Essa semana a imprudência quase levou minha vida. Externei isso nas minhas redes sociais, mas quis estender essa reflexão ao Seguinte: nessa oportunidade que tenho de, semanalmente, poder compartilhar algum escrito com vocês.
Havia ido almoçar com a Lauren em um pequeno restaurante próximo de casa. Chovia muito, ontem, por volta das 13h. Eu estava sem guarda-chuva, como de costume. Devo ser um dos maiores colaboradores da indústria de guarda-chuvas, porque perco um por mês. Mas eu precisava dar almoço pra Lauren e levá-la à escolinha, então, resolvi subir a calçada – que por sua vez, naquele local, era alta – e estacionar junto à porta de entrada.
Desci correndo com ela no colo e uma caixa na cabeça que ela mesmo segurava. Aliás, ela adorou aquilo. Almoçamos, ela fez amizade com os proprietários, virou feijão na minha calça, ficava minutos estática olhando a chuva enquanto eu fazia aviãozinho da massa que ainda restava no prato.
Na saída tirei meu casaco e a cobri. Entrei no carro molhado e ela sequinha atrás sorrindo e comendo chocolate. Parei por alguns segundos a admirando. Ela sente quando a olhamos. Deu um sorrisinho de lado e começou a balançar a cabeça ritmicamente. Liguei o carro e olhei para o lado. Havia uma sinaleira a alguns metros de onde estava estacionado. Aguardei fechar o sinal e comecei a manobrar o carro para sair. No entanto, a calçada, como eu havia dito no início, era alta. Ali não era o lugar de entrar para estacionar. O fiz para abreviar o caminho de entrada sem guarda-chuva.
Como tive que sair cuidadosamente pra descer aquela calçada alta, pude observar os carros parados na sinaleira. Um ao centro e outro à esquerda. A faixa da direita estava livre. Geralmente é utilizada pelos ônibus. Quando coloquei a primeira roda na faixa, olhei de relance para a via, e, assim que acelerei pra descer completamente, um barulho de motor roncando misturou-se à chuva, levantando água do acostamento, numa velocidade tão grande, e tão próximo ao nosso carro, que chegou a dar um frisson.
Um Monza ou Kadett, um carro desse porte, passou a sinaleira fechada a mais de 100km/h, pela pista da direta, num dia de chuva, de péssima visibilidade e por alguns milésimos de segundos não atinge em cheio o lado que fica a cadeirinha da Lauren. Minha primeira ação, ainda tremendo, foi subir novamente o acostamento pra acalmar, soltar o cinto e dar um beijo na Lauren, que seguia sorrindo sem entender nada. Depois pensei em seguir aquele carro até o inferno. Mas fiquei imóvel, ali. Inerte. Não fiz nada. Apenas rezei agradecendo por nada ter acontecido.
Talvez não fosse um local inadequado para estacionar, se houvesse uma calçada rebaixada onde eu pudesse ter tirado o carro tranquilamente, hoje a minha vida estaria acabada. A primeira reflexão que eu fiz, ainda dentro do carro, suando frio e trêmulo, de medo e raiva, foi aquele velho clichê da vida por um fio. Nunca sabemos quando será com a gente. Podia ter sido o último feijãozinho, e alguém estaria trocando dez minutos a menos para chegar ao local de destino pelo bem mais precioso de uma vida que ele nem conhece.
E isso acontece milhares de vezes diariamente, e muitas dessas sem ter tempo pra desviar. Tudo porque é possível correr pra atravessar um sinal amarelo, pra dar tempo de chegar cinco, dez minutos mais cedo, e não pensamos que estamos guiando uma arma apontada para os outros e para nós mesmos. Na dúvida, atrase cinco minutos, mas não arrisque destruir a vida de ninguém e nunca mais poder dormir tranquilamente.