eleições 2016

O velho PT das lutas

Rita fala sobre o PT e as semelhanças entre seu impeachment e o de Dilma

A cinco dias de testemunhar Dilma, mulher como ela, enfrentar um julgamento de impeachment, a ex-prefeita Rita Sanco (PT) recebeu o SEGUINTE: em sua casa, num condomínio de classe média alta no bairro Dom Feliciano, em Gravataí.

A professora aposentada – que foi cassada pela Câmara em um Dia dos Professores, o sábado 15 de outubro de 2011, após uma sessão ininterrupta de mais de 24h – falou sobre as semelhanças entre seu impedimento e o que ameaça Dilma, e também sobre a implosão do PT de Gravataí, com as saídas do maior líder (Daniel Bordignon, que foi para o PDT) e de toda a bancada de vereadores (Alex Peixe foi para o PDT, Alemão da Kipão e Dimas Costa para o PSD e Carlito Nicolait para o PSB).

– O PT precisa ter uma candidatura. E uma candidatura que tenha a coerência de condenar o golpe contra Dilma e o golpe que sofremos aqui em nosso governo. Uma candidatura do PT das lutas – defendeu, dizendo que prefere não ser ela a candidata.

O nome mais falado do momento nos círculos petistas pode vir de um movimento, o Frente Brasil Popular, cujo jornal descansava em cima da mesa, com a manchete “Quem ganha e quem perde com o golpe”, e virou parte da brincadeira de riscar de Cecília, a neta de Rita de 2 anos, que acordou no meio da conversa de mais de uma hora e veio para a sala fazer arte no papel.

Para saber quem é, leia a entrevista.

 

SEGUINTE: – Qual o futuro do PT, aqui e lá em cima?

RITA – É momento de retomar nossa história. O PT surgiu para ser um partido de organização da classe trabalhadora, de transformações sociais, para fazer as reformas necessárias e ser o partido da ética. É a isso que precisamos ser fiéis. Não podemos ser reféns de estruturas viciadas, de relações de governabilidade, ou de uma construção onde os mandatos e as personalidades estão acima do programa partidário. Esse momento de crise, de golpe, resgata uma relação do partido com os movimentos sociais. Somos um partido nacional. Em Gravataí não é diferente. É hora de resgatar nossa essência, independentemente das personalidades.

 

SEGUINTE: – O PT terá candidato(a) a prefeito(a)? E, com a saída dos quatro vereadores e a debandada de pré-candidatos para outros partidos, muitos acompanhando Daniel Bordignon para o PDT, o PT terá nomes para concorrer à Câmara?

RITA – Segunda-feira a Executiva Municipal discute a candidatura à Prefeitura e deve encaminhar uma reunião do Diretório e a realização de um seminário. Eu, Rita, defendo que tenhamos uma candidatura à Prefeitura. Para a Câmara, já temos 16 nomes, entre militantes históricos e caras novas no partido. E estamos conversando com partidos do nosso campo político, da esquerda, como o PCdoB, aliado histórico, de uma fidelidade ímpar no enfrentamento ao golpe contra Dilma e a democracia. É urgente uma candidatura que represente esse campo, e não precisa necessariamente ser do PT. Enfim, não tenho dúvidas de que teremos candidaturas identificadas com nossas lutas e representativas de diferentes regiões da cidade. Tivemos uma grata surpresa na nossa última reunião, com uma retomada da participação de companheiras e companheiros que estavam afastados e agora querem viver o partido com muita disposição de luta. O golpe que hoje ameaça nossa democracia é muito maior que as questões municipais.

 

SEGUINTE: – És hoje a maior liderança do PT de Gravataí. Aceitarias ser candidata a prefeita?

RITA – Não me coloco como candidata.

 

SEGUINTE: – Por que não quer, ou porque estás inelegível?

RITA – Acho que o momento é para outros nomes, como por exemplo a companheira Vitalina Gonçalves, do sindicato dos professores e linha de frente da defesa da democracia com a Frente Brasil Popular. Como partidária, se decidirem: “tu tem que concorrer, Rita”, vou, porque sempre cumpri as missões partidárias. Mas não considero meu nome prioritário neste momento. Sobre a inelegibilidade, há teses de que eu estaria inelegível, outras de que não. Mas o que é fato é que não sofri nenhuma condenação judicial em decorrência do impeachment, não sou ré em nenhuma ação. Pelo contrário, nós é que temos uma ação que ainda está parada na primeira instância, no Fórum de Gravataí. Quando do impeachment, contestamos aquela cassação estritamente política, agarrada a um decreto de 1967, da época da ditadura, do Castello Branco, e sem nenhuma comprovação de crime de responsabilidade ou de qualquer outra natureza, cometido por mim, pelo vice-prefeito (Cristiano Kingeski) ou outro integrante do governo. Não há decisão de mérito. Quando falam que perdemos 50 medidas judiciais, elas só dizem respeito aos ritos do impeachment, não há nenhum julgamento sobre o principal: o motivo da cassação. De condenado restou o povo de Gravataí, que vive há mais de quatro anos com um governo medíocre, que sacrifica o funcionalismo e a população com a falta de serviços.

 

SEGUINTE: – Surpresa, decepção, ou as duas coisas. Qual a sensação que fica com a saída de Daniel Bordignon, fundador e maior líder da história do PT de Gravataí, e também dos quatro vereadores?

RITA – O PT local e o PT estadual fizeram todo esforço para manter o Bordignon e os vereadores no partido. Não faltou esforço. Acompanhei isso de perto. O PT estadual fez uma pesquisa, onde ficou claro que a candidatura de Bordignon era viável no PT, não havia motivo para terra arrasada. Mostramos para ele. Como avalio isso? A entrada em um partido político se dá por identidade com o programa desse partido, por afinidade ideológica. A saída, da mesma forma, se dá quando isso deixa de existir. Não uso a palavra decepção, porque na política temos que trabalhar mais com conceitos. Surpresa, sim. Não conseguimos firmar com os eleitos um acordo onde os mandatos fossem representativos do partido. Mesmo que uns mais, outros menos, tenham representado o PT, fomos surpreendidos em diversos momentos, como em voto de vereador (Carlito Nicolait) contra a inclusão de questões de gênero no currículo escolar, ou na regulamentação das viagens, onde o partido teve posição, de que deveria haver critérios, e fomos solenemente ignorados e os vereadores viajaram como quiseram (com exceção de Dimas Costa, que nunca viajou). Mas isso é um problema que não é apenas local, mas nacional, que exige que, neste momento, façamos uma profunda reflexão. O PT não pode ser como outros grandes partidos, apenas uma federação de mandatos.

 

SEGUINTE: – Mas a saída de Bordignon e dos vereadores não teve um caráter quase que exclusivamente eleitoral, devido ao desgaste nacional do PT e, a cada desfiliação, a diminuição da força local?

RITA – (neste momento, Rita abre os braços, com a boca faz um muxoxo,  inclina a cabeça para o lado, e parece responder, com o movimento facial e corporal: “fazer o quê?”). Foi uma decisão pessoal de cada um. Então, cabe a cada um responder.

 

SEGUINTE: – Havia espaço para Bordignon permanecer no PT tendo como principal articulador da candidatura a prefeito o advogado Cláudio Ávila, mentor de seu impeachment e hoje vice-presidente do PDT?

RITA – Sempre tive posição clara sobre isso e já tinha externado ao PT. Nossa aliança deveria ser com partidos do campo popular, onde está o PCdoB, e estaria o PDT, se o PDT em Gravataí não fosse uma montagem. Esse PDT em nada lembra o PDT do ex-prefeito José Mota, por exemplo. Não é coerente condenar o golpe contra Dilma, e avalizar o golpe consumado contra nosso governo em 2011 aqui em Gravataí. Como ter ao nosso lado qualquer pessoa envolvida naquele episódio sórdido? Como dizer que lá em Brasília é golpe e em Gravataí não foi? Bordignon tinha muito espaço para continuar no PT. Mas eu continuaria defendendo as alianças coerentes, nunca junções incoerentes.

 

SEGUINTE: – Então és contra qualquer apoio futuro do PT a candidaturas ou mesmo um governo que tenha entre seus principais personagens os apoiadores de sua cassação?

Rita – Claramente contra. Reforço que é minha posição, não do PT, porque o PT não discutiu isso ainda. O PSB votou pelo impeachment aqui em Gravataí e foi autor da ação para impedir a nomeação de Lula; o PMDB foi o mentor do golpe aqui e nacionalmente abarca esse monte de bandidos e traidores; o candidato do PSD também votou pela cassação aqui e o partido está abandonando o governo Dilma; e o PDT nacional tem uma posição firme contra o golpe, mas aqui, como já falei, é uma montagem, uma aliança incoerente para nós.

 

"Nem eu, nem Dilma somos rés em ações de corrupção"

 

SEGUINTE: – Seu impeachment e o processo contra Dilma guardam muitas semelhanças, não é?

RITA – Totais! Tanto comigo, como com Dilma, representam movimentos restritos ao legislativo, de inconformidade de grupos políticos e econômicos que perderam as eleições no voto popular. Em Gravataí, desde 1996, no Brasil, desde a eleição do Lula em 2002. Querem entrar pela porta dos fundos. O crime que imputam a Dilma nunca foi crime em nenhum momento da história da República. As tais ‘pedaladas’, as tais ‘operações de crédito’, sempre foram feitas pelos governos e nunca se configurou crime. Pergunto: quantas fases já houve na operação Lava Jato? Umas 30. Onde a Dilma aparece como acusada? Onde ela é apontada como corrupta? Em nenhuma. Ela, como eu, não é, e nunca foi ré em ação judicial. Vivemos um momento tão desastroso da política nacional onde de 38 deputados federais que votaram na comissão do impeachment, 30 são réus em processos. E são réus, são acusados pela Polícia Federal, denunciados pelo Ministério Público e com ações em curso aceitas pela Justiça, não são simples suspeitos, ou apenas investigados por corrupção. Aqui em Gravataí o que os golpistas apontavam como a principal ‘denúncia’ do impeachment foi uma renegociação de dívida com a Ceee, que tinha sido assumida pelo Banrisul. Como agora, em 2016, a dívida foi extinta, argumentam que estavam certos. Mas a dívida foi extinta porque o banco parou de cobrar. Em 27 de janeiro de 2010 recebemos a cobrança extrajudicial, ameaçando executar a dívida inteira em 30 dias caso não abríssemos uma negociação. Eram R$ 62 milhões, que parcelamos para não ter bloqueados recursos, para não ter que atrasar salários ou o pagamento de fornecedores. E fizemos tudo com leis autorizadas pela Câmara, com previsão no Orçamento e parecer do Ministério Público atestando a repactuação da dívida como amplamente favorável ao município. Quem contar essa história diferente, conta uma mentira.

 

SEGUINTE: – Se o impeachment é golpe, a que interesses serve?

RITA – Ao projeto neoliberal, que sofreu sucessivas derrotas no voto e foi impedido de continuar sua política de privatizações, de retirada de direitos trabalhistas, de ataque à CLT… Sem falar nas questões de gênero, da livre orientação sexual… Corremos o sério risco de um retrocesso social. O que acontece é que temos uma maioria do Congresso Nacional eleita pelos polpudos recursos dos patrões, que agora cobram a conta. Ou alguém duvida que, se derrubarem Dilma, futuras investigações serão encobertas, ou enterrarão a Lava Jato? O vice-presidente Michel Temer (PMDB) deve ser o único brasileiro que fala de política por 14 minutos, como ele fez no vídeo ‘vazado’ onde se finge de presidente, e não usa a palavra corrupção, ou a expressão “combate à corrupção”. No PT, quem cometeu erros, tem que pagar pelos seus erros. Mas policiais federais e procuradores nunca denunciaram qualquer boicote às investigações. Pelo contrário, todos dizem que o governo do PT, até hoje, é o único que nunca tentou barrar investigações. Por outro lado, o Congresso teve a oportunidade de acabar com a obscuridade dos financiamentos privados de campanha, e não o fez. Também poderia ter evitado as tenebrosas negociações em mudanças de partidos, as alianças espúrias, mas preferiram abrir uma janela de troca-troca. Em vez de um processo pedagógico, de limpeza nas campanhas e valorização dos programas partidários, optaram por continuar no mar de lama.

 

SEGUINTE: – E a mídia, outra vilã da esquerda?

RITA – É escandalosa a postura da Globo e das maiores empresas de comunicação, seja na forma, no conteúdo e no tempo dedicado às mais diferentes questões. Qualquer análise simplória identifica isso. É escancarado. Mas nada diferente do DNA golpista da Rede Globo e de outros veículos da grande mídia, que apoiaram o golpe de 64.

 

SEGUINTE: – A esquerda sempre gosta muito de alertar para a influência estrangeira nos movimentos políticos nacionais. Há?

RITA – O neoliberalismo é internacional, como as forças de esquerda também são. O que há é luta de classes, e luta de classes não tem fronteiras.

 

SEGUINTE: – O processo de impeachment de Dilma e seu entorno reagruparam a esquerda e os movimentos sociais. Mas parece claro que isso não significa uma redenção do governo Dilma.

RITA – Nunca. Há uma mobilização a favor da democracia e contra o golpe, mas sem perder a visão crítica da situação que vivemos. O governo Dilma precisa mudar. A política econômica de ajuste levou à recessão e desemprego. Precisamos retomar políticas que implantamos em períodos anteriores, de juros mais baixos, de investimento na infra-estrutura, de redução de impostos em áreas estratégicas, de desoneração da folha de pagamento, ou mesmo novas medidas, mas com o mesmo fim: o pleno emprego, a distribuição de renda e a retirada de milhões da pobreza e da miséria. Já enfrentamos crises internacionais piores.

 

SEGUINTE: – E Lula liderando as pesquisas?

RITA – Mesmo com todos os ataques que o Lula tem sofrido, de partidos, de políticos, do judiciário e da mídia, ele aparece na frente das pesquisas em todos os cenários, enquanto o PSDB ocupa posições vexatórias. É um sinal de que o eleitorado brasileiro tem clareza sobre os acertos econômicos e sociais dos governos do Lula, que incluíram milhões de pessoas, fizeram o Brasil crescer e permearam um sentimento positivo no país. Lula, que é sempre apontado como o melhor presidente, está muito vivo e tem grandes perspectivas de ser eleito em 2018. Por isso a obsessão da direita por afastar Dilma e impedir Lula de concorrer.

 

SEGUINTE: – O PT não está morto, então?

RITA – Como o Lula disse, só acertaram o rabo da jararaca.

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