O governador Eduardo Leite (PSD) cumpriu a promessa de não instalar pedágio na ERS-118, em Gravataí — mas o anúncio do novo projeto de concessão do Bloco 1 de rodovias estaduais trouxe um efeito colateral político imediato: a implantação do sistema de cobrança eletrônica (free flow) em trecho gravataiense da ERS-020.
A medida é um teste de fidelidade para os políticos de Gravataí ligados ao governo, muitos deles já articulando candidaturas a deputado estadual e federal em 2026.
O projeto foi apresentado na terça-feira (28), em Porto Alegre. O governador anunciou investimentos de R$ 6,4 bilhões na concessão do Bloco 1, com 454 quilômetros de rodovias que serão operadas pela iniciativa privada por 30 anos, e confirmou que o Estado entrará com aporte de R$ 1,5 bilhão via Funrigs — o fundo de reconstrução pós-enchente criado a partir da suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com o governo federal.
Leite destacou que as concessões são essenciais para garantir “infraestrutura moderna e segura”, já que “o Estado, sozinho, não teria condições de realizar obras dessa magnitude”. Segundo ele, o modelo adotado — com uso de dinheiro público para financiar a privatização — busca “atrair investimentos privados e garantir fluidez nas estradas, com o sistema de cobrança proporcional ao uso”.
Promessa cumprida — e nova cobrança anunciada
Se, de um lado, o governador reafirmou o compromisso assumido em 2022 de não instalar pedágio na ERS-118, de outro, anunciou cobrança na ERS-020, em trecho de Gravataí.
Em resumo: a ERS-118 — que foi ‘corredor humanitário’ durante a enchente — continuará livre de pedágio, mas, na prática, os motoristas da ERS-020 e de outras rodovias incluídas no projeto acabarão “pagando pela 118”, sustentando a manutenção de vias que ficarão fora do sistema de cobrança.
O Bloco 1 de concessão engloba 27 municípios, incluindo Gravataí, Cachoeirinha, Sapiranga, Novo Hamburgo, Gramado e Canela, e prevê 213 quilômetros de duplicações, 363 quilômetros de acostamentos e 31 passarelas para pedestres, além de serviços de monitoramento, ambulância e socorro 24 horas.
A novidade do free flow — uma espécie de ‘pedágio gourmet’ — promete mais fluidez e menos filas.
A tarifa média estimada é de R$ 0,21 por quilômetro, valor calculado com o aporte estadual — sem o qual, conforme o governador, seria de R$ 0,32. No Bloco 2, do Vale do Taquari e Norte do RS, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) apresenta R$ 0,17 como valor técnico.
O governo abrirá consulta pública e audiências sobre o projeto em novembro. O edital de licitação está previsto para o primeiro trimestre de 2026, com o leilão no segundo semestre e a assinatura do contrato até o fim do ano eleitoral.
Até lá, a discussão sobre o pedágio tem potencial para testar os políticos em Gravataí — e servirá como medidor de fidelidade entre os aliados locais do governador Eduardo Leite.
O sabor agridoce de 2026
Na ERS-020, que liga Gravataí a Taquara, está a Neópolis, um dos principais bairros da região. É reduto eleitoral do vereador Bombeiro Batista (Republicanos), o mais votado do município. Políticos até brincam ser a ‘Bombeirolândia’.
O parlamentar é um dos nomes cotados para disputar vaga na Assembleia Legislativa, com apoio do deputado federal Carlos Gomes, secretário estadual e aliado do governo Leite.
Além de Bombeiro, outros nomes locais ligados à base do governador enfrentam o mesmo desafio político.
O deputado estadual Dimas Costa (PSD), que é o ‘embaixador de Leite em Gravataí’, deve buscar a reeleição em 2026, enquanto o ex-prefeito Marco Alba (MDB) — aliado do vice-governador Gabriel Souza, até o momento apontado como sucessor de Leite — também se prepara para disputar uma cadeira na Assembleia.
Na corrida por Brasília, estão a deputada estadual Patrícia Alba (MDB), que tentará vaga de deputada federal, e o vice-prefeito Dr. Levi Melo (Podemos), outro integrante de partido da base governista com presença no primeiro escalão estadual.
Até mesmo Thiago De Leon (PDT), ex-vereador e hoje secretário-adjunto no governo Leite, que ainda não anunciou se concorre a deputado estadual ou federal, está na lista dos que precisarão medir a fidelidade à gestão estadual diante da cobrança do novo pedágio.
No teste de fidelidade há de se observar ainda os deputados ‘estrangeiros’ ligados à gestão estadual e apoiados por políticos da aldeia.
Esqueceu o prefeito? Luiz Zaffalon (PSD) não precisa testagem alguma. Já resta reeleito, e, ‘sincericida’, mesmo nas campanhas eleitorais nunca fugiu de associar-se às concessões como alternativa para investimento e manutenção de rodovias.
Ao fim, os pré-candidatos experimentam o que sempre chamo de ‘sabor agridoce’ de ser governo.
A política, em algum momento, coloca a teste o oportunismo de viver no melhor dos mundos: aquele em que o político só aparece na foto da obra, mas não defende algo impopular que, conforme o governo, financia a obra.
A ERS-020 é simbólica. Leite anunciou R$ 218 milhões para duplicação. Na foto, instagramável, todo mundo vai querer estar. Há, inevitavelmente, um pedágio político a pagar.






