Não comentei ontem porque saí um pouco do ar com a partida de uma filha, minha gatinha Magnólia, de 21 anos. Mas o assunto ainda está quente. Nesta sexta, audiência pública virtual da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa teve como pauta a polêmica do Mercado Livre, que tratei em O café frio que custou 2 mil empregos para Gravataí e em links relacionados.
Mesmo com o investimento perdido, senti-me representado pelo prefeito Marco Alba, precisamente por levantar o tema dos ‘negócios sigilosos’ do Governo do Estado.
Assista a sessão e, abaixo, analiso.
Além de expedir o alvará rapidamente, Marco Alba tem feito o que pode, politicamente, nessa história do Mercado Livre. No momento em que criticou o governador Eduardo Leite, se expôs, arriscando perder, nas eleições de 2020, aliados municipais ligados ao Governo do Estado, e testou a influência junto a políticos de seu partido que ocupam secretarias estaduais.
Mas foi PREFEITO, e exerceu a delegação que recebeu nas urnas para defender os interesses da sua cidade. Acerta em travar no hoje a luta pelo Mercado Livre e deixar para o amanhã a eleição. Ganha e perde, mas faz a pressão necessária – que só repercute ao chegar à mídia profissional e às redes sociais.
Como já comentei anteriormente, Daniel Bordignon fez isso no final dos anos 90 com a GM. Defendeu antes o bom negócio para Gravataí, e deixou que outros, técnica, e/ou ideologicamente, questionassem as isenções, socializadas com os outros 496 municípios no bolo tributário do Estado.
Nesta semana o grito de Marco Alba despertou até a RBS, que tratava perifericamente o assunto, ao ponto da Marta Sfredo, a ótima jornalista de economia, ter nesta sexta escrito um artigo atestando que a perda da gigante do e-commerce não poderia ser comparada à Ford – instrumento de pressão que usou o prefeito e tratei em Perder Mercado Livre é pior que Ford, diz Marco Alba a Eduardo Leite; o ’delivery’.
Associo-me ao palanque online que o prefeito usou para levar a informação para além da RBS, não só por bairrismo, já que piso no mesmo asfalto e barro que ele, mas principalmente por uma questão que reputo a-ideológica – e necessária para o futuro dos gaúchos: o prefeito pediu transparência em todo e qualquer negócio feito pelo Governo do RS, no caso, os de negociações tributárias, de isenções e incentivos fiscais.
Como um Dom Quixote avançando sobre moinhos de vento – na luta para não perder para Santa Catarina, as ‘Ilhas Caimãs do Brasil’, o maior investimento privado de seu governo, que representa 20 Havans (o empreendimento que foi um símbolo para a Gravataí que deu 7 a cada 10 votos para Jair Bolsonaro) – Marco Alba disse um óbvio ululante para os políticos, mas surpreendente para os leigos: ele não sabe dos detalhes da negociação entre o governo estadual e a empresa que investiria meio bilhão em sua cidade, numa projeção de cinco anos, e abriria 2 mil vagas, entre empregos diretos e indiretos.
Que, mesmo envolvendo dinheiro público, são negócios restritos a poucos, é uma coisa notória na política, mas aparentemente inquestionável pelos próprios políticos, e pela grande mídia. A pauta ganha peso por Marco Alba não ser ‘comunista’. É um político que não tem origem em nenhum lado extremo da ‘ferradura ideológica’, e seu MDB já foi governo, é governo, e quase nunca deixou de ser no RS – ou onde for.
Eu também não conheço o negócio Mercado Livre-Governo do RS. E você? Aí vem a pergunta seguinte: quem é acionista dessa empresa chamada ‘Estado’? Eu e você, não? Mais ou menos, já que, com o voto, delegamos a representação a eleitos nos poderes Executivo e Legislativo.
Agora, calculem o tamanho dessa delegação de poderes. Só em 2019 foram R$ 10 bilhões em incentivos. Para efeitos de comparação, é 2,5% do PIB de R$ 400 bilhões, que é toda a riqueza produzida pelo RS.
Três questões são mínimas.
É positivo para o Estado o balanço entre a isenção e o quanto cada empresa representa no bolo dos impostos ao ser ‘guarda-chuva’ do setor, ao supostamente atrair investimentos para a cadeia produtiva?
Renderia notícia positiva na RBS a divulgação da relação entre os incentivos recebidos e os empregos gerados pela empresa?
Quem assinou o contrato defenderia o negócio na TV?, pergunta que, frente a questões éticas, recomenda para cada um fazer a si mesmo a amiga médica Hideko Takahashi.
Reputo essa polêmica um símbolo da ‘uberização’ da economia – inevitável e avassaladora. Até por isso, o governador precisa explicar o que deu errado, além do café frio servido ao Mercado Livre. O que a empresa pediu, que prejudicaria a economia gaúcha? Algo que diz muito: quem seria prejudicado?
Winston Ling, CEO da Fitesa, tuitou neste sábado elogiando o discurso de Marco Alba e defendendo que “empresas como a Ford ou o Mercado Livre deveriam ser aprovadas em 30 dias”. Entendo que possa ser até em 1 dia, desde que as bases da negociação sejam abertas, para análise do Ministério Público e eventual julgamento pelo Judiciário, e, principalmente, para o eleitor avaliar a cada quatro anos se delegou bem o poder de negociação para o seu CEO.
Ao fim, minha cobrança não é só pela transparência nos negócios sigilosos que não dão certo, mas também nas concessões de incentivos que deram, ou dão certo – supostamente. Não me interessa se os envolvidos são os mais honestos que eles próprios conhecem.
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