O prédio ficava na metade da quadra, sua fachada voltada para o Sol. Um prédio simples, elegante, ângulos retos. Ele era um prédio, e era apenas isso. Ele era bonito, mesmo sem saber ser bonito, e tinha seis andares, nem muitos nem poucos. Era médio, o prédio. Seu interior era todo concreto, tijolo, reboco, vidro e madeira, cobre e plástico, metal e ar, e tudo era prédio. Ele era cheio de coisas úteis; sim, coisas úteis e importantes; antes de serem bonitas, relevantes. Sua porta de entrada abria e fechava o tempo todo, seu interior e exterior trepidavam com vida: criaturas vivas passavam diante dele, voavam sobre ele, passeavam e fervilhavam dentro dele, viviam dentro dele, tanto nos largos corredores e salas quanto nas minúsculas passagens e aberturas. O sol batia no prédio, a chuva caía no prédio, o vento roçava o prédio, e ele era sempre prédio, sempre, através de tudo que acontecia.
Ele não sabia ser prédio, ele apenas era. Se ele tivesse opiniões, ele acharia muito bom ser prédio. Se ele tivesse desejos, ele desejaria existir para sempre. Existir era bom, ainda mais sendo um prédio cheio de coisas úteis; úteis e importantes. Não sentia tédio, o prédio. Diante dele havia outro prédio, no outro lado da rua, e uma árvore na calçada, mas isso ele não via. O prédio não podia enxergar. De fato, ele não podia fazer nada além de existir e ser prédio. Mas tudo que acontecia ao redor e dentro dele ficava marcado, registrado, em suas partículas, moléculas, átomos, elétrons: cada pancada, cada gota de chuva, cada mudança de temperatura, cada vibração, cada arranhão. De certa forma, o que o prédio sabia fazer melhor era lembrar. Não que ele lembrasse por vontade, mas sim por mera consequência de ser prédio, e não havia remédio. Também não seria possível compartilhar essas lembranças, pois seria difícil extrair e decodificar essas tantas lembranças, todas armazenadas de forma difusa e misturada em cada partícula, como em um enorme banco de dados; um prédio de dados. Apenas ele lembrava, ninguém mais.
Também ele não sabia atribuir significado a essas lembranças. Cada coisa que acontecia era apenas uma coisa que acontecia, nada mais. Isso era bom? O prédio não sabia. Ele só sabia que, enquanto durasse, essas lembranças ficariam dentro dele, pois era impossível apagá-las. Não que o prédio quisesse ou tentasse apagá-las, pois isso não faria sentido. Lembrar era consequência de ser o que ele era, e ele era o que ele era. Um ser predial.
O prédio não podia prever, imaginar nem antecipar o futuro. No final das contas, podia ser que, em um intervalo menor do que um milésimo de segundo, ele poderia deixar de ser prédio. Quanto o mais o tempo passava, porém, mais ele permanecia prédio, portanto era cada vez menos provável que algum dia ele deixaria de ser prédio, assim, sem mais nem menos. No entanto, essa probabilidade nunca chegaria a zero. Para todos os efeitos, ele nunca deixaria de ser um prédio-prestes-a-poder-deixar-de-ser-prédio. Ser prédio era, no final das contas, uma coisa imprevisível. A possibilidade de desprediar-se, um eterno assédio.
Se o prédio deixasse de ser prédio, o que ele passaria a ser? Essa pergunta era vazia, pois ele não conhecia nada que não fosse ele mesmo. Talvez, então, ele simplesmente passaria a ser ele mesmo; e, por que não, talvez fosse isso mesmo que acontecia. A cada instante, o prédio deixava de ser prédio e voltava a ser ele mesmo. Existir seria, assim, a mesma coisa que não existir. Existir e não existir como uma coisa só que era duas, simultâneas, abraçadas uma a outra, uma transformando-se na outra constantemente, sem parar, prédio e não-prédio, eternamente alternando-se.
Até que era divertido ser prédio!