alienistas e alienados

Os sãos, os insanos e nós

Um médico respeitado inicia, em sua pequena cidade, um estudo na área da psiquiatria, especificamente sobre a loucura. Cria um hospício, com a autorização do governo, e lá vai internando as pessoas que apresentam algum sinal de “desvio” comportamental. À medida que o tempo passa, porém, a ação do médico vai tomando proporções gigantescas: quase toda a cidade é internada no hospício, chamado de Casa Verde. Entre gestões depostas, discussões na Câmara de Vereadores e uma população revoltada, o enredo desenvolve-se e nos instiga a refletir sobre quem são, realmente, os insanos, e sobre o alcance das intrigas políticas. Essa é a história da obra O Alienista, escrita por Machado de Assis e lançada em 1882.

 

Dentro de cinco dias, o alienista meteu na Casa Verde cerca de cinquenta aclamadores do novo governo. O povo indignou-se. O governo, atarantado, não sabia reagir. João Pina, outro barbeiro, dizia abertamente nas ruas, que o Porfírio estava “vendido ao ouro de Simão Bacamarte”, frase que congregou em torno de João Pina a gente mais resoluta da vila. Porfírio vendo o antigo rival da navalha à testa da insurreição, compreendeu que a sua perda era irremediável, se não desse um grande golpe; expediu dois decretos, um abolindo a Casa Verde, outro desterrando o alienista. (…)

 

Não é à toa que o referido autor é considerado o grande escritor brasileiro. A genialidade de suas obras permanece no tempo e nos alcança, mais de um século depois. 

 

“Mas a prova mais evidente da influência de Simão Bacamarte foi a docilidade com que a Câmara lhe entregou o próprio presidente. Este digno magistrado tinha declarado, em plena sessão, que não se contentava, para lavá-la da afronta dos Canjicas, com menos de trinta almudes de sangue; palavra que chegou aos ouvidos do alienista por boca do secretário da Câmara entusiasmado de tamanha energia. Simão Bacamarte começou por meter o secretário na Casa Verde, e foi dali à Câmara à qual declarou que o presidente estava padecendo da “demência dos touros”, um gênero que ele pretendia estudar, com grande vantagem para os povos. A Câmara a princípio hesitou, mas acabou cedendo.”

 

A grande diferença é que, hoje, os aclamadores do Governo permanecem confortavelmente em suas bancadas; o povo não se indigna (ou não se indigna o suficiente); o governo sabe como reagir; e a Câmara não entrega o Presidente, como o episódio a que assistimos ontem, quando da votação que resultou no arquivamento da denúncia contra o Presidente da República Michel Temer, suspeito do cometimento de atos ilícitos. As intrigas, os golpes, a sede pelo poder, porém, permanecem os mesmos.

Estamos loucos nós, os que aceitamos tudo isso protestando apenas nas redes sociais? Estão loucos eles, os que votam, em nome de uma estabilidade econômica, pela manutenção de um chefe acusado de corrupção?

O Brasil virou uma grande Casa Verde, em que estamos metidos todos. Quem era insano, quem era realmente são, a História vai dizer. A dura realidade a lamentar é que nossa História, essa com H maiúsculo, não é escrita por um autor genial e está fadada a erros e acertos. Precisamos vivenciá-la, dia a dia, sofrendo as consequências das próprias (in)ações.

De todo modo, ler nos ajuda a refletir sobre os conflitos que vivemos, e  O Alienista é uma excelente leitura, sempre, e principalmente no cenário político atual.

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