coluna do martinelli

OPINIÃO | O Rio Gravataí como o Rio Doce após a tragédia da Samarco

Foto tirada em sobrevoo mostra diferentes colorações no Rio Gravataí

Estaríamos chegando ao momento em que o Rio Gravataí entrará com uma ação pedindo indenização contra a poluição das indústrias, e a sujeira e o veneno das lavouras, aos moldes do que está acontecendo com o Rio Doce, em Minas Gerais?

Numa liminar em que o Ministério Público conseguiu garantia de multa de meio milhão de reais caso arrozeiros com licenças suspensas pela Fepam continuem a contaminar a bacia, a juíza de Gravataí Cíntia Burhalde Mua – a mesma que classificou os animais como seres sencientes e não como coisas ao negar pedido do Pampas Safari para prosseguir a matança de cervos – considerou o rio “sujeito de direitos”.

A inusitada, por moderna sentença, teve seu ineditismo dia 5 de novembro, quando pela primeira vez na história do Brasil, um rio entrou com uma ação judicial. Ajuizada contra o governo federal e o governo de Minas Gerais, pedia um Plano de Prevenção a Desastres para proteger toda a população da bacia do Rio Doce – que há dois anos, na ‘tragédia da Samarco’, sofreu o maior desastre ambiental do Brasil.

Na ação, o Rio Doce está representado pela Associação Pachamama, que atua na América Latina, e sustenta que, mesmo que a Constituição Brasileira ainda não reconheça o direito da natureza, existem vários tratados internacionais assinados pelo Brasil que permitem a medida judicial, que pode ser assinada por qualquer pessoa: eu, você.

O que mudaria com o reconhecimento dos direitos de um rio, algo ocorrido pela primeira vez no mundo no Equador, em março de 2011, é que garantiria maior proteção ao manancial, seu entorno e a população em geral. Mas o principal é que a natureza, até então vista como um recurso natural, como um bem, passível de apropriação e exploração, passaria a ser tratada juridicamente como um Ser de Direitos. Em outras palavras, o ser humano deixaria de ser o centro e a própria vida assumiria sua posição – da mesma forma que no caso dos cervos do Pampas, a vida além do dinheiro e da propriedade.

Fato é que a decisão da Justiça de Gravataí empodera ainda mais abnegados da causa ambiental ligados a ONGs e entidades e também órgãos de estado, como o Comitê da Bacia de Gerenciamento do Rio Gravataí e o conselho deliberativo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande, e mesmo órgão gestores que queiram comprar essas brigas, como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e a Fundação Municipal de Meio Ambiente de Gravataí (FMMA), além de agigantar órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público.

A liminar histórica veio a pedido do promotor Eduardo Coral Viegas, responsável pela defesa do rio na Promotoria Regional da Bacia do Gravataí. Foi ele quem, paralelamente à Ação Civil Pública, em 2016 e, agora em 2017 – sob o alerta de repetir o ano passado quando mais de 100 mil pessoas ficaram sem abastecimento – usando o próprio manual de boas práticas de manejo do Instituto Riograndense do Arroz (Irga) recomendou à Fepam a suspensão das licenças de plantio, outorgas de uso da água e o rompimento dos canais que levam sedimentos da produção do arroz e o veneno dos agrotóxicos para o Gravataí.

Por inevitável, ou por pressão política e social, o silêncio da Fepam em 2016 não se repetiu agora. Após alertas feitos pelo Comitê de Gerenciamento da Bacia do Rio Gravataí e pela Corsan (que em medições de hora em hora verificou uma turbidez da água dez vezes maior que o normal) um sobrevôo foi feito no rio e transformou em imagens o suposto despejo do lodo (envenenado pelos agrotóxicos) por seis empreendimentos.

Conhecedor do jogo de empurra de tradicionais famílias do agrobusiness da região, uns acusando os outros da poluição, e nenhum proprietário aceitando firmar um termo de ajuste de conduta desde as primeiras denúncias feitas pelo Comitê e o MP no ano passado, o promotor pediu o que chama de “perícia perfeita”. Em novas operações, desta vez por terra e água, MP, Fepam, FMMA e o Grupamento Ambiental da Guarda Municipal embrenharam-se por fazendas de difícil acesso e também coletaram dezenas de amostras de água.

Conforme Cinara de Pizzol, diretora da Divisão de Licenciamento de Culturas Agrícolas da Fepam, os laudos ainda não foram concluídos.

Dos seis supostamente flagrados na primeira fiscalização, quatro grandes fazendas perderam as licenças pela reincidência verificada nas operações seguintes e hoje qualquer movimento de plantio ou comercialização da produção é considerado ilegal. Os proprietários recorreram e já foram feitas duas reuniões, em 24 de novembro e 8 de dezembro, envolvendo corpos técnicos dos produtores, Fepam e Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).

Nos bastidores, produtores também procuraram o diretor do Irga para “defendê-los”, mas Maurício Fischer teria alertado que no caso de comprovadas irregularidades o órgão não faria nenhum tipo de intervenção, como conta o gerente regional José Tronchoni – que reconhece que, historicamente, muitos produtores “não fizeram o dever de casa”.

A coisa está assim no momento: nesta terça, em reunião de casa cheia do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, que foi acompanhada na íntegra pelo Seguinte: na Casa de Cultura de Cachoeirinha, no bico da ponte do Rio Gravataí, e teve a participação de ambientalistas, Fepam, Corsan, Irga, MP e fundações e secretarias de meio ambiente da região, foi criado grupo de trabalho que, em 120 dias, fará uma análise e buscará soluções para esse conflito entre o público e o privado, ou, traduzindo: os consumidores da água do Gravataí e os produtores de arroz.

O grupo, que terá a mediação do geólogo Sérgio Cardoso – presidente do Comitê, ambientalista de carteirinha desde antes dos anos 90 quando foi pesquisar diamantes em meio à Amazônia selvagem e um experimentado comandante de entidades ambientais, órgãos gestores do meio ambiente e no conselho regional de desenvolvimento – agradou tanto os verdes quanto representantes dos produtores.

Como Ivo Lessa, responsável técnico por uma das maiores fazendas que está entre as que tiveram licenças suspensas e alerta para meandros no Rio Gravataí que dificultam a identificação de quem realmente comete irregularidades no plantio.

Ou Martin Zang, responsável técnico pelo assentamento do MST, maior produtor de arroz orgânico do Rio Grande do Sul e também entre os apontados como poluidor, não por agrotóxicos, mas pelos sedimentos do arroz pré-germinado.

– Precisamos falar sobre os usos e parâmetros que queremos para a qualidade da água do rio. Sem jeitinho.

Mas a principal notícia, pelo menos para este articulista, ficou para o fim, quase vazando como a água do rio pelo canal do DNOS: Eduardo Coral Viegas, promotor responsável pela Bacia do Gravataí, aquela que tem a APA, e que é considerada especial por decreto estadual desde 1996, vai cobrar o acordo firmado ano passado que proibirá a partir da virada deste ano qualquer pulverização de veneno por estas bandas.

Na argumentação do promotor está o fato de que há dois anos foi criada uma zona de exclusão de envenenamento que, por flexibilização do Governo do Estado após pressão dos arrozeiros e das empresas de aviação foi empurrada para 2018, ano qual estava programava a conclusão do plano de manejo da APA. Aí então ficaria proibida a sequência de envenenamento das águas que integram a rede de abastecimento de mais de 1 milhão de pessoas.

Só que, entre ambientalistas e conhecedores da burrocracia, há como nos jacarés alvo dos caçadores no Gravataí o medo de que o plano não fique pronto (e as licitações para as pesquisas necessárias andam secas, secas devido aos baixos valores oferecidos pelo governo estadual…) e o acordo seja pedalado.

Se valer como conforto resta palavras do promotor, que disse que vai lutar pelo cumprimento do que foi acertado: a partir da safra de 2018, o Rio Gravataí estará em uma zona de exclusão, de zero veneno.

Eduardo Coral Viegas, como cada gaúcho, consome por ano 8 litros de agrotóxicos embebidos nos alimentos servidos à mesa.

Ele bem poderia levar adiante seu plano de pedir indenizações pelos danos causados ao rio por quem quer que seja…

 

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