Causou reação da Brigada Militar e entidades ligadas à corporação a última tirinha do Armandinho, criação de Alexandre Beck que já tem oito anos e foi inspirada em sua filha pequena.
Para muitos a charge foi inadequada, principalmente por ter sido publicada pelas mídias da RBS no dia do aniversário de 181 anos da briosa.
– A Brigada não é racista – é o resumo da contestação.
Inegável é que, se a verdade tem dia para acontecer, a crítica social apresentada pelo artista parece adequadíssima para ser postada hoje, no Dia da Consciência Negra.
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Como a patrulha vem de pelotão no Grande Tribunal das Redes Sociais, onde bandido bom é bandido morto e direitos humanos é coisa de esquerdopata (a não ser que se trate de médicos cubanos), vamos aos chatos dos fatos que atrapalham argumentos.
Socorro-me da ainda atualíssima reportagem do colega de Seguinte: Eduardo Torres, que em 2013 rendeu ao Diário Gaúcho o primeiro prêmio nacional da história do jornal, o XXX Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, do Movimento Brasileiro de Justiça e Direitos Humanos.
Em A história de Carlos Alberto Jardim Fontoura, o Du: negro pobre e da periferia – Ser negro, classe baixa e viver na periferia significa portas fechadas ou sentença de morte é citado o estarrecedor estudo "Vidas perdidas e racismo no Brasil", da Fundação Getúlio Vargas e do Ipea. Que mostra que apenas 20% das mortes de negros e pardos no país pode ser atribuída diretamente à pobreza. O racismo, mesmo velado, se esconde entre os outros 80%.
Em Porto Alegre, e aí basta pegar um Sogil ou Vicasa e transpor o choque para Gravataí ou Cachoeirinha, a chance de um negro ou pardo ser assassinado é maior do que o dobro da de um branco. Se nas ruas do Rio Grande do Sul a população negra representa um sexto dos habitantes, dentro do Presídio Central essa proporção é de um terço.
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A socióloga Rochele Fachinetto observa que não se trata de uma vitimização gratuita e vai muito além de uma escolha individual. Jovens como o Du, da imperdível reportagem, são, sim, vítimas da estrutura social que restringe oportunidades. Não é ter acesso a uma escola, mas a um ensino de qualidade. Não é ter um trabalho, é ter condições de pensar em uma carreira profissional digna.
Dissociar a exclusão social da cor da pele, conforme a pesquisadora da Ufrgs, especialista em Violência e Cidadania, seria impossível no Brasil:
– Temos um histórico de escravidão e nunca houve inclusão real. O jovem negro ou pardo já cresce com uma série de estereótipos a serem vencidos. Não é que todo o jovem negro e pobre vai ser vítima e também autor da violência, mas é uma tendência real.
Se você já superou a barreira da nossa nova ordem whatsappiana e, antes de comentar no facebook leu o artigo até aqui, tire mais alguns minutos e clique aqui para conhecer a história do Du, o menino de 13 que pela quarta vez ia ao cemitério enterrar um irmão.
Exercite a empatia, coloque-se no lugar do outro.
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A charge do Alexandre Beck dói, por obvio. Ou pelo menos deveria doer em todos nós. Fere, sim, policiais militares, de salários indignos, parcelados e que, como cantava Belchior, em Alucinação, estão aí / cumprindo o seu duro dever / e defendendo o seu amor / e nossa vida. Mas exigir um pedido de desculpas é negar a realidade.
Quem tem mais chances de ser parado pela polícia: um negro ou um branco correndo?
Dizer que as coisas não são assim é uma meia verdade. As estatísticas comprovam que é a metade mais próxima da mentira.
Policiemo-nos, os não-negros. A dívida histórica é gigantesca e é bonito reconhecer os erros e aprender a se livrar do racismo entranhado em nossas criações.
Eu, branco, heterossexual, curso superior, salário digno, com oportunidades para estar nas primeiras filas da 'meritocracia', me incluo nessa e faço desse exercício minha academia diária da civilidade.
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