Claudio Wurlitzer é o jornalista que mais conhece a vida comunitária de Gravataí nas últimas quatro décadas. Ele escreveu um artigo especial para o Seguinte: sobre a emocionante despedida da unanimidade conhecida por Vó Maria, grande amiga de sua mãe, Iolanda, também frequentadora do Grupo da Terceira Idade.
Velório com bolo para festa de aniversariantes? Salão decorado com fotos e homenagens, gravação de vídeo indo parar no facebook? Sim, foi um velório muito diferente dos habituais. Foi singular, porque no centro das atenções estava uma pessoa especial para quem a conhecia na comunidade gravataiense. O encontro, na sede do Clube Esportivo Alvi-Rubro marcava a despedida de Maria Amélia de Fraga Vieira, a Vó Maria, que no mesmo dia 6 de junho estaria animando mais uma reunião do Grupo da Terceira Idade, criado por ela com o propósito de congregar idosos.
Como de costume, a primeira quarta-feira de cada mês era reservada para um encontro com brincadeiras, dança, bolo e muita alegria. Assim, mesmo com pesar, familiares e amigos fizeram exatamente o que a Vó Maria gostaria de ver naquele salão: alegria e confraternização para celebrar o 22° aniversário do grupo. Na véspera, com a festa organizada e amigos convidados, Vó Maria sentiu-se mal, em casa, e minutos depois viria a falecer no hospital.
Ao deixar este plano espiritual, a Vó Maria, aos 89 anos, parte tendo deixado para trás um legado de iniciativas sempre focado no amor ao próximo. Quem a conheceu sabe o quanto ela procurou semear bondade, sem a busca de promoção pessoal, uma recompensa ou elogio. Não se manifestava sobre política, mas gostava de quem fazia o bem, agia de modo correto, e não promovia a discórdia. Respeitando os tricolores, não escondia, entretanto, sua paixão pelo Internacional. Lembrando isso, familiares colocaram uma bandeira do Colorado nas proximidades do caixão. Neste mesmo cenário estavam banners contendo fotos e reportagens publicadas sobre os eventos que organizou.
Natural de Viamão, para onde o corpo foi levado no início da tarde, Vó Maria dedicou grande parte da vida a trabalhos voluntários. Conciliava as horas que cumpria pela Prefeitura, com aulas ensinando pessoas de comunidades carentes a técnica de costurar. Ao aposentar-se, aos 63 anos, não quis saber de ficar parada. Resolveu criar um grupo com amigas da Terceira Idade. A turma logo compreendeu o seu propósito altruísta. Os primeiros encontros foram realizados na própria casa. Com o crescimento do grupo, e com a oferta da diretoria do Alvi-Rubro, os encontros mensais tomaram outra dimensão, a ponto de reunir até duas centenas de “gurias e rapazes”, como chamava os participantes do grupo.
Sempre aguardado com ansiedade, o encontro mensal também passou a receber grupos visitantes, de diferentes comunidades e até de outros municípios, que não perdiam a oportunidade de confraternizar em um bailinho na tarde.
Além do espírito de liderança, a Vó Maria também era criativa. Sempre inovava nas brincadeiras, na decoração de uma mesa, frases para as homenagens e o que mais pudesse fazer para agradar. A “galera” esperava pelas novidades. Era eleição de Rei e Rainha, bolo para saudar os aniversariantes do mês, atividades especiais em datas comemorativas, um passeio por ano, e o próprio aniversário, em dezembro, que nunca foi para receber presente: pedia algo para servir de donativo para asilo, creche e famílias carentes.
Nessa trajetória de 22 anos do grupo, a Vó Maria sofreu perdas na família, mas nem por isso desanimou. Marido, filha e genro faleceram. “Não sei de onde dona Maria encontra tanta força para seguir em frente e levar o grupo com essa animação?”. O questionamento era respondido ao natural, a cada novo encontro do grupo. Doava-se, irradiando alegria e servindo de exemplo e inspiração para muitas pessoas.
Durante o velório, diversas manifestações enalteciam as virtudes de Vó Maria, em especial a forma carinhosa como tratava a todos, sem fazer qualquer distinção.
O que diria a Maria?
A despedida teve muita emoção. E, apesar das lágrimas, no ar pairava um sentimento que poderia ser avaliado como unânime: o de agradecimento pela convivência agradável que ela soube cultivar.
Muito obrigado, Vó Maria!