RAFAEL MARTINELLI

O porquê da pressa para privatizar a Corsan em 2022; A água e o esgoto no tapetão

Leilão foi realizado em 20 de dezembro, na sede da B3, em São Paulo

A pressa de Ranolfo Vieira Jr./Eduardo Leite para privatizar a Corsan ainda em 2022 pode ter explicação. Recorro a uma expressão usada em investigações policiais: é só seguir o rastro do dinheiro.

Antes, as informações.

A estatal foi vendida por R$ 4,1 bilhões em leilão na terça-feira passada; R$ 2 bi a menos do que precificava consultoria contratada pelo Senge-RS (Sindicato dos Engenheiros do Estado).

Em proposta única, a Aegea foi a vencedora com ágio simbólico de apenas 1,15%.

No rastro do dinheiro, a informação é de que equipe de transição do governo Lula já sinalizou que pretende alterar dispositivos do marco legal do saneamento para dificultar privatizações.

A justificativa do governo do Estado para a privatização era justamente a falta de recursos da Corsan estatal para atingir as metas do marco do saneamento.

Como reportei em Liberado negócio da Corsan; Juiz reconsidera decisão e aceita argumento de Ranolfo-Leite de que sem privatização não há como investir 12 bi em 11 anos, ao voltar atrás da própria decisão e liberar o leilão do dia 20, o desembargador Alexandre Mussoi Moreira, da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJE), aceitou a argumentação do governo de que a Corsan é “incapaz sob controle estatal” de atingir as metas do Novo Marco do Saneamento, já que, “no modelo atual”, não teria “capacidade de busca de financiamento” de, no mínimo R$ 12 bilhões de investimento nos próximos 11 anos, “o que significa mais do que o dobro da capacidade que a empresa tem logrado executar anualmente”.

Mas, o principal é que o governo Lula deve dificultar a liberação de recursos do BNDES para o financiamento das empresas privadas do setor. O foco dos recursos do banco de financiamento público seria em projetos estatais.

À coluna de Marta Sfredo, em GZH, o diretor financeiro da Aegea, André Pires de Oliveira Dias, confirmou que a empresa contraiu empréstimo de R$ 19 bilhões para arcar com os investimentos necessários em abastecimento de água e esgotamento sanitário nos 27 municípios que fazem parte de sua área de atuação no Rio de Janeiro, até 2030.

– Na sexta-feira passada, assinamos um financiamento de longo prazo com o BNDES de R$ 19 bilhões, o segundo maior da história do banco, com prazo de 30 anos. É para demonstrar como a empresa pensa, com disciplina financeira para ter crescimento sustentável. No caso da Corsan, vamos fazer o mesmo – disse, quando perguntado se um programa de R$ 36 bilhões não seria desafiador.  

Fato é que a obsessão de Leite era tanta por entregar uma privatização no currículo (mesmo que liberais europeus já apoiem reestatizações do setor hídrico, e Portugal é um exemplo), que não quis nem prospectar a possibilidade de financiamentos do governo Lula para a Corsan.

Ao fim, o negócio está no tapetão, como a colunista lista.

A ministra presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, negou pedido da Procuradoria Geral do Estado (PGE) para reverter liminar, obtida pelo Sindiágua no TJ-RS, que impede a confirmação da privatização.

Na ação, o sindicato aponta ofensa à Constituição do Estado, que prevê a necessidade de manutenção de órgão executivo e normativo para a gestão de saneamento básico no Rio Grande do Sul.

Há, ainda, outra medida judicial. Uma ação popular movida por Soelen Dipp dos Santos discute o valor mínimo apontado pelo Estado para a venda da estatal, R$ 4,1 bi, frente cálculo feito pela consultoria contratada pelo Senge-RS que aponta um valor de R$ 6,03 bilhões, 47% a mais do que o pedia o edital.

Na Justiça Federal do Trabalho processo questiona a manutenção de empregos e direitos previdenciários, objeto de endividamento da estatal.

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) também concedeu liminar que impede a assinatura do contrato até que sejam superadas as questões judiciais.

Na Assembleia Legislativa já se fala em CPI.

Reputo, observando manifestações de juristas, especialistas e políticos, o negócio ainda pode fazer água; inclusive por desistência do consórcio, sem novos recursos do BNDES.

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