entrevista

Passado é passado, olho para frente, diz Anabel; leia que você saberá o futuro dela

Anabel Lorenzi é professora da rede municipal de Gravataí

Anabel Lorenzi se desfiliou do PSB, após 14 anos no partido em que foi vereadora e candidata à Prefeitura de Gravataí em 2012, 2016 e 2017.

Em entrevista ao Seguinte: na manhã desta sexta a professora de Literatura que leciona 60h semanais entre aulas nas escolas municipais da periferia (Santa Rita, Olenca Valente e José Mota) mostra discurso de candidata a prefeita e confirma conversas com Daniel Bordignon (PDT).

Coragem não falta para Anabel se apresentar como uma política de centro-esquerda na Gravataí onde sete a cada dez votos foram para Jair Bolsonaro. Em 2018.

Siga trechos, reproduzidos assim como a conversa de cerca de duas horas foi fluindo.

 

Seguinte: – O que motivou a desfiliação?

Anabel – Na prática já estava afastada, apenas fiz a formalização. Desde o último congresso municipal manifestei minha contrariedade aos encaminhamentos, que considerei ilegítimos. E fui alvo de muito ‘fogo amigo’.

 

Seguinte: – Te referes ao presidente Paulo Silveira ter te chamado de ‘golpista’ por votar a favor do impeachment da prefeita Rita Sanco, em 2011? Porque engoliste um ‘sapo de bigode’ para tua categoria, o magistério, que foi José Ivo Sartori, governo do qual o PSB foi aliado desde o lançamento da candidatura em 2014…

Anabel – Foi um conjunto de elementos. Esse a que te referes não se sustenta, porque o diretório aprovou a cassação por unanimidade, com o voto de Paulo Silveira, inclusive, que depois se tornou secretário municipal no governo de Acimar da Silva (MDB). O principal de minha saída é que considero equivocadas decisões do partido no Rio Grande do Sul e no Brasil. Quando o partido decidiu pelo impeachment de Dilma, fui contra. Quando alguns participaram do governo Temer, também. Não concordei com o PSB não ter candidatura à Presidência da República em 2018 e, o que foi vexatório, num cenário dificílimo não ter apoiado ninguém porque tinha quem quisesse apoiar o PT, outros o PSDB. Nunca escondi minha discordância pelo tratamento do governo Sartori com a educação. Nem com a participação do partido no governo Leite, que considero tão complicado quanto, porque apresenta políticas ainda mais neoliberais que o anterior.

 

Seguinte: – Anabel vai se filiar ao PDT e ser a candidata a prefeita apoiada por, ao menos com base na história das eleições em Gravataí na última década, ‘Grande Eleitor’, Daniel Bordignon, que com os direitos políticos suspensos está impedido de concorrer em 2020?

Anabel – Sou uma pessoa que não toma decisões antes de amadurecer muito bem. Não foi uma coisa simples sair do PSB. Relevei muitas decisões estaduais e nacional do partido porque acreditava que tínhamos um projeto no município, que é onde a gente faz a política no dia a dia. Ao lado de muitas companheiras e companheiros que me acompanham, ainda reflito sobre o futuro. Até o convite de Bordignon, o qual não nego ter recebido, não estava em meu horizonte ser candidata à Prefeitura em 2020. Não estava participando de forma orgânica do partido, mas milito muito nas ruas. Acredito ter sido bastante combativa na eleição presidencial. Mas não tinha feito nenhum movimento, dentro ou fora do partido, para ser candidata. A questão local estava em stand by, acreditava ter cumprido a missão de colocar meu nome à disposição por três eleições consecutivas. Agora, tudo mudou, admito. Então, o momento é de diálogo e muita reflexão.

 

Seguinte: – Pesa na tua decisão a troca de críticas feitas por ti e Rosane Bordignon após a eleição de 2017, e também os ataques que fizeste a Daniel Bordignon por ter concorrido sob impugnação em 2016? Inevitável não perguntar: por que Anabel não seria o poste ou a candidata laranja de Bordignon, se assim consideravas outros e outras em eleições passadas?

Anabel – Sempre cuidei para não partir para ataques pessoais, nem quando estava no PT, nem no PSB. Sempre mantive uma relação respeitosa com os adversários, com divergências no campo das ideias, seja quando Bordignon ou o PT governavam, ou agora com Marco Alba e o MDB. Sim, fiz críticas políticas e relacionadas às circunstâncias de cada eleição. Mas me sinto confortável para dialogar. Não carreguei comigo questões pessoais relativas à Bordignon ou Rosane. Encaro a vida como um processo de aprendizagem. Participo da política como uma missão, pensando no que deixaremos para as gerações futuras. Fiz ataques, sofri ataques na política. Se isso impede o diálogo, então temos todos que ir para uma ilha.

 

Seguinte: – É daquelas que credita à ‘pilha da imprensa’?

Anabel – Jamais. Vocês aumentam um pouco, diminuem um pouco, mas é do jogo democrático, onde a imprensa livre tem papel fundamental. Estou vacinada, como devem estar as pessoas que, não só no discurso, mas na prática, estão dispostas a dialogar para melhorar a cidade, o estado, o país… Eu, Bordignon e Rosane, mesmo quando estávamos no PT, divergíamos em muitas coisas, mas é assim a democracia.

 

Seguinte: – Foste construtora do PT ao lado dele, não?

Anabel – Não fui fundadora, temos uma diferença de idade, o PT surgiu em 80, eu tinha 12 anos, vivíamos uma ditadura, mas com 15 já comecei a militar na pastoral da juventude, passei a ver a política de outra forma. Com 18 me filiei ao PT.

 

Seguinte: – Reza a lenda que foste responsável pela filiação de Miki, há época teu companheiro, depois vice-prefeito de Gravataí, vereador, deputado estadual por três mandatos e hoje prefeito de Cachoeirinha…

Anabel – Experimentava uma vida comunitária em Porto Alegre, numa comunidade feminista, quando me filiei ao PT em 87. Quando voltei a Gravataí, casamos e a militância social, política e partidária sempre foi uma questão muito presente na minha vida.

 

Seguinte: – Quem te conhece, ou acompanha tuas redes sociais, percebe que tua família é bastante politizada, sempre participando de manifestações.

Anabel – O Pedro, filho mais velho, mora em São Paulo e escreve para o site Cafezinho sobre política. Não tem filiação partidária, mas tem um recorte de esquerda em seus textos. O Saulo é mais da militância do dia a dia, começou na juventude do PSB e depois seguiu outro caminho, está no PSol, partido de esquerda que admiro muito. A Raquel é a feminista mor, uma lutadora pelos direitos sociais. Acredito que qualquer nação precisa dessa militância da juventude, da contestação, principalmente o Brasil, onde o conservadorismo cresceu muito. Tenho muito orgulho de meus filhos. Nunca cobro que me sigam em minhas decisões partidárias, mas comungamos dos mesmos valores e princípios, que é a busca por uma sociedade justa, igualitária e sem preconceitos. E tem o Fabiano Hanauer, meu companheiro e professor de Filosofia e Sociologia. Veja só! As disciplinas hoje mais atacadas pelo obscurantismo. Trocamos muitas ideias. É um professor que ama sua profissão, com doutorado em educação, e com quem partilho visões de mundo. Mas me fizeste outra pergunta sobre a relação com Bordignon, não?

 

Seguinte: – O poste e a laranja…

Anabel – É uma pergunta necessária e que não me incomoda porque permite apresentar minha trajetória. Fui vereadora duas vezes, candidata a prefeita com 40 mil votos em 2012; 26 mil em 2016 e 24 mil em 2017. Minha coligação, aquela que tinha meu nome e aparecia minha foto, elegeu uma bancada de cinco vereadores, igual à coligação do atual prefeito. Em 2014 concorri a deputada federal sozinha, sem apoio de nenhum vereador, fui alvo de boicotes e sabotagens e, mesmo concorrendo contra um candidato do governo, que tinha toda máquina, fui mais votada com 18 mil votos. Minha história de 32 anos de militância mostra que tenho luz própria. Falar poste ou laranja é muita falta de argumento! No impeachment de Dilma, fui uma das únicas lideranças do partido a me posicionar contra, mesmo divergindo de meu partido. Na eleição presidencial apoiei Ciro e depois Haddad. Então, se estivermos juntos, eu e Bordignon, não haverá postes ou laranjas, mas sim uma aliança entre duas forças políticas que estiveram entre as três mais votadas de 2012 para cá, e que tem mais em comum do que divergências, o que nossas histórias demonstram.

 

Seguinte: – Por tuas posições, muitas bastante criticadas no Grande Tribunal das Redes Sociais, principalmente no auge do bolsonarismo, em 2018 escrevi que eras ‘A Esquerdista do Ano’ em Gravataí…

Anabel – E eu gostei. Nunca me faltou coragem para defender minhas posições. Nunca me escondi atrás do muro. O que há de pior em um político é não ter posição. Você pode ter posições de centro-esquerda, ou centro-direita, agora falar em posição apenas de centro é demagogia. É como você legislar e, a cada votação polêmica, se abster medindo perdas e danos com o eleitor. É como você governar e não saber suas prioridades. É como enganar o eleitor e, depois de eleito, se revelar a ele.

 

Seguinte: – A ‘Esquerdista do Ano’ ser candidata a prefeita numa cidade onde sete em cada dez votos foram para Jair Bolsonaro não representaria a ‘ameaça comunista’?

Anabel – Não há como negar que vivemos um período bélico, no qual o fantasma do comunismo foi reativado. O que é uma bobagem. A mesma falácia do Estado Novo, de Getúlio, e do golpe de 64. Não existia essa ameaça, como hoje não existe. Vivemos em um Ocidente capitalista. Essa lógica do medo serve para alguns políticos, que usam as angústias dos eleitores para ganhar votos. Muitos caem na armadilha. Mas o cenário mudou e Bolsonaro cada vez mais perde popularidade com trapalhadas, mentiras, teorias conspiratórias, ataques às mulheres, aos jovens e à educação. Até Olavo de Carvalho anunciou que não vai mais se meter na política! E a eleição municipal é diferente. As pessoas querem saber o que pode ser feito pela cidade onde vivem.

 

Seguinte: – Como projetas o quadro eleitoral em 2020?

Anabel – Uma candidatura do governo e a oposição dividida como tem acontecido nas últimas eleições.

 

Seguinte: – Então a candidatura do governo é favorita, ou há algum elemento novo nas próximas eleições?

Anabel – Se estivermos juntos, eu e Bordignon, acho que é um elemento novo. São forças políticas que protagonizaram as últimas eleições. Basta somar os votos. Pode inclusive provocar baixas em candidaturas de oposição. Mas não vejo problema nos campos de centro-esquerda e centro-direita apresentarem mais de uma candidatura. É bom. O eleitor pode comparar a história de cada um. Pena Gravataí não ter segundo turno. Sempre avaliei que a legislação mais adequada seria não apenas o segundo turno em municípios com mais de 200 mil eleitores, mas sim segundo turno sempre que o eleito não atingisse 50% dos votos. Hoje você tem prefeitos eleitos com 30% dos votos, o que de certa forma tira a legitimidade para governar e representar o conjunto da sociedade.

 

Seguinte: – Pelo que falas é possível interpretar que não há chance de conversa com o grupo do prefeito Marco Alba, com Jones Martins e o MDB?

Anabel – Nunca tive problema em conversar. Tenho uma relação de respeito com o Marco e o Jones, mas minha trajetória política sempre foi distante do pensamento deles. Explicitei isso ainda mais último período, e para além dos limites do município, como no impeachment, na reforma trabalhista, da previdência, na política econômica. Alguns companheiros já me perguntaram, principalmente quando PSB e MDB governaram juntos o Rio Grande do Sul: “não há nenhuma convergência?”. Pensei, pensei e não identifico pontos de aproximação. Em Gravataí minha vida foi toda distante do MDB. Pode parecer careta nos dias de hoje, mas acho importante ter coerência política. Respeito Marco e Jones, mas temos mais diferenças do que semelhanças.

 

Seguinte: – Que nota dá ao governo Marco?

Anabel – É um governo nota 5.

 

Seguinte: – O que te agrada e desagrada?

Anabel – Deixa eu ver… é possível reconhecer a preocupação com obras em vias públicas de maior visibilidade, o que é importante em uma cidade com problemas de mobilidade como Gravataí. Aí cito a Centenário, a Jorge Amado e as pontes do Parque dos Anjos, que ligam bairros. Mas por outro lado, nas periferias, nas vilas, ainda há esgoto a céu aberto. Enterrar cano não dá votos? Ok, mas é do que as pessoas precisam. É um problema crônico de Gravataí que precisa ser enfrentado. E não posso deixar de criticar a educação. Distribuir uniforme e material escolar não garante uma boa educação. Sou crítica da contratação milionária do Positivo, quando poderíamos ter livros de graça do Ministério da Educação. Em qualquer país com educação desenvolvida a valorização do educador é a prioridade. Aqui, além de não ter reposição da inflação e nenhuma sinalização por um plano de carreira melhor, os servidores perdem direitos e estão ameaçados de ficar sem o plano de saúde. O governo usa dados do Ideb para fazer propaganda da educação, mas o crescimento é ínfimo. Não tenho dúvidas de que, com valorização dos servidores, e um projeto pedagógico feito em uma parceria das escolas, comunidades e, por exemplo, a Ufrgs, uma das melhores universidades da América Latina, os resultados seriam bem melhores. Parece retórica, mas é preciso falar também da saúde. A política econômica, que faz muito mal para as pessoas, quem define é o governo federal. Mas educação e saúde são municipalizadas. É dever da Prefeitura. Fecharemos nove anos de MDB: tivemos avanços suficientes? Avalio que não. Falo como educadora e como conhecedora do SUS. Também entendo que o governo não gosta da participação popular. O prefeito decide e ninguém participa. É preciso oferecer mecanismos para criar consciência crítica e cidadã.

 

Seguinte: – E o governo Eduardo Leite (PSDB)?

Anabel – Nota 3, pelo diálogo, que é uma coisa bacana mas que, conforme os resultados, pode ser usado para o mal. São pouco mais de 100 dias, mas o governo já deu seu tom ao acabar com o plebiscito para a população decidir sobre privatizações de bens públicos. Nas democracias mais avançadas do mundo o que se faz é o contrário: consultar a população. E não há projeto para educação, né?

 

Seguinte: – E o governo Bolsonaro?

Anabel – Posso dar menos 10, menos 20? Terrível, por falta de uma palavra mais forte. Ataca os trabalhadores, as mulheres, a juventude, os idosos… Preocupa-me muito esse desmonte tão acelerado de conquistas que custaram muita luta.

 

Seguinte: – Já que não te incomodaste com a classificação de ‘A esquerdista do Ano’, aí vai: Lula livre, ou Lula preso?

Anabel – O caso Lula é um símbolo nacional de dois pesos, duas medidas. Uns são presos, outros soltos e tantos nem processados são ou ficam parados até prescrever. Meu sentimento é de que há uma condenação a um político e a um partido. A justiça está sendo injusta. Se o político rouba, tem que pagar. Mas o caso do Lula merece muito estudo: o juiz que o condenou virou ministro e o presidente agora diz que firmou um compromisso de nomeá-lo para o Supremo. É toma-lá-dá-cá. É clara a motivação política da condenação. Lula foi tirado das urnas, Bolsonaro foi eleito. Mas respondendo diretamente, porque não sou mulher de me esconder: Lula livre.

 

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