Fazia uma semana que o urubu não comia. Voava, voava por toda a floresta e não encontrava nenhum bicho morto para matar a fome. Fraco e desolado, pousado num galho, lamentava sua sina quando chegou a raposa palitando os dentes.
– O que está acontecendo com você compadre, parece tão triste? – perguntou ela.
– É a crise – respondeu o urubu. – Há dias que não como nada. Parece que não há mais comida nesta floresta…
– Bobagem, compadre! Nunca teve tanta comida dando sopa por aí… Acabo de saborear uns lindos filhotes de perdiz. Estavam deliciosos.
– Nem me fala, comadre. Chega me dar água no bico!
– O problema compadre – continuou a raposa – é que você não tem coragem. É um frouxo, covarde, incapaz de matar um pinto para comer. Nem sei pra que servem vocês urubus nesta floresta! Nem deveriam existir. Preferem morrer de fome do que matar um filhote de um bicho pra comer!… Nem um filhote de perdiz vocês são capaz de matar pra comer. Nunca vi disto!
– É a nossa sina – respondeu o urubu humildemente, mas com uma ponta de irritação com a arrogância da raposa e já arquitetando um plano para comê-la, pra ela deixar de ser besta. E continuou
– Nossa sina é essa, comadre: só comemos o que os outros matam ou bicho morto por doença.
– Que nada, compadre. Vocês urubus são uns frouxos, uns molengas. Comigo não tem curécuré. Se estou com fome, nem penso duas vezes, mato os filhotes da perdiz, como uma galinha, roubo os ovos da pata na lagoa… Ficar com fome é que não fico.
– Por falar em lagoa – falou o urubu com os olhinhos brilhando com a ideia genial que acabava de ter.
– Acabei de passar por uma cheia de filhotes de gansos, marrecos, patos e, se não me engano, até filhotes de cisnes eu vi por lá…
– Filhotes de cisnes? Onde, onde? – quis saber a raposa agitada.
– Adoro filhotes de cisnes! É o meu prato predileto. E faz um tempão que não como um. Vamos lá? Talvez até eu pegue um pra você. É muito longe daqui essa lagoa?
– Não. Não é longe, não. É logo ali, atrás daqueles morros…
– E não tem perigo nenhum? Cães, guardas armados, essas coisas, compadre? Se tem cisnes deve ser um granja muito rica e deve ter guardas armados e cães ferozes…
– Que nada, comadre! Não vi nada disso. Não tem perigo nenhum – mentiu o urubu.
– Não observei nenhum movimento de cães nem de guardas armados. Vamos fazer assim: eu vou até lá e examino direitinho. Se não tiver perigo, pra gente não perder tempo, eu lhe aviso voando em círculos, dando voltas e mais voltas sobre a lagoa. Caso contrário, eu volto aqui e lhe aviso dos perigos, combinado?
– Combinado – concordou a raposa.
E assim foi. Minutos depois a raposa olhou pro céu e viu o urubu voando em círculos, dando voltas e mais voltas sobre a lagoa.
– Oba! é tudo comigo! – pensou faceira e se mandou correndo pra lá. E já foi chegando direto pra pegar os cisnes que, assustados, voaram em bando deixando os filhotes atarantados, entregues a própria sorte sem saber pra onde correr. De repente só se ouviu os estampidos dos tiros: catapumm, pum, pum… e a voz do fazendeiro exultando:
– Oba!… te peguei bandida! Te acertei em cheio, raposa assassina. Agora, em vez de almoçar meus cisnes, quem vão te comer serão os urubus…
E lá em cima o urubu malandro que assistia a tudo, vibrava, resmungando pra si mesmo:
– Desculpe comadre… Mas os covardes e molengas também precisam comer…
Moral: Todo urubu tem seu dia de raposa.
João Carlos Pacheco é publicitário e humorista, vive em Porto Alegre. Participou da antologia de humor QI 14, de 1975. Para nosso prazer e do leitor, o Seguinte: passa a publicar uma série de suas fábulas, inéditas.