Mirando financeira que captava clientes que se tornaram vítimas, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul, sob o comando da delegada Cristiane Machado Pires Ramos, da 2ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, deflagrou nesta terça-feira (3) a segunda fase da Operação Malus Doctor, que na primeira fase em maio teve alvo em Glorinha.
A ação visa desarticular definitivamente um grupo criminoso acusado de orquestrar um dos maiores esquemas de fraude processual já investigados no país, com mais de 145 mil ações judiciais potencialmente fraudulentas movidas contra instituições financeiras, causando um prejuízo estimado em R$ 50 milhões, principalmente a idosos e beneficiários de programas sociais.
O golpe sofisticado: empréstimos fantasmas e vitórias falsas
As investigações, iniciadas há dois anos, revelaram um modus operandi complexo e predatório. Membros do grupo, incluindo advogados e intermediários, abordavam pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, prometendo revisar judicialmente supostas cobranças abusivas em empréstimos consignados. Cobravam honorários de 30% sobre os valores “recuperados”.
Na realidade, a fraude era profunda.
Com procurações falsas, os golpistas utilizavam documentos falsificados para mover ações revisionais contra bancos sem o consentimento dos titulares. Havia um fatiamento de demandas. Eram fragmentadas ações idênticas, protocolando-as em múltiplas comarcas, muitas vezes distantes das vítimas, para evitar detecção.
Empréstimos ilegais também foram identificados. Os suspeitos contraíam novos empréstimos consignados em nome das vítimas, sem seu conhecimento, e também faziam depósitos enganosos. Depositavam parte do valor desses novos empréstimos nas contas das vítimas, fazendo-as acreditar que se tratava de valores recuperados nas ações judiciais.
Os suspeitos também cobravam ‘honorários’. As vítimas, enganadas, repassavam 30% do valor recebido ao grupo criminoso.
O golpe só era percebido quando as vítimas notavam descontos indevidos em seus benefícios previdenciários ou salariais, referentes aos empréstimos fraudados. Nesse estágio, a empresa de fachada já havia sumido, com endereços falsos e telefones desativados.

Escala chocante e casos extremos
Os números do esquema impressionam: foram 145 mil ações judiciais movidas em todo o país, sendo 112 mil no Rio Grande do Sul e cerca de 30 mil em São Paulo.
O principal advogado investigado, identificado como líder do grupo e preso na primeira fase, é responsável por aproximadamente 47% de todas as ações contra bancos no Tribunal de Justiça do RS (TJRS), configurando-se como o quinto maior litigante do estado.
Casos extremos de fraude incluem ações movidas em nome de pessoas falecidas, com procurações assinadas meses após o óbito. Uma vítima relatou ter descoberto 30 ações em seu nome sem qualquer autorização.
A Operação Malus Doctor: duas fases de combate
A primeira fase, deflagrada em 8 de maio, foi marcada por uma grande investida, cumpriu 74 ordens judiciais em Porto Alegre, Glorinha e Xangri-Lá. Incluiu 35 mandados de busca e apreensão, 9 suspensões do exercício da advocacia para os investigados e bloqueios de bens (móveis, imóveis e ativos financeiros) no valor de até R$ 50 milhões. Entre os bens apreendidos estavam três carros de luxo (Maserati, BMW e Mercedes). O líder do esquema foi preso foragido em Dourados (MS) no dia 15/05, quando tentava chegar à fronteira com o Paraguai.
A segunda fase, deflagrada hoje, é focada em desvendar a estrutura de captação de clientes/vítimas e recebimento dos valores do golpe. Foram cumpridos sete novos mandados de busca e apreensão, especialmente mirando uma financeira envolvida nessa etapa. Documentos, celulares e computadores foram apreendidos para análise e instrução do inquérito.
Ao todo, 14 pessoas são investigadas pelos crimes de estelionato, falsidade ideológica, fraude processual, apropriação indébita e associação criminosa. O principal alvo já está preso. As vítimas buscam reparação na Justiça, podendo requerer a nulidade das ações fraudulentas.

Idosos como principais vítimas
A delegada Cristiane Ramos destacou a complexidade e o impacto social do caso: “Esta operação revela a ousadia de grupos que se infiltram no sistema judicial para lucrar com a ilegalidade, explorando a vulnerabilidade de cidadãos, especialmente idosos. A apreensão de documentos nesta segunda fase é crucial para mapear toda a rede e identificar mais envolvidos.”
O caso já foi compartilhado com o Ministério Público, responsável pela denúncia formal dos investigados. A Polícia Civil gaúcha segue com a operação em andamento, com a análise minuciosa do material apreendido nas duas fases.
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