Na manhã desta terça-feira (20), a Polícia Civil do Rio Grande do Sul deflagrou a Operação Bunkers, uma ação simultânea contra duas organizações criminosas que utilizavam condomínios populares em Canoas como bases fortificadas para crimes como tráfico de drogas, homicídios, extorsão e cárcere privado.
Com mandados cumpridos em duas frentes — a 3ª e a 1ª Delegacias de Polícia (DP) de Canoas —, a operação expôs a complexidade de esquemas que mantinham moradores reféns do medo e de estruturas paralelas de poder.
Condomínios como “flak towers” do crime
Inspirados nas torres de defesa antiaérea alemãs da Segunda Guerra, os chamados “bunkers” em Canoas serviam como redutos quase impenetráveis.
Dois condomínios, em lados opostos da cidade, eram controlados por facções rivais: uma aliada a grupos do Vale do Rio dos Sinos (Novo Hamburgo e São Leopoldo) e outra com ramificações em Porto Alegre.
Ambos replicavam um modelo de domínio territorial que incluía controle de serviços internos, extorsão e até empresas de fachada para lavagem de dinheiro.

Bunker I: o império do tráfico e da lavagem
Coordenada pela delegada Luciane Bertoletti, da 3ª DP, a primeira fase da operação mirou um condomínio com mais de 4.800 residentes. Foram cumpridos 57 mandados (preventivas, buscas e bloqueio de contas), desarticulando uma rede que atuava há mais de um ano.
: Controle total: Os criminosos comandavam não apenas o tráfico intramuros, mas também empresas de limpeza, vigilância e uma imobiliária suspeita. Líderes presos continuavam a operar de dentro do sistema prisional.
: Lavagem sofisticada: Fragmentação de transferências, contas em múltiplos bancos e transações acima da capacidade financeira dos investigados mascaravam o dinheiro do tráfico. “Eles usavam contas de ‘laranjas’ sem profissão conhecida”, explicou Bertoletti.
: Hierarquia rigorosa: Membros tinham funções específicas, de logística a embalagem de drogas, comunicando-se via aplicativos criptografados.

Bunker II: cárcere, retaliação e guerra ao estado
Já a 1ª DP, sob o comando do delegado Marco Guns, investigou um caso chocante de cárcere privado em outro condomínio. Em dezembro de 2024, uma mulher e seus dois filhos (um deles autista) foram sequestrados por cinco homens armados, a mando de líderes faccionais presos. O motivo: vingança contra um ex-aliado que mudou de facção.
: Terror doméstico: A vítima relatou que os criminosos invadiram seu apartamento, trancaram as crianças e monitoraram o cativeiro por videoconferência. Apenas após cinco dias, conseguiu negociar a liberdade alegando mudança de estado.
: Ataque à polícia: Dias depois, o mesmo condomínio foi palco de um confronto entre PMs e moradores, que rechaçaram as viaturas com tiros e fogos de artifício. Onze carros foram incendiados em retaliação.
: Domínio paralelo: “O local é uma mina de ouro para o tráfico. Os moradores pagam taxas arbitrárias e veem armas e drogas circularem livremente”, disse Guns.

Prisões e bloqueio financeiro
Ao todo, sete presos foram capturados na operação, além do bloqueio de recursos financeiros e apreensão de provas. O diretor da 2ª Delegacia Regional, Cristiano Reschke, destacou o padrão das facções: líderes presos ditavam ordens de dentro das penitenciárias, enquanto empresas de fachada lavavam milhões.
Um dos alvos investigados vivia em uma casa fortificada: muros altos com concertina, câmeras, cães pitbull e paredes reforçadas com chapas de aço. “Isso mostra o nível de preparo para desafiar o Estado”, acrescentou Reschke.
A operação revelou um cenário de medo e silêncio: moradores eram coagidos a não denunciar, seja por ameaças ou por benefícios ilícitos. Para as autoridades, porém, o desmantelamento é só o início. “Queremos devolver a normalidade a essas comunidades”, afirmou Bertoletti.
