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OPINIÃO | Onde a Gravataí da GM encontra a mulher do Bolsonaro e a filha de Moro

Ao deixar Marambaia, Michelle Bolsonaro usa camisa com frase de juíza para Lula

O Brasil é uma grande rede social! O futuro presidente Jair Bolsonaro aparece em vídeo lavando roupa de mergulho – possivelmente de outra pessoa, já que ele usa uma bolsa de colostomia –, a futura primeira dama Michelle aparece de camiseta com a inscrição “Se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema” – frase dita pela juíza Gabriela Hardt durante um interrogatório com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva –, e, a exemplo da mãe, Rosângela, a filha do futuro superministro Sérgio Moro, Júlia Wolff Moro, aparece fazendo campanha contra o PT e a parentada pira no Grande Tribunal das Redes Sociais.

Como a vida não é um reality show, torçamos para que aqueles que ganharam a eleição desçam do palanque daqui a seis dias, data da posse, e governem pensando no Brasil em geral, e não apenas em discursos whatsappianos para agradar aos – arredondando para cima – quatro em cada dez eleitores que ‘mitaram’ nas urnas.

Nesse Show de Truman – sim, parece cada vez mais real o filme que chegou aos cinemas há 20 anos como uma ficção científica quase distópica (e a personagem de Jim Carrey somos nós) – pouco se sabe sobre as primeiras medidas que o futuro presidente vai tomar. Para Gravataí, algumas diatribes da transição, tuitadas ou ditas em improvisadas lives e entrevistas coletivas, ou em convescotes a embasbacados empresários, não parecem nada boas.

Aos fatos, os chatos que atrapalham argumentos – e fanatismos.

Não se sabe ainda o modelo de reforma da previdência que o futuro governo vai apresentar. No governo de Gravataí, uma mudança nas regras atuais, principalmente aumentando o tempo de contribuição das mulheres (elas são a maioria no magistério) é aguardada como salvação para a ‘Falha de San Andreas’. Que é como o secretário da Fazenda Davi Servergnini chama o Ipag Previdência, comparando ao acidente geológico mais temido no mundo e que poderia desencadear um tsunami de proporções bíblicas em São Francisco engolindo parte dos Estados Unidos, o cálculo atuarial que aponta a necessidade de R$ 1 bi para garantir as aposentadorias pelos próximos 15 anos. E que leva a prefeitura a pagar uma alíquota complementar que hoje está em 14% e pode chegar a 72% sobre a folha em 2035, se as regras previdenciárias nacionais não mudarem.

Mas tem outra coisa que preocupa, para além da “facada” que o superministro Paulo Guedes projeta no Sistema S, que pode fechar vagas de ensino técnico e profissionalizante na Gravataí da Escola do Sesi, e Silvestre Silva Santos tratou no Seguinte:, em artigo na semana passada. É que o ‘posto ipiranga’ da economia já disse que o Mercosul não é uma prioridade para o futuro governo. Isso pode representar outra facada – desta vez na GM, a grande paixão de Gravataí, responsável por quase metade da receita.

Em uma entrevista ao UOL, Carlos Zarlenga, presidente da GM Mercosul, é otimista com o crescimento da economia brasileira. Mas as entrelinhas das respostas do dono de Camaro e piloto de corridas parecem esconder um alerta.

– Não precisamos de incentivos fiscais, mas de competitividade – é uma das afirmativas, no momento em que o setor automobilístico ganha do governo Michel Temer R$ 2 bilhões em isenções de impostos.

O comandante da GM Gravataí explica que Brasil e Argentina podem produzir, fora da crise, 5 milhões de carros por ano. Mas a prioridade é o mercado da América do Sul, onde a montadora, que não consegue exportar para o resto do mundo, pretende ficar, diferente do que ocorreu na Europa:

– Lá a GM tinha um market share pequeno, número 6 ou 7 no mercado. E esse é um mercado no qual se você não é número 1, ou número 2, é difícil criar escala e ganhar. A América do Sul é uma área de absoluta importância, estratégica, quase fundamental para a GM.

Entre 2017 e 2020, o investimento da GM no Mercosul foi de R$ 4,5 bi, parte do ‘show do bilhão’ em Gravataí. Desde 2014, já são R$ 13 bi. Entre os planos da montadora está liderar no bloco econômico o mercado de carros elétricos, com o lançamento de 20 produtos nos próximos cinco anos.

Vamos além, porque para raciocinar melhor é preciso mais do que memes de WhatsApp.

O Mercosul, criado em 1991 pelo Tratado de Assunção, é hoje o terceiro maior bloco do mundo, depois do Nafta (México e Estados Unidos) e da União Europeia. Seu PIB total é de US$ 2,8 trilhões (R$ 10,4 trilhões). O integram oficialmente Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A Venezuela foi suspensa em 2016. Se fosse um país, seria a quinta maior economia do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China, Japão e Alemanha.

Explicando grosseiramente, é uma zona de livre comércio que, ao taxar e encarecer produtos de fora, incentiva que os países-membros comprem e vendam entre si. É o caso dos automóveis, principal item exportado pelo Brasil ao restante do Mercosul.

Funciona assim: se a Argentina quiser comprar carros do Brasil, por exemplo, não precisa pagar nenhum imposto de importação (ou vice-versa). Mas se quiser comprar de fora do bloco, a alíquota será de 35%. No ano passado, os automóveis de passageiros responderam por 22% de tudo o que vendemos dentro do bloco – US$ 22,6 bilhões (R$ 84 bilhões).

Como apontaram especialistas ouvidos pela BBC Brasil, “o resultado desse 'protecionismo' é óbvio: incapaz de fazer frente a outros países do mundo, a indústria nacional brasileira, menos competitiva, sai favorecida”.

No ano passado, nove em cada dez produtos exportados pelo Brasil ao Mercosul foram manufaturados (89%). O bloco ainda é destino de 25% de todas as exportações brasileiras. Além disso, no mesmo período, exportamos para nossos vizinhos muito mais do que importamos deles.

Conclusão: “nosso saldo foi de US$ 10,7 bilhões (R$ 39,7 bilhões) em 2017, o que contribuiu para fecharmos nossa balança comercial no azul”.

O Mercosul é também o maior mercado para cerca de 7.000 micro, pequenas e médias empresas exportadoras brasileiras: 20% das exportações têm como destino países-membros do bloco.

Paulo Guedes deu uma canelada assim, ao responder a jornalista sobre a relação do futuro governo com o bloco econômico:

 – O Mercosul não é prioridade. Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você quer ouvir? Queria ouvir isso? Você tá vendo que tem um estilo que combina com o do presidente, né? Porque a gente fala a verdade, a gente não tá preocupado em te agradar.

Disse mais:

– O Mercosul é muito restritivo, o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas e isso é ruim para a economia. O bloco só negociava com quem tinha inclinações bolivarianas.

Certamente declarações dessas, se chegarem à prática, agradarão mais às montadoras chinesas, de olho no Mercosul, do que à GM da Gravataí onde sete em cada dez eleitores votaram no chefe do ‘posto ipiranga’.

Mas como ninguém sabe ainda o que é propaganda, ou realidade, resta esperança de que o pragmatismo da vida real de um governo que pensa o país se imponha à insensatez de nossa Grande Guerra Ideológica Nacional.

 

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