RAFAEL MARTINELLI

O ‘projeto-hipocrisia’: vereador pró-armas quer detector de metais e revista em escolas de Gravataí; O bota e tira do caixão na sala

É de uma hipocrisia tragicômica o projeto de lei apresentado por Bombeiro Batista (União Brasil) que “autoriza a instalação de porta detector de metal ou assemelhados em estabelecimentos de ensino”. O vereador, mais votado em Gravataí em 2020, é pró-armas.

Fica pior: a proposta permite também “tornar obrigatória a inspeção de pertences” de alunos, professores, funcionários, familiares ou qualquer pessoa que acesse a escola.

– Prevenção é a base de tudo. É evidente que a onda de violência nas escolas tem sido crescente, onde os professores, funcionários e os próprios alunos são agredidos com instrumentos de ataque como facas e até armas de fogo, entre tantos outros objetos –argumenta o parlamentar.

– Nossos filhos terão mais segurança para estudar e os professores e funcionários em geral para trabalhar – conclui, usando na justificativa o exemplo do atentado de 2021, no qual assassino de 18 anos matou três crianças e duas funcionárias numa creche de Saudades, no Oeste de Santa Catarina.

Poderia ter usado caso do mês passado, em que nazistinha de homeschooling assassinou duas professoras e uma aluna em Atracruz, no Espírito Santo, usando a arma do pai, policial militar.

Reputo hipocrisia porque Bombeiro é um vereador a favor de armar a população. Está na lista que reportei em A noite em que a Câmara ‘armamentista’ de Gravataí foi macabra; Vereadores sem vergonha de fechar o caixão.

Único dos principais candidatos gravataienses a apoiar Jair Bolsonaro desde o primeiro turno, apresenta-se como ‘bolsonarista moderado’, mas participou de ato antidemocrático em frente à quartel, como analisei em Bombeiro, vereador mais votado de Gravataí, seja corajoso e conte o porquê foi às ‘manifestações’: acredita em fraude nas urnas, contesta a eleição de Lula, quer intervenção militar ou foi passear?.

É ilógico apoiar o afrouxamento do uso de armas em um dia e, quando as tragédias acontecem, cobrar medidas para evitar o uso dessas armas no outro.

É um ‘bota o sofá na sala’, ‘tira o sofá da sala’. Ou o caixão, lamentavelmente.

Perguntei ao vereador se tinha um levantamento do custo. A resposta do político entendo demagógica:

– Quanto vale uma vida? Não tem preço.

Calculei eu.

O investimento necessário seria de mais de R$ 5 milhões para compra de equipamentos e instalação nos cerca de 70 estabelecimentos de ensino municipal.

Para efeitos de comparação, a escola modelo Suely Silveira Soares, inaugurada em 2021 no Breno Garcia, para atender 2 mil famílias e com área construída de 3 mil metros quadrados, custou R$ 4 milhões.

É óbvio que vidas não tem preço. Mas Bombeiro, que logo após a eleição deste ano foi lançado candidato a prefeito em 2024 pelo colega vereador Cláudio Ávila – que, Dos Grandes Lances dos Piores Momentos, aposto ser contra o ‘projeto-hipocrisia’ – precisa se ater à razoabilidade, se sonha mesmo um dia governar sua cidade.

Se não é malandra, a proposta é tão pueril quanto algum vereador apresentar um projeto “autorizando” a construção de um hospital municipal com mil leitos. Ganha a simpatia que a desinformação garante, mas comete desonestidade intelectual.

Ao fim, falemos de livros, não de armas, de contos de fadas, não de fardas em nossas escolas. É um bom antídoto contra o ódio.

Mas ‘Printe & Arquive na Nuvem’: Bombeiro terá mais apoio do que críticas nas redes sociais. Quem vai apanhar sou eu. É que, como bem descreve Castro Rocha, ensaísta e professor, autor de “Guerra cultural e retórica do ódio”, o Brasil é hoje um laboratório de criação de realidade paralela.

Alguns políticos usam desse multiverso para caçar-cliques em Gravataí também.

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