RAFAEL MARTINELLI

Os ‘vilões’ da polêmica sobre o corte de árvores para o projeto da Rua Coberta e o Novo Centro de Gravataí

Foto extraída de post do perfil Mato do Julio

A professora Ivana Ourique chegou a pensar em organizar um abraço às praças centrais de Gravataí, mas não adianta mais: árvores restam devastadas para concretar o projeto do Novo Centro, que prevê uma rua coberta entre a Bíblia e a Dom Feliciano.

Na semana passada, o Ministério Público foi alertado pela conhecida educadora gravataiense, que entre 1978 e 80 foi uma das pioneiras do Projeto Natureza, do Instituto Lutzemberguer, tratando da pauta ambiental em escolas estaduais de Gravataí, Cachoeirinha e Viamão.

Nas redes sociais, provocaram comoção fotos feitas por drone e publicadas pelo perfil que defende a preservação do Mato do Julio, em Cachoeirinha.

Nesta segunda, o Seguinte: buscou informações com a Prefeitura, que durante a tarde publicou release no site oficial do município explicando a retirada das árvores – algumas podres, mas figueiras saudáveis também.

Reproduzo na íntegra o material da Prefeitura, intitulado Meio Ambiente de Gravataí detalha planejamento para o manejo de árvores nas praças da Bíblia e Dom Feliciano, e, abaixo, analiso; antecipo que não me eximo da culpa.

“(…)

Pensando na segurança da população e na proteção adequada às espécies nativas, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Bem-Estar Animal (Sema) dá suporte ao trabalho de revitalização das praças da Bíblia e Dom Feliciano. Mais que atualizar estes importantes espaços de lazer da área central para atender às demandas da população, este importante trabalho permitirá o avanço das obras da Rua Coberta, idealizada pela Prefeitura de Gravataí.

Além do espaço coberto para shows, palestras, eventos e gastronomia que será construído na Rua José Link, as duas praças serão transformadas em um complexo esportivo, cultural e de lazer ao ar livre, com foco no convívio com a natureza. Para isso, a Sema realizou levantamento completo sobre as mais de cem árvores existentes na área.

Conforme a bióloga da Sema, Isabela Kirsten, este é um processo minucioso de cuidado e preservação, que começou no início deste ano com a avaliação técnica das árvores. Todas foram catalogadas e avaliadas de acordo com espécie, localização e saúde. A partir do estado de conservação, foi definido o plano de ação, que envolve poda, recuperação e até mesmo o transplante de espécies para outros parques da cidade.

“Toda a autorização de manejo da Sema prevê a avaliação técnica por nossos biólogos. Nas praças do Centro, o objetivo é determinar, principalmente se alguma árvore oferece risco de queda, tendo em vista que será uma área de grande circulação de pessoas”, explica Isabela.

A técnica reforça que a Secretaria de Serviços Urbanos auxilia a Sema no trabalho e que a meta é manter todas as árvores saudáveis. “O estado fitossanitário (saúde) das árvores definirá as árvores que permanecerão, o que já sabemos que será a maioria. Outras, conforme tamanho e idade, serão transplantadas para diferentes praças de Gravataí. Somente em casos extremos, quando não há possibilidade de recuperação do exemplar, é autorizado o corte, e, ainda assim, há a obrigatoriedade do plantio de novas mudas, podendo ser em outros parques públicos, compensando as que foram suprimidas”.

O prefeito Luiz Zaffalon destaca a importância deste trabalho de proteção ao meio ambiente, que possibilita a execução de diversos projetos do governo municipal com foco no crescimento sustentável da cidade.

“A Prefeitura trabalha sempre com o objetivo de modernizar Gravataí, oferecendo mais qualidade de vida à população, construindo uma cidade sustentável, acessível e plural. Este é um processo que é feito dia a dia, em todas as obras que executamos, sem nunca deixar de lado a preocupação com o meio ambiente; para cada árvore retirada, plantamos outras 15 em regiões como Caça e Pesca, Moradas do Vale e Parque Ambiental. Desde o início do governo, plantamos mais de mil árvores em ruas, avenidas, praças, loteamentos e parques públicos, além do trabalho de recuperação da margem do Gravataí com o replantio de espécies nativas”, afirma o prefeito Zaffa.

Além das obras da Rua Coberta, que chegará acompanhada de estruturas modernas de lazer, cultura, gastronomia e esportes, o Novo Centro contará com a reforma do Museu Agostinho Martha e a construção de novos banheiros públicos. E com a transferência da Prefeitura para a área recém-comprada da Ulbra, no São Vicente, a atual sede do poder Executivo será transformada em uma casa de cultura ao dispor da população no coração da cidade.

“Qualquer rua de Gravataí já foi floresta no passado. A revitalização do Centro é uma necessidade para não se tornar o ‘centro antigo – e morto – da cidade’ como conhecemos em várias regiões do Brasil. Não deixaremos nosso Centro morrer”, defende Zaffa.

(…)”

Foto com a qual a Prefeitura ilustra release publicado no site oficial do município

Sigo eu.

Não creio o Ministério Público aja para embargar as obras. A legislação para edificações permite o replantio em outras áreas como compensação, na proporção de 15 mudas plantadas a cada árvore cortada – a principal área de plantio deve ser a Orla do Rio Gravataí.

A autorização da Prefeitura para o corte e manejo das árvores – que a Sema aponta como, em sua maioria, comprometidas – você acessa clicando aqui.

Pelo que apurei houve acordo, entre a Prefeitura e o consórcio privado que realiza as obras para explorar a Rua Coberta, para manter a maioria das árvores e alterar arquitetura para preservar algumas espécies – um exemplo é jacarandá, mantido a partir da mudança de local de quadra de esportes.

Não escaparam figueiras saudáveis que estavam entre as duas praças, onde o projeto da Rua Coberta prevê bancas. Conforme laudos técnicos, o transplante não seria possível pelas árvores terem nascido com troncos variados.

Foto feita pela professora Ivana Ourique

Vamos à política.

Reputo o governo Luiz Zaffalon falhou na comunicação; se de forma deliberada, ou não, para o projeto ir adiante com mais celeridade, sabe apenas o prefeito.

Fato é que a população não foi consultada e, para além das maquetes virtuais divulgadas, nada foi informado sobre a necessidade do corte e remanejo de árvores.

Soube que não faltou alerta de técnicos e ambientalistas a políticos do governo sobre o inevitável impacto social na comunidade no momento em que vazassem, por de trás dos tapumes, imagens do ‘cemitério de árvores’ no canteiro de obras.

Resta agora uma repercussão negativa em um projeto que Zaffa toca como uma das marcas de seu governo ‘pós Marco Alba’.

Não dá para esquecer de lembrar também que o projeto de concessão da Rua Coberta foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Vereadores; o que, por justiça, exige aos políticos que hoje criticam a devastação um comunicado de “eu não sabia”.

Incluo-me entre os ‘vilões’.

Por outras prioridades editoriais, certas ou erradas, não busquei detalhes sobre o projeto para informar a comunidade, aqui pelo Seguinte:.

Foto postada pela professora Marli Aparecida Thomassim Medeiros

Inegável é que as imagens são fortes.

Por mais moderna fique a Rua Coberta, e por mais comprometidas ou mortas restassem as árvores, observar a foto abaixo mexe ao menos com nossa “memória autobiográfica”, aquelas recordações que criamos, mesmo que não correspondam à realidade, mas que se adequam à história que construímos sobre nossa vida, personalidade e, por consequência, comunidade.

Concluo abaixo.

A praça Dom Feliciano em foto antiga

Ao fim, aprendamos: que o governo comunique melhor os próximos passos do ‘Novo Centro’ e que políticos e jornalistas também acompanhem com mais atenção; a professora Ivana Ourique, por exemplo, tem a preocupação de que a adaptação do novo Centro Administrativo desmate também o campus da Ulbra, comprado pela Prefeitura.

Certeza apenas que, em alguns trechos, fora do ar condicionado da Rua Coberta, será preciso abrir o guarda-chuva, ou a sombrinha, sob o sol do verão, como na Orla do Guaíba.

Praça Leonel Brizola, a ‘praça do quiosque’, também teve árvores cortadas pelo projeto Novo Centro

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