3° Neurônio | fábula

Os bois utopistas | João Carlos Pacheco

Um belo dia numa fazenda, uma parelha de bois se recusou a puxar o arado.
Tinham  uma reivindicação a fazer: negociar as horas de trabalho. Queriam uma redução da jornada diária.

Argumentavam que trabalhavam demais, que começavam antes do sol nascer e largavam noite alta e coisa e tal. 

O fazendeiro, a princípio, tentou endurecer. Ameaçou mandá-los embora e trocá-los por uma parelha nova, etc, mas não deu  certo – os bois não cederam.

A ideia tinha se espalhado rapidamente e toda a boiada da fazenda fechou questão: ou se reduzia a jornada de trabalho ou ninguém puxava mais o arado.

Depois de muitos encontros e assembleias, chegou-se a um acordo: 10 horas de trabalho por dia, com uma hora para a ração e descanso aos domingos.

Feitas as pazes, todos voltaram ao trabalho.

Duas semanas depois, nova paralisação. Desta vez pediam férias anuais de um mês e folga também aos sábados, além dos domingos.

Mais uma vez o fazendeiro tentou endurecer, mas por fim cedeu. Mas com uma condição: nada de folga também aos sábados, só férias anuais e a  folga aos domingos.

O líder do movimento exultava e repetia a toda hora: “boiada unida, jamais será vencida”.

Os bois mais velhos, mais cautelosos, advertiam: “Cuidado boiada nova, os tempos são outros, as coisas estão difíceis, o País não cresce há anos, a globalização está aí, o desemprego está alto e não para de crescer…” 

Mas o jovem líder não dava ouvido e já preparava nova paralisação. Que não demorou a acontecer.

Um mês depois, a boiada cruzou os braços outra vez. Pedia nova redução da jornada de 10  para 8 horas diárias, descanso aos sábados e domingos e divisão das tarefas, isto é,  que quem puxasse o arado não puxasse a carreta e quem puxasse a carreta não tocaria o moinho e assim por diante.

E mais: décimo terceiro salário, participação nos lucros da lavoura, cogestão na administração da fazenda e reforma agrária, já.

O fazendeiro cansado com tantas  reivindicações, não teve dúvida: vendeu a boiada pro matadouro e comprou um trator.

Moral:

Seja onde for, ninguém está livre de ser atropelado por um trator.

 

João Carlos Pacheco é publicitário e humorista, vive em Porto Alegre. Participou da antologia de humor QI 14, de 1975. Para nosso prazer e do leitor, o Seguinte: passa a publicar uma série de suas fábulas, inéditas. 

 

 

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