Apertem os cintos: aconteça o que acontecer, o Terremoto Trump, fatalmente, será um percurso acidentado. Compartilhamos o artigo do jornalista Pepe Escobar, traduzido por Patrícia Zimbres para o 247
Na escala Richter política, esse foi mortífero – literalmente. O que era para ser um Show Liberal-Totalitário foi brutalmente, sem a menor cerimônia, jogado no lixo. Mesmo antes do Dia da Eleição, o pensamento crítico sabia de tudo o que estava em jogo. Com fraude, Kamala ganharia. Sem fraude, Trump ganharia. Houve, na melhor das hipóteses, tentativas (fracassadas) de fraude. Permanece a pergunta crucial: o que O Deep State dos Estados Unidos realmente quer?
Minha caixa de entrada estava infestada de quilos de relatórios chorosos da Thinktanklândia americana se perguntando, em tom incrédulo, como Kamala pode ter sido derrotada. A resposta é bem simples – além de sua pura e simples incompetência somada à sua extrema e cacarejante mediocridade.
O legado do governo do qual ela fazia parte é medonho – desde o Boneco de Teste de Colisão até o Açougueiro Blinkie.
Em vez de se dar ao trabalho de lidar com o terrível estado de coisas em que se encontra, em todos os níveis, essa entidade mítica “o povo americano”, eles preferiram investir tudo em uma guerra por procuração fabricada pelos neocons a fim de infligir uma “derrota estratégica” à Rússia – roubando ativos russos, deslanchando um tsunami de sanções, enviando uma série de wunderwaffen, ou “super-armas”. O uso da Ucrânia como armas de guerra levou a incontáveis mortes ucranianas e à inevitável e cósmica humilhação da OTAN que em breve ocorrerá no solo negro da Novorossiya.
Eles investiram tudo no apoio ao genocídio de Gaza, conduzido por um imenso arsenal de armas americanas: uma limpeza étnica inspirada no lerbensraum somada a uma operação de extermínio dirigida por um bando de loucos talmúdicos – e vendida no contexto da “ordem mundial baseada em regras” cuspida pelo Açougueiro Blinkie todas as reuniões bilaterais e multilaterais.
Não é de admirar que o Oeste Asiático e o Sul Global em geral não tenham demorado a captar a mensagem sobre o que aconteceria a qualquer um que ousasse se contrapor aos “interesses” do Hegêmona. Daí o contragolpe: o fortalecimento dos BRICS e dos BRICS+, celebrado aos olhos de todo mundo há duas semanas em Kazan.
Pelo menos este governo tem o mérito de fortalecer os vínculos entre todas as grandes ameaças ao Hegêmona: três “BRICS (Rússia, China, Irã), mais a indomável República Popular Democrática da Coreia. Tudo isso contrastando com uma parca vitória tática – que pode não durar muito: a absoluta vassalização da Europa.
Pendurando a Ucrânia no pescoço da Europa
É claro que política externa não ganha eleições nos Estados Unidos. Os próprios americanos terão que resolver seus dilemas ou mergulhar de cabeça na guerra civil. Quanto ao grosso da Maioria Global, ela não acalenta ilusões. A mensagem em código do Terremoto Trump é que a vitória vai para o lobby sionista – mais uma vez. Talvez de forma não tão unânime quando examinamos todas as cepas de neo-cons e sio-cons. Wall Street ganha novamente (Larry Fink da BlackRock disse isso mesmo antes do Dia da Eleição). E silos importantes espalhados por todo o Deep State também ganham. O que pede que a pergunta seja alterada: e se Trump, depois de 25 de janeiro, se sentir empoderado o suficiente para se lançar a um expurgo stalinista no Deep State?
O Dia da Eleição ocorreu simultaneamente à reunião anual do Clube Valdai em Sochi, onde a grande estrela foi o eminente geopolítico Sergey Karaganov, o que não surpreendeu a ninguém. Ele, é claro, se referiu diretamente às Guerras Eternas do Império: “Estamos vivendo em tempos bíblicos”.
E mesmo antes do Terremoto Trump, Karaganov ressaltou, com toda calma: “Nós derrotaremos o Ocidente na Ucrânia – sem lançar mão de meios extremos”. A Europa, enquanto isso, se alijará para as margens da História”.
Na mosca. Mas então, Karaganov introduziu um conceito surpreendente: “A Guerra na Ucrânia é uma substituição da Terceira Guerra Mundial. Depois, poderemos chegar a um acordo quanto a algum tipo de ordem na Eurásia”.
Essa ordem seria a “indivisibilidade da segurança” proposta por Putin a Washington – e rejeitada – em dezembro de 2021, parte da “Parceria da Grande Eurásia” conceituada pelo próprio Karaganov.
O problema, contudo, é sua conclusão: “Façamos com que a Guerra na Ucrânia seja a última guerra importante do século XXI”.
Eis o problema: a guerra verdadeiramente importante é a de Eretz Israel contra o Eixo da Resistência no Oeste Asiático.
Façamos um rápido pit stop na Europa antes de chegarmos ao cerne da questão. O Terremoto Trump está decidido a pendurar a Ucrânia no pescoço da Europa como um gigantesco albatroz. Resumindo: sai o dinheiro americano para financiar o Projeto Ucrânia nascido para perder. Entra o dinheiro alemão que enche os cofres do lobby armamentista interno àquilo que Ray McGovern chamou de MICIMATT (complexo militar-industrial-parlamentar-de inteligência-jornalístico-acadêmico-think tanks, na sigla em inglês).
O Tesouro americano divulgou um memorando interno válido até 30 de abril de 2025 – quando Trump já estará no poder há três meses – permitindo transações com bancos russos relativas a qualquer questão relacionada a petróleo, gás natural, madeira e qualquer forma de urânio.
Quanto à crédula União Europeia governada por Bruxelas, ela terá que arcar com o pesado ônus de armar o que restou da Ucrânia e, ao mesmo tempo, aceitar onda após onda de novos refugiados, e terá que dizer adeus a todos os seus fundos investidos naquele colossal buraco negro.
Cuidado com aquele candidato a Tony Soprano – O Terremoto Trump – se tomado a valor de face – fatalmente irá intensificar o uso do dólar americano como arma. Trump, oficialmente, ameaçou colocar na lista negra qualquer país que use outra moeda em seu comércio internacional. Os parceiros dos BRICS e dos BRICS+ captaram a mensagem, o que os fará acelerar a testagem de todos os modelos no laboratório dos BRICS, o que levará a um sistema alternativo de múltiplos níveis para pagamentos no comércio internacional.
Os BRICS e a Maioria Global também sabem que Trump, de fato, assinou um projeto de lei sobre sanções ao Nordstream – quando ele, recentemente, de referiu a “matar” o Nordstream. E sabem também que ele fez menos que zero durante seu primeiro mandato para encontrar uma solução para a guerra por procuração na Ucrânia.
Agora chegamos ao x da questão. Trump, pessoalmente, destruiu o JCPOA – o acordo nuclear do Irã – negociado pelo P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha). Moscou – e Pequim – sabem perfeitamente que isso levou a uma desestabilização ainda maior da totalidade do Oeste Asiático, em conjunção com o assassinato do General Soleimani ordenado por Trump, o que deu início ao que eu chamei de os Raging Twenties (Os Frenéticos Anos Vinte).
E, por último, mas não menos importante, Trump negociou o bombasticamente chamado “Acordo do Século”: os Acordos de Abraão que, caso implementados, enterrarão para sempre qualquer possibilidade de uma solução de dois estados para Israel/Palestina.
O acordo – que pode ser visto como tão nefasto quanto a declaração de Balfour de 1917– talvez esteja em coma. Mas Jared Kushner, amigo de Whatsapp de MbS está de volta, e certamente irá renovar a pressão. MbS ainda não se resolveu no que diz respeito aos BRICS. Trump irá pirar geral se MbS começar a navegar rumo ao petroyuan.
Tudo isso nos leva de volta à supremamente tóxica personagem que é o aspirante a Tony Soprano Mike Pompeo, um sério candidato a diretor do Pentágono. O que significaria que temos grandes dificuldades pela frente. Pompeo foi diretor da CIA e Secretário de Estado no primeiro mandato de Trump. Ele é um hiper-falcão no que se trata de Rússia, China e, em especial, o Irã.
Pode-se afirmar que a questão mais urgente, daqui em diante, é se Trump – cuja vida foi poupada por Deus, em sua própria interpretação – fará o que é esperado dele por seus hiper-ricos doadores: nomear Pompeo e outros gângsters da mesma categoria para postos importantes e investir na guerra de Israel contra o Irã e o Eixo da Resistência.
Se for esse o caso, ele não terá mais que se preocupar com outro livre-atirador fracassado. Mas se ele tentar dirigir independentemente seu próprio jogo, não há a menor dúvida de que ele será um homem morto andando por aí.
Toda a Maioria Global, portanto, espera segurando o fôlego. Como o Terremoto Trump irá se traduzir na esfera geopolítica do MAGA? As apostas se concentram em uso amplo de empresas militares privadas para “missões” de política externa e “intervenções” militares dirigidas a alvos selecionados. Entre esses alvos podem estar qualquer ator do Sul Global, desde o México (para “proteger a fronteira”) à Venezuela (a doutrina Monroe “protegendo o petróleo”), o Iêmen (para “proteger o Mar Vermelho”) e, é claro, o Irã (uma campanha de bombardeios maciços para “proteger Israel”).
Resumindo: nenhuma guerra nova (como Trump prometeu), apenas algumas incursões com alvo específico. Mais a turbinadíssima Guerra Híbrida. Brasil, cuidado: o Terremoto Trump não irá tolerar que um membro verdadeiramente soberano dos BRICS aumente sua influência sobre o Sul Global no “Hemisfério Ocidental”.
Apertem os cintos: aconteça o que acontecer, o Terremoto Trump, fatalmente, será um percurso acidentado.