O pior da nossa elite viralizou com o assédio de brasileiros a jornalistas russas. Não basta gastar R$ 130 mil para acompanhar a Copa, tem que passar vergonha. Entre os identificados nos casos que repercutiram nas redes sociais, um ex-secretário condenado por mau uso do dinheiro público, um advogado e um policial militar.
Sintoma de um país onde uma mulher é assassinada a cada duas horas, 500 são vítimas de violência física a cada hora, quatro em cada dez relatam ter sido vítimas de assédio sexual mas, mesmo assim, uma em cada quatro pessoas – inclua-se machos e fêmas – entendem que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas.
Mesmo que muitas mulheres não aceitem mais caladas, há um ódio às pautas identitárias, visível principalmente no Grande Tribunal das Redes Sociais, onde neste momento muitos que ainda conseguem arrastar a leitura além de um primeiro parágrafo já babam sobre os teclados prontos para metralhar contra o ‘politicamente correto’.
Não só trogloditas, mas também tontinhas submissas a uma sociedade patriarcal que lhes permite apenas ganhar menos do que os homens, com o mesmo estudo, no cargo que for, e fazem coro com o machismo ao mandar a feminista se depilar.
Óbvio que muitos desses idiotas, em suas camisas da CBF, cabelos e barbas bem talhadas, bebendo, rindo e ‘brincando’ em volta da jornalista, também são parte dos revoltados com a política, os que postam meme sobre os nove dedos do Lula, os que não admitem ter votado na Dilma, no Temer ou no Aécio, e que volta e meia querem matar o presidente ou eleger um tipo como Bolsonaro.
Mas eles também podem ser você.
Conversei hoje com duas colegas sobre o deplorável espetáculo. Pelos relatos, o drible ao assédio deveria valer pontos no currículo das jornalistas.
A Katterina Zandonai, colunista do Seguinte:, tem dez anos de jornalismo e já trabalhou inclusive no ambiente do futebol, assessorando e viajando com delegações do Cerâmica de Gravataí.
– Já passei por muitos constrangimentos, dentro do campo por parte dos torcedores, dos jogadores dos outros times, dirigentes e até colegas de profissão. Piadas, elogios inapropriados, convites para encontros e mensagem pelas redes sociais são coisas comuns.
O esquema desse jogo nojento é o mesmo, e cometido naturalmente: a única mulher na coletiva “deixa o ambiente mais interessante”, uma entrevista, por telefone ou pelas redes sociais, termina em uma proposta inconveniente, e o elogio raramente é ao trabalho, mas à beleza.
– Simpatia e educação parecem sinônimos de procurar por companhia – resume a Kati.
Diléa Fronza, repórter do Correio de Gravataí e do Diário de Cachoeirinha, nesta manhã chegou a discutir virtualmente com um vizinho, que usou o vídeo do assédio à russa para fazer piada no grupo de WhatsApp do condomínio.
– Aquilo mostra o pior do Brasil, lá e aqui.
Na década que completa como jornalista, assédio é coisa comum. Fontes pegajosas, então…
– Muita gente considera bobagem, mas não é. É chato não bastar um aperto de mão, ser recebida por desconhecidos com beijinhos melosos, elogios ao cabelo, como se ali não estivesse uma profissional exercendo seu trabalho.
O condicionamento cultural pode levar gente bem intencionada a cometer gafes, claro. Policie-se, peça desculpas, aprenda a respeitar, tendo mãe ou não. Não é feio. Evocar o ‘mimimi’ é a desculpa dos mimados para o 7 a 1 na civilidade que a gente ainda vê por aí.
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