinda, é o terceiro entre os irmãos Zamir, Leodir, Jandir, Jair, Valdir e Sadir.
– Coisa de gente simples do interior – é a explicação que suspeita para os nomes de final igual, do qual se escaparam Nildo e Nilva.
– E olha que depois casei com uma Sonir – diz, lembrando a esposa, falecida em 2011, mãe de seus filhos Leandro (37), Josiane (34) e Jéssica (25), que lhes deram os netos Weslei (14), Juliane (9) e Leonardo (3).
Nas lembranças da primeira infância estão viagens ao lado do pai carroceiro, carregando bananas e “vergamotas”, como fala, para vender na cidade.
– A vila onde morávamos era muito pobre, sem água ou luz. Era uma vida muita sacrificada – recorda ele, que devido à pobreza, não tem fotos fotos de infância.
A separação dos pais fez a mãe tentar uma primavera melhor perto da família, a cerca de uma hora dali, em Campos Novos, na região considerada o celeiro de Santa Catarina, por ser o maior produtor de cereais do Estado.
– Em um pedacinho de terra, plantávamos para comer. Os irmãos mais novos ajudavam na roça, os mais velhos, nas serrarias de araucária – conta.
Um menino na estrada
A lida no campo era intercalada por aulas no Grupo Escolar Rio do Pinho, até que, com apenas 12 anos, Nadir decidiu buscar um futuro melhor.
– A madeira estava acabando e as serrarias fechando. Não tinha emprego. A escolha era entre viver plantando para comer, ou ir atrás de um sonho – lembra.
Com uma sacolinha de roupas, o menino se despediu da mãe, andou 18 quilômetros por estradas de chão até a pequena ponte do Rio do Pinho, onde pegou o ônibus até Vacaria. Da cidade gaúcha, embarcou para Porto Alegre.
– Quem és tu? – perguntou a tia Polaca, quando o guri magro e de olhos vívidos bateu à porta, depois de pagar o taxi com notas amassadas.
– Sou o filho do teu irmão Sid.
No mesmo prédio da rua Miguel Couto, no Menino Deus, estava morando seu irmão, Valdir, e a namorada Olímpia, que acabaram o acolhendo. Foi estudar numa escola que ficava próximo ao estádio dos Eucaliptos, até que logo arrumaram para ele um emprego no Hospital Fêmina, onde a jovem trabalhava.
Três décadas de Conceição
– Dia 18 de março de 1973 assinaram minha carteira – lembra Nadir, que tem marcado na memória o início de uma carreira de três décadas no Grupo Hospital Conceição.
Office boy, era o encarregado de buscar em farmácias particulares os medicamentos em falta.
– Como peguei a manha de ler a letra dos médicos, logo estava trabalhando no balcão – diverte-se.
A saudade fez o guri ainda sem nem barba na cara voltar para o colo da mãe, que estava morando em Água Doce (SC). Em seis meses, viu que não queria mais a vida na roça e voltou para a Capital gaúcha. E para o GHC, onde perto dos 30 anos começou a se envolver na política sindical.
– Em 87 fizemos a primeira greve.
Nadir foi um dos mais de 200 demitidos. Depois de quase três anos vendendo bolsas e sapatos na frente do próprio hospital, conseguiu a reintegração na justiça.
– Eu não tinha partido. Mas era uma época em que o PT fazia bem para o trabalhador – diz, lembrando que presidia a associação e seu tesoureiro era Arlindo Ritter, o atual presidente reeleito do SindiSaúde.
– Já fui cobrado por chamar servidor de vagabundo, mas não consigo aceitar você não fazer um curativo num paciente terminal de câncer. Fui sindicalista e nunca defendi o quanto pior, melhor.
A demissão final veio em 2004, a qual recorre até hoje.
– Foi perseguição política. Não quis me filiar ao PT, que comandava o GHC a partir do governo Lula – justifica Nadir, que narra um episódio ocorrido no segundo, dos seus 31 dias como prefeito:
– O repórter Giovani Grizotti, da RBS, entrou porta adentro, com câmera e microfone, me perguntando o porquê da demissão por justa causa do Conceição. Eu disse a ele que, se provassem alguma improbidade administrativa, ou algum centavo de corrupção, eu renunciava como prefeito e também ao mandato de vereador.
O Gre-Nal das Águas Claras
A troca da bandeira do sindicato por uma de partido aconteceu em 1992. Desde 78 já morava em Gravataí, terra escolhida para financiar um loteamento nas Águas Claras pela esposa Sonir trabalhar no Zivi.
– A vida sindical tinha me mostrado que para poder ajudar as pessoas era preciso força política – explica.
Não foi eleito com os 194 votos que fez pelo PFL, que era coligado com o PL do candidato a prefeito Rubi Müller, “é pra frente que se anda”. Em 96, apoiou o vizinho Carlos Medeiros (PTB), eleito com 1284, que de amigo se tornou adversário histórico dois anos depois, e passou a disputar um GreNal de votos nas Águas Claras.
– Ele rompeu o acordo que tínhamos feito em 96. O apoiei para vereador, ele não me apoiou para deputado em 98 – confidencia Nadir.
Não foi eleito para Assembleia Legislativa com os mais de 5 mil votos que fez pelo PSDB, mas abriu as portas da Câmara para eleições em 2000 (2111 votos) e 2004 (2890 votos), e já pelo PMDB em 2008 (3475) e 2012 (3500) – a primeira como vereador da base de governo.
– Em 2000, o Carlinhos e o Néio (Lúcio Pereira) tentaram me cassar, me acusando de trocar exames por votos. Três anos depois, fui absolvido.
– Não esqueço que um rapaz que antes me acusava pegou uma bíblia na frente da juíza e disse que estava na igreja e não queria mais mentir. Ele nem me conhecia. Então, sempre digo que, se você fizer as coisas certas, alguém vai te defender – diz.
OS PRINCIPAIS PROJETOS APRESENTADOS PELO NADIR:
“Costumo dizer que novas leis não são necessárias. Basta cumprir as que estão aí”.
UM ARREPENDIMENTO NA VIDA PÚBLICA:
“Fiquei ausente da família, mas por acreditar muito no que fazia. Meu trabalho é a política, e a política não escolhe a hora”.
O NADIR PELO NADIR, EM UMA PALAVRA:
“Puro”.
OS PLANOS DO NADIR:
“A reeleição como vereador. Mais para frente, não sei”.
O QUE DIZ PARA O ELEITOR QUE NÃO ACREDITA MAIS NOS POLÍTICOS:
“Peço um tempo para explicar o quanto a política é importante. É só por ela que conseguimos resolver as coisas para comunidade”.
UM POLÍTICO ADMIRADO PELO NADIR:
“Fernando Henrique Cardoso”.
O CANDIDATO A PREFEITO DO NADIR:
“Marco Alba”.
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O SELFIE DA CAPA
Na série de perfis com os 21 vereadores eleitos, para a chamada de capa o SEGUINTE: pediu que cada um fizesse um selfie, em um lugar que considera simbólico da cidade. NADIR ROCHA fez o seu no plenário da Câmara de Vereadores.
: A foto que ilustra o perfil do Nadir na capa do SEGUINTE: