Tenho uma amiga que, vez por outra, posta no facebook as aventuras e desventuras de seu cotidiano. Sempre de forma lírica, o texto invoca uma perspectiva diferente para olhar o outro.
No início deste ano ela apresentou seu “Príncipe". É um morador de calçada na Zona Norte de Porto Alegre, próximo a um grande hospital. O título monárquico tem origem em um dos diálogos travados entre eles: “Uma vez se apresentou como meu príncipe e só me informou que eu era sua princesa, para eu realmente saber disso e nunca esquecer. Eu aceitei e cada um foi para seu castelo”.
Sempre que a vê, o príncipe informa que não poderá lhe dar flores. “Ele nunca me dá, mas acha que sim e sempre sugere ter pratas para me presentear”, prossegue minha amiga. O nobre homem tem a fiel companhia de dois cães: Bela e Valente. Em um de seus encontros, numa tarde do tórrido verão que enfrentamos no Rio Grande do Sul, a princesa encontra somente Bela, a cachorra ao lado dele.
Explicou que “o Valente estava se virando, procurando algo para ele e para a Bela matarem, pelo menos hoje, a fome e a sede. Ele se aventura, acha que pode ajudar, mas sempre volta com o rabo entre as pernas. Já tá fora de forma". O príncipe vive da escassa ajuda de quem por ali passa e, por vezes, consegue alguns trocados como flanelinha. Minha amiga contribui sempre que pode. Para ela, o príncipe, “apesar da miséria em que se encontra nos desperta sorrisos. Isso vale ouro e prata e muito mais que flores dadas”.
Chegamos ao outono e minha amiga envia uma fotografia do Príncipe em seu castelo a céu aberto. Ele dorme sob uma marquise. Tem a dura calçada como colchão e uma pequena trouxa com seus raros pertences por travesseiro. Ao lado, quem tem o privilégio de deitar em camas macias – espumas do que um dia foi um colchão – e até mesmo uma singela coberta? Bela e Valente, os companheiros de destino.
O Príncipe, assim como mais de mil outros moradores nas ruas de Porto Alegre, poderia pleitear uma das vagas nos abrigos. Mas a garantia de duas refeições, banho, cama e cobertas para passar a noite não o entusiasma.
Nos abrigos não é permitida a entrada dos animais de estimação. Teriam que ficar amarrados à cerca ou aguardar na marquise pela volta do amigo. A humanidade do Príncipe da minha amiga é feita de dignidade, flores imaginárias e carinho com seus companheiros de jornada.
Mais uma estação do ano se aproxima. Neste Inverno, o que faremos pelos príncipes das calçadas das cidades?