JOÃO PESSOA
Nada mais humano
que um João,
nada mais João
que uma pessoa.
João é pobre,
não tem etcétera e tal
e vive na pindaíba,
por isso,
na Paraíba,
o João,
só por ser pessoa,
é capital.
ESPINHO
O espinho começa
com todo o diâmetro possível,
projeta-se para além do galho
e acaba em nada.
E o nada
é o que fere.
SINFONIA
Violino nem tem idéia do que seja raiz quadrada.
Fagote é analfabeto.
Piano não sabe dançar.
Tambor é incapaz de cantar.
Oboé não consegue mugir.
Flauta não assoa o nariz.
A Tuba, gorda e grave, não tonifica as bochechas
de quem a toca.
Contrabaixo não tem como descer a escadaria
sozinho.
A batuta se agita no espaço, mas não voa.
E o maestro,
quando vai ao banheiro,
não rege,
escoa.
CAVALO
Vou morrer sem saber
desenhar um cavalo.
E os cavalos também vão morrer
sem saber me desenhar.
Assim que estamos quites,
os cavalos e eu.
Eu não relincho
e eles não leem em voz alta
o que acabo de escrever.
AS SETE BESTEIRAS
Tenho sete besteiras pra te contar.
Só que o meu irmão chegou e me disse:
– Fui, ontem, à recepção do Comendador e gastei
todas as besteiras que eu tinha. Será que tu não
podias me emprestar uma, qualquer uma?
Então, comovido, emprestei duas pro meu irmão e
me restaram cinco besteiras.
Das cinco, tem duas que são muito parecidas,
quase idênticas. Me sobraram quatro besteiras pra
te contar.
Das quatro, tem uma que tu mesmo – agora
lembrei – me contaste na semana passada, essa
não vale, e aí ficaram três.
Das três, uma eu esqueci. Então só tem duas
besteiras.
Das duas, tem uma que é em grego antigo – e essa
só funciona em grego antigo, idioma que tu e eu
não entendemos.
Daí é que me sobra apenas uma besteira, que é
esta história que eu acabo de te contar.
PANELA
Cozinheiro
que sou,
me fascino
com a minha panela de pressão
e aquela atividade febril que tem.
Parece estar viva,
ansiosa,
insatisfeita,
mal paga,
trabalhando de má vontade,
mas,
obstinada,
furiosa,
eficiente.
Locomotiva, ela,
maquinista, eu,
dessa traquitana
a apavorar
velhotas
acostumadas
à paz da lenha
e às cambucas
mornas
de barro.
Caldeireiro, eu,
doida, ela,
se num redepente,
explode
na minha cara,
fantasma
de abóbora fervente,
eu.
TATTOO
Lamentável essa tatuagem tua
com esse desenho floral idiota
estampadoforever sobre a tua bunda
a destruir a curva primordial
que o Deus no qual não creio
teve tanto trabalho pra calcular.
VALDEREZ
Teu nome é bom de
bajular as maiúsculas,
fazer cócegas nas minúsculas,
lamber as vogais e
mastigar as consoantes.
Depois,
na impossibilidade
de te subjugar,
te conjugar,
em francês,
como convém a um tarado
do meu jaez:
Jevaldère
Tu valdères
Il valdère
Nousvalderons
Vousvalderez
Ilsvaldèrent.
TEOGONIA
Eu não creio em Deus,
eu creio em deuses.
O que é muito melhor,
porque deuses são vários,
a gente escreve com letra minúscula
e eles estão pouco ligando pra isso.
Mas, te cuida, que nas noites de sábado,
quando estiveres distraído no bar,
desconcertado pelos vapores do licor,
eles te passam a mão na bunda e,
se bobear,
te afanam a carteira.
E eles tem hálito de hortelã,
sobrancelhas espessas e
labios grossos,
atenta que, ao menor descuido,
eles te lambem o pescoço e te enrabam.
Os safados dos deuses te enrabam.
Atenta com os deuses, que eles te enrabam,
os safados.
SÚDITOS
Os ingleses instauraram
a brutalidade gentil neste mundo.
Inventaram a luta de box
e a respectiva luva,
pra sangrar o adversário,
maciamente.
Engendraram o soco-inglês,
pra quebrar dentes, vômeres e malares,
sem que seus delicados dedos
sofressem com isso,
sequer parcialmente.
Então, as fuças sangradas,
os dentes quebrados,
os vômeres fraturados,
os malares destroçados,
os rapazolas argentinos
liquidados nas Malvinas
se vingam desses súditos
feios e leitosos,
pau cor-de-rosa,
lhes desejando uma irmã,
chorosa e ruiva,
de tetas mal resolvidas,
que se apaixone
por algum padeiro irlandês,
pobre, burro e arrogante,
alcoólatra, pícnico e retrognata,
rancoroso, macrofálico e sodomita,
E era isso.
Se quiser mais informação, você,
please,
dirija-se
à BBC.
MISTURA GROSSA
Sou filho de um cavalo ruano,
fogoso, sargento-telegrafista,
cruzado com uma égua branca,
inteligente, séria e farmacêutica,
pernas sólidas, mãos comportadas.
Sou neto de uma vaca uruguaya, costureira,
bugra, desbocada, comunista, mulher-fêmea e
diaba,
casada com um cachorrinho guaipeca,
prognata, doce e simplório,
tipógrafo, jornalista, poeta, ex-borracho,
nariz de couve-flor.
Irmão sou de um touro bravio, doido e
fotolitógrafo,
casco duro, sem argola na venta,
dois sabres castelhanos no lugar das guampas,
então, sai da frente, nem te mete,
não me inventa de lhe mudar o rumo,
nem de lhe mostrar pra que lado fica o açude.
Ele nem banho toma, de tão limpo que é,
assim como Nossa Senhora nunca o fez,
ao menos a mim não me consta,
de tão sagrada e teimosa que era.
MIL GOIABAS
Uma imagem vale por mil palavras?
Goiaba, por exemplo, é goiaba, sem dúvida.
De que servem mil palavras pra confirmar isso?
Pra se dizer mil goiabas,
basta dispor de duas palavras:
mil e goiaba
Mas, se eu vejo a foto de mil goiabas,
ou se vejo exatas mil goiabas no caixote da
CEASA,
estarei vendo, mesmo, mil goiabas?
Verei goiabas, tantas goiabas, porradas de goiabas,
até mais que mil, mas, mil?
Isso, só escrevendo com uma esferográfica azul,
no verso do folhetinho de propaganda do
lava-a-jato:
Mil Goiabas
Aí, sim, consigo ver, no total e no absoluto,
as tais mil goiabas, graças à eficiência
do desenho da palavra,
aliada à dança nervosa e descritiva da
caneta BIC, escrita fina e precisa.
Roberto Silva é gaúcho e vive em João Pessoa, Paraíba. É poeta, fotógrafo, desenhista, cartunista, ilustrador, designer, entre outras artes. Para acompanhar sua criação, acesse seu Facebook.