A política é uma mulher de César, não basta ser, tem que parecer. Decano do Congresso, o que passa longe de um elogio, o presidente Michel Temer sabe disso. A verdade, neste momento, já é o que menos importa.
Em um país que recém derrubou uma presidente em um impeachment político, justificado por pedaladas que já eram uma espécie de esporte olímpico nacional, beira a insustentabilidade a permanência de um presidente que recebeu pela porta dos fundos um criminoso confesso e teve a voz ouvida até na taba de um índio nas ondas derrubadoras de reputações do Jornal Nacional.
Num pronunciamento desesperado feito há minutos, Temer apela para o Poisoning the well, a estratégia do envenenamento do poço. Busca desacreditar os áudios e a delação do magnata caipira que, sexta-feira, o transformou em investigado num inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção, obstrução de justiça e organização criminosa.
Sobre os crimes que ouviu do ‘Joesley Safadão’, Temer disse considerar fanfarronice de um notório falastrão, que recebeu como o faz com gente de todos os naipes, até tarde da noite, domingos inclusive, no Palácio do Jaburu. No popular, um chato do qual tratou de se livrar indicando seu ex-assessor Rocha Loures, depois recebedor de malas com dinheiro chipado da JBS.
– Cometeu o crime perfeito – aí bem descreveu o presidente, sobre o açougueiro com nome de cantor sertanejo, que acusou ter vendido ações e comprado R$ 1 bilhão de dólares antes de colocar o governo no brete do abate e ir passear em Nova Iorque.
Já buscando blindagem na estratégia criada pelo amigo advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, o presidente anunciou que está pedindo a suspensão do inquérito até uma perícia na “gravação clandestina e fraudulenta”, que conforme ele teria “mais de 50 edições”.
Sobraram momentos, entre os 13 minutos em que falou, para tentar dividir o mau cheiro com zumbis do PT, ao acusar “os dois governos anteriores” – do qual é bom lembrar fez parte no mais alto palanque – de permitir “facilidades aos oportunistas” que gravitavam o BNDES e a Petrobrás.
Dizendo ser vítima de insatisfeitos com seu governo, “que tem rumo e tira o país da recessão”, Temer alertou para “os que querem voltar aos tempos em que quebraram o Brasil e ficaram ricos”.
Como em uma novela da Globo, onde até o último capítulo o protagonista oscila entre mocinho e vilão, agora há pouco na TV o presidente eleito para ser vice jogou o veneno no poço. Mas, político experiente, ombreado por Eliseu Padilha, que é tido há mais de duas décadas como um dos maiores conhecedores das fomes e humores do Congresso, Temer certamente sabe que pode não ser antídoto suficiente para o que, há pouco mais de um ano atrás, foi seu próprio veneno.
Sem sustentação política, no Brasil mandam para casa até o papa Francisco. O que é bem mais fácil no caso de Temer, um argentino em popularidade.
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