3º NEURÔNIO

Os segredos de Textor (2) – Novos negócios, velhas acusações

Relatório da Comissão de Valores Mobiliários americana jogou luz sobre modus operandi dos negócios do empresário. Compartilhamos a reportagem do jornalista Lúcio de Castro, especial para o ICL Notícias


A segunda temporada da história do lado B dos negócios de John Textor parecia ser uma monótona repetição da primeira.

Acusações de fraude, desvio de dinheiro, pirâmide financeira, dívidas, falência iminente. O mesmo modus operandi.

Tudo novamente. A primeira, desenrolada entre 2006 e 2012, tendo como marco a falência da Digital Domain, ficara para trás.

Mas a fase que começava trazia algumas grandes diferenças: a chegada de outros personagens e novos protagonistas, como investidores.

E um fato novo: a menção, pela primeira vez, da existência de uma teia de empresas e offshores conectadas ao empreendimento da ocasião do agora proprietário da SAF Botafogo, para onde escoava o capital.

Enquanto uma nova Digital Domain se erguia na China após a falência da matriz americana, sem a presença de Textor e envolta em uma nuvem de suspeições, ele começava nos Estados Unidos uma nova empreitada, ainda com os escombros da empresa no chão.

No fim de 2013, o empresário fundou a Pulse Evolution.

A mesma matéria-prima: vender emoções, sonhos. A materialização do sobrenatural em cima de um palco. Na prática, humanos digitais hiper-realistas projetados em shows ao vivo. Realidade virtual, realidade aumentada, inteligência artificial na cara da multidão. Tudo em milagrosos hologramas.

Na essência, a Pulse Evolution trazia uma única grande diferença em relação à antecessora Digital Domain: dali para a frente, toda a estratégia da empresa seria focada em humanos virtuais e não mais em efeitos visuais de cinema. E a aposta na propriedade de imagens.

Pouco antes do início da Pulse Evolution, no dia 15 de abril de 2012, nos estertores da Digital Domain, um momento do Festival Coachella de música, na Califórnia, assombrou o mundo.

Quinze anos depois da trágica morte com cinco tiros, o rapper Tupac Amaru Shakur estava no palco. Diante de 80 mil espectadores embasbacados, com “Thug Life” tatuado na barriga, anéis espalhados pelos dedos, a calça caída, e o dueto com o presente fisicamente Snoop Doggy Dogg. Os sucessos “Hail Mary” e “2 Of Amerikaz Most Wanted” levaram a multidão ao delírio. As imagens ganharam o mundo e deram a certeza de sucesso. Uma máquina de fazer dinheiro na mão.

Holograma de Tupac Shakur


Quem viu naquela noite o que parecia o prenúncio de um novo tempo certamente não imaginou que dali a cinco meses a Digital Domain estaria fechando as portas. Mas o choque causado pelo Coachella, com o produto único capaz de mobilizar milhões, deixava uma porta aberta para nova empreitada, a despeito do histórico caótico.

Já em fevereiro de 2014, a Pulse Evolution contratou uma empresa para captar investidores e botar de pé seus projetos.

Em 18 de maio de 2014, ancorados na expertise anterior da Digital Domain, a Pulse Evolution abalou a noite do Billboard Music Awards, no MGM Grand Garden Arena, Las Vegas, com o holograma de Michael Jackson dando vida a uma póstuma “Slave to the Rhythm”. Era o que faltava para os investidores abrirem os bolsos.

Em pouco tempo, seduzidos pelo hábil canto de Textor, que prometia cachoeiras de mel no fim da realidade virtual, começou a jorrar dinheiro na Pulse Evolution. Tudo de novo. A promessa de Textor aos investidores tinha números e lucros estratosféricos: a Pulse Evolution desenhou um modelo de negócio onde ela e futuros sócios ficariam com entre 20 e 40% nos lucros das turnês. Embora no mercado fosse voz corrente que os restritos contratos com os espólios das lendas, além de deixar para a Pulse Evolution todos os altos custos de produção, asseguravam somente 20% das receitas para a empresa.

Em setembro daquele ano, a PB Invest, de Philipp Boeringer, botou US$ 770 mil no “Projeto Michael Jackson”, que prometia repetir a noite do maio anterior no MGM Grand, agora em turnês pelo mundo.

No início de 2015, a mesma PB Invest se juntou a outros investidores e formaram uma empresa, a Holotrack AG, inscrita na Suíça e voltada para os investimentos nesses projetos da Pulse Evolution. Em troca, a empresa receberia ações da Pulse Evolution e 10% dos vencimentos do projeto. Bernhard Burgener entrou como investidor e sócio através da Highlight Communications, parte do grupo HLEE (Burgener e Alexander Studhalter). Além de ficar como produtor do projeto, Burgener passou a ter um lugar no conselho de administração da Pulse Evolution.


Buraco Sem Fundo


No começo de 2015, a Holotrack acertou um investimento de US$ 3.700.000,00 (três milhões e setecentos mil dólares) na Pulse Evolution, a ser feito em seis parcelas entre janeiro e junho.

Textor e o sócio Rene Eichenberger dobravam a aposta para captar mais recursos em agora dois projetos: além de Michael Jackson, prometiam ressuscitar Elvis Presley e botar ambos pelo mundo requebrando as cadeiras e cantando. Quatro décadas depois da morte, a lenda urbana de que “Elvis não morreu” se tornaria verdade. E a garantia de sinônimo para fazer milhões de dólares em turnê pelo mundo.

Em agosto, a Pulse Evolution apresentou nova demanda: US$ 620 mil. Com a justificativa da sequência do financiamento das despesas comerciais dos dois projetos, já rebatizados como “Primeiro Investimento Holotrack” e “Segundo Investimento Holotrack”. A empresa de Textor ainda apresentou aos então parceiros um outro plano, o “Terceiro Investimento”: uma turnê virtual com o ABBA.

Outubro chegou com o pedido de mais US$ 1 milhão de subsídio. Por Skype e e-mails, Textor e Eichenberger argumentavam que precisavam de injeções adicionais de dinheiro para que os projetos seguissem.

Dois meses depois, em dezembro, ainda em 2015, mais US$ 1 milhão de dólares solicitados.

Com um apelo sentimental: além de manter o projeto, a verba seria também para cobrir a folha de pagamento dos funcionários. Um caso de emergência. Em troca, cada investidor receberia 6 mil ações da empresa.

Em setembro de 2016, mais US$ 1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil dólares).

Em março de 2017, a Pulse Evolution voltou a passar o chapéu e pediu mais US$ 600 mil. Dessa vez, só para a PB Invest, de Philipp Boeringer. Mais uma vez o dinheiro foi disponibilizado.

Mas nesse momento aconteceu uma ruptura.

John Textor depõe no Senado brasileiro


Diligência apontou que empresa de Textor captou US$ 8,7 Milhões de investidores mas não entregou projeto


Exatos US$ 8.740.000,00 (oito milhões e setecentos e quarenta mil dólares) injetados depois, uma Pulse Evolution quebrada e moribunda, sem dinheiro do Natal dos funcionários, nada de Elvis, nada de Michael Jackson, ABBA, nenhum show, nenhuma turnê, os prazos vencidos, a PB Invest resolveu entender o que acontecia e investigar a Pulse Evolution, considerando as respostas que recebia de retorno como “falsas e enganosas”, como viria a classificar posteriormente.

Como parte do acordo do procedimento instaurado pela PB Invest, a Pulse Evolution nomeou um consultor financeiro, Grant Murray, para interlocução com os investidores, que tiveram acesso às contas, recibos e pagamentos da Pulse Evolution numa pasta nomeada como “Março — Reunião de 2017”.

Um processo de “due diligence” para ter um raio-x da empresa de Textor. Documentos salvos, revisados, checados…

O resultado da investigação causou perplexidade aos investidores.

Em um “memorando de entendimento” de janeiro de 2016, de acordo com o relatório da PB Invest, Textor aparece autorizando para ele mesmo pagamentos de bônus não sancionados, violando os estatutos da própria Pulse Evolution e o acordo com os investidores.

No rastro das transferências eletrônicas da Pulse Corporation, saques para cartões de crédito pessoais, pagamentos para familiares e até empresas laranjas. Total: em dois meses, entre janeiro e fevereiro de 2016, de acordo com as diligências, um desvio de quase US$ 500 mil, mais exatamente US$ 479.166,67 da quantia injetada pelos investidores na Pulse Evolution.


Ação fala em “conduta Ilícita, fraude, farsa, desvio e roubo”


Encerradas as diligências dos investidores nas contas da Pulse Evolution, diante do volume de informações e documentos encontrados, o caminho escolhido foi buscar indenização na Justiça.

Uma ação foi iniciada pela Holotrack e pela PB Invest, com entrada em 11 de agosto de 2017, na Corte Distrital da Flórida. Contra John Textor, Rene Eichenberger e um terceiro sócio, Frank Patterson, além da própria Pulse Evolution.

“Conduta ilícita, fraude, farsa e desvio” são os termos utilizados na peça inicial dos investidores para justificativa do pleito, estimado em uma indenização de US$ 25 milhões: “Esta ação visa remediar a conduta ilícita dos réus em fraude induzindo os requerentes a investir e emprestar milhões de dólares para a farsa dos réus produtora de efeitos visuais, Pulse, cujos rendimentos em dinheiro os Srs. Textor e Eichenberger desviaram para financiar o estilo de vida luxuoso e o estilo de vida de seus amigos e família.”

O histórico judicial de John Textor e, de acordo com a denúncia, o modus operandi semelhante na empreitada anterior, a Digital Domain, é lembrado logo no início. “Após o colapso da produtora anterior do Sr. Textor, Digital Domain, enfrentando vários processos judiciais acusando-o de fraudar investidores da Digital Domain em aproximadamente US$ 100 milhões e efetuando um esquema Ponzi para enriquecer, o Sr. Textor fundou a Pulse com os Srs. Eichenberger e Patterson.”

Informações falsas sobre o andamento dos projetos também estão na acusação. Em 19 de agosto de 2015, os representantes da Holotrack pediram para Textor e Eichenberger, em uma videoconferência, um gráfico com os marcos de produção e desenvolvimento do “Projeto Elvis”.

Receberam e-mails no dia seguinte, com diversas etapas dadas como “concluídas”, o que, de acordo com a ação, nunca se confirmou.

Além do exame dos documentos e contas, no fim desse mesmo mês de março em que promoviam a devassa na Pulse Evolution, os representantes dos investidores visitaram o escritório da empresa para reunião com os funcionários, conhecer o estúdio e ver o andamento das produções.


Ação fala em transferências da conta corporativa Pulse Evolution até para a mãe de John Textor


Um dos pontos da ação é sobre transferências da conta corporativa da empresa para benefício pessoal:

A) 11 de janeiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 45 mil para a conta American Express de John Textor.

B) 20 de janeiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 29.166,67 para a Clematis Properties. (Nota da reportagem: registrada em 7/4/1997, Flórida, em nome de Rene Eichenberger).

C) 26 de janeiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 50 mil para a Alternative Holdings. (Nota da reportagem: registrada em 18/2/2009, Zurique, Suíça, em nome de Rene Eichenberger).

D) 29 de janeiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 50 mil para a Alternative Holdings. (Nota da reportagem: registrada em 18/2/2009, Zurique, Suíça, em nome de Rene Eichenberger).

E) 29 de janeiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 50 mil para a Textor Ventures. (Nota da reportagem: registrada em 24/2/1997, Flórida, em nome de John Textor).

F) 1º de fevereiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 50 mil para John Textor individualmente.

G) 3 de fevereiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 180 mil para Dale Lovett, mãe de John Textor.

H) 19 de fevereiro de 2016: a Pulse Evolution transferiu US$ 25 mil para a conta E-trade de John Textor. (Nota da reportagem: “Conta E-trade” é uma plataforma de serviços financeiros que permite aos usuários comprar e vender uma variedade de ativos financeiros, entre eles ações, fundos negociados em bolsa, etc.).

Trecho da ação relata as transferências


Pela primeira vez há menção a uma rede transnacional ligada a Textor por onde o capital circula


Em meio ao detalhamento de um novo “esquema Ponzi” (pirâmide financeira), onde “investimentos em dinheiro e dívidas em nome da Pulse foram usados principalmente para pagar credores… promovendo assim a ilusão de que a empresa estava gerando fluxo de caixa legítimo e permitindo que Textor e Eichenberger continuassem a executar seu esquema para enriquecer fraudulentamente”, surgiram acusações de novas “fraudes e farsas em acordos de consultoria”.

Envolviam milhões de dólares e balanços falsos, um episódio citado no relatório de diligência e na ação na Justiça aparece pela primeira vez nos muitos processos e registros públicos que citam Textor: uma rede de empresas, incluindo offshores, por onde escoavam ações da Pulse Evolution: “emissões de ações para entidades nacionais e offshore de propriedade e controlada por Textor e Eichenberger individualmente e seus amigos e familiares”.

Uma teia que irá ser desenhada na terceira reportagem.

Defesa de Textor chamou acusações de falsas e calúnias para obter o controle da empresa


Na Justiça, a defesa de John Textor afirmou que as acusações eram falsas, e que o consórcio tinha interesses muito menos nobres no episódio:

“Sendo as alegações de apropriação indébita de fundos apenas calúnias que ajudam os investidores suíços a alcançar o seu objetivo final de obter o controle da Pulse Evolution”.

Em 13 de junho de 2018, o processo foi encerrado por iniciativa da Holotrack e PB Invest, que haviam proposto a ação. Na notificação de encerramento não consta se houve acordo entre as partes.


Venda de partes da propriedade e empréstimos: relatório da CVM relata modus operandi em negócios de Textor


A repetição de todas as práticas da Digital Domain na Pulse Evolution está registrada também em um relatório da Comissão de Valores Mobiliários americana, publicado em 2020. No documento, está traçado o perfil da empresa ao longo dos anos.

Primeiro, descreve “déficit acumulado de US$ 458,6 milhões em 30 de setembro de 2020”. E depois prossegue com a senha para entender o funcionamento e modo de financiamento da Pulse Evolution ao longo dos anos, além da teia que se formou no entorno: “Desde a sua criação, as operações da companhia têm sido financiadas principalmente por meio da venda de títulos de capital e de dívida. A companhia tem incorrido em perdas operacionais e fluxos de caixa negativos das atividades operacionais desde o início”.

Ou seja, basicamente, a empresa levantou dinheiro vendendo ações (títulos de capital), partes de sua propriedade e pegando empréstimos (títulos de dívida) para financiar as atividades, com pagamento periódico de juros. Um relatório com semelhanças ao que se descrevia sobre as mazelas da Digital Domain no passado. E nos negócios de Textor.


Outro lado: John Textor


A reportagem enviou uma série de questões a John Textor em diferentes ocasiões. Por diferentes formas: através da assessoria de imprensa da SAF Botafogo, por telefone e e-mail do diretor de comunicação, assim como também para a assessoria do Eagle Football. Todos sem resposta.


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