A reeleição de Sérgio Cardoso para mais dois anos na presidência do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí coloca olhos da aldeia em um estudo milionário sobre como resolver os problemas do manancial nos tempos de excesso e falta de água na região.
O levantamento, que tem um aporte de R$ 15 milhões do Ministério das Cidades, desde 2015 mede metro a metro as curvas de nível do Rio para registrar para onde a água está indo e prevê a apresentação às prefeituras de projetos executivos, inclusive com o custo de obras com soluções para tempos de secas e inundações.
– Na presidência de um órgão que é de Estado, e não do governo da vez, teremos voz nesta e em outras grandes discussões ambientais fundamentais para a região – observa, usando o “nós” principalmente para se referir à Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí (APN-VG), com 38 anos uma das pioneiras do ambientalismo brasileiro, entidade que preside desde 2014 e o indicou como candidato na disputa vencida na semana passada por aclamação das 40 representações de governo e da sociedade civil de – rio abaixo – Santo Antônio, Glorinha, Gravataí, Taquara, Cachoeirinha, Canoas, Porto Alegre, Alvorada e Viamão.
– Não há saída na base do ‘eu resolvo’. Qualquer prefeito que disser que, sem a integração de toda região, tem solução para falta de água, contenção de cheias ou recuperação do Rio Gravataí, está enganado. Não é uma discussão bairrista – argumenta o geólogo, que nunca amarelou para polêmicas desde os anos 90 quando pesquisava diamantes em Georgetown, na Guiana Inglesa, em meio Amazônia selvagem, ou pelos anos 2000 quando, como presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) e em altos cargos permeou com voz sempre crítica governos do PT no município e no estado.
Aos entendidos, o alerta soa diretamente ao prefeito Marco Alba (PMDB), que confirmou para o segundo semestre o rompimento do contrato com a Corsan e o lançamento de uma licitação que vai prever que a empresa vencedora garanta acesso a água tratada para todas as pessoas em cinco anos, esgoto cloacal em 10 anos e a recuperação do Rio Gravataí em 15 anos para garantir a capacidade do abastecimento com captação no manancial local.
– O Rio é o mesmo em todos os municípios. São necessárias ações conjuntas das prefeituras, que poderiam ser feitas de forma consorciada num espaço já institucionalizado e juridicamente autorizado a licitar, que é a Granpal, que já faz isso na compra de remédios, por exemplo – sugere, referindo-se à Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre.
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Ainda no controle de cheias, com a reeleição Cardoso também ganha força no acompanhamento de outro investimento federal, ainda mais alto, de R$ 223 milhões, e que um pouco mais indiretamente, no Arroio Feijó, também repercute em Gravataí, Cachoeirinha e Porto Alegre: a construção de diques em Alvorada.
Nova reserva no Rio
Na apaixonada lista de metas que elencou em uma entrevista de quase duas horas, dada com exclusividade ao Seguinte: após a eleição, o morador da Vila Jansen conta que já acelera os detalhes para colocar em prática proposta do governo do Estado de criar uma unidade de conservação ambiental de uso integral numa área de 300 hectares no Banhado Grande, em Gravataí.
– A idéia é congelar a área, preservá-la de qualquer dano ambiental – resume, informando que dinheiro para custear as desapropriações já existe num fundo direcionado ao Comitê, oriundo de medidas compensatórias da instalação das redes de alta tensão que trazem à região metropolitana energia do parque eólico da Região Sul.
Na semana passada, no catamarã do Rio Limpo, projeto de educação ambiental de R$ 2 milhões que nos últimos quatro anos geriu numa parceria da APN com a Petrobrás, Cardoso levou o diretor de recursos hídricos do Estado Fernando Meirelles para um passeio na área delimitada para preservação.
– Conversamos com proprietários e há interesse na venda das áreas – conta, aproveitando a narrativa sobre a tarde de navegação para citar outro objetivo: criar via Rio Gravataí o roteiro dos quilombos, ligando o do Passo dos Negros ao da Anastácia.
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Cobrança pela água
Mas o que Sérgio Cardoso quer mesmo olhar de lupa é a cobrança pelo uso da água do Gravataí, discussão ainda desfocada pela falta de elaboração de planos ambientais de bacias hidrográficas de outras nove regiões do Rio Grande do Sul.
Pioneira, a Bacia do Gravataí já tem plano pronto desde 2012, mas para cobrar pelo uso da água concessionárias de abastecimento (hoje a Corsan capta de graça e vende a água, por exemplo), empresas e produtores agrícolas é preciso uma interligação de todo sistema hídrico gaúcho.
– O dinheiro arrecadado iria para um fundo de investimentos para melhorar a quantidade e qualidade da água de cada bacia. E gerido pelo Comitê e seu controle social, sem depender do governo de plantão – explica, antecipando o futuro papel do órgão como, a partir da cobrança, um gestor de crises no uso da água.
– Não há como eliminar todas as empresas, nem acabar com a agricultura. Proibir o uso da água por produtores agrícolas em Santo Antônio, por exemplo, é como tirar a GM de Gravataí – compara, calculando em 30% os trechos poluídos do Gravataí, principalmente pela falta de tratamento de esgoto.
– Mas 70% da água do Rio é de excelente qualidade – atesta, alertando que nenhum investimento público ou privado avançará sem a ligação dos usuários às redes de esgoto.
– Glorinha tem um investimento de R$ 10 milhões pelo PAC do Saneamento, mas de mil ligações há apenas 80 – exemplifica, usando um dado estarrecedor.
É esse o único momento em que o multitarefas, que integra também os conselhos de meio ambiente e dos planos diretores de Gravataí, Cachoeirinha e Porto Alegre, demonstra pessimismo. Cardoso não acredita numa ligação em massa às redes, pelo menos num curto prazo. Nem mesmo após a determinação da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) de que seja feita a ligação obrigatória dos usuários que tiverem rede passando na frente de casa, sob pena de responder por crime ambiental.
– Isso ainda vai gerar muita briga na justiça – prevê o proprietário de uma empresa de consultoria ambiental e colunista das quartas do Seguinte:, que no Comitê ou nos outros fóruns ambientais que integra não recebe salários ou gratificações.
– Muitos me chamam de louco, porque não ganho um pila de ninguém e estou em todas. Mas participo porque acho que posso fazer minha parte, que o mundo não é só dinheiro e pode dar certo.
Assista vídeo sobre o Rio Limpo