3° Neurônio | poesia

Poemas vagabundinhos | Roberto Silva


 

 

JOÃO PESSOA

Nada mais humano

que um João,

nada mais João

que uma pessoa.

João é pobre,

não tem etcétera e tal

e vive na pindaíba,

por isso,

na Paraíba,

o João,

só por ser pessoa,

é capital.

 

 

ESPINHO

O espinho começa

com todo o diâmetro possível,

projeta-se para além do galho

e acaba em nada.

E o nada

é o que fere.

 

 

SINFONIA

Violino nem tem idéia do que seja raiz quadrada.

Fagote é analfabeto.

Piano não sabe dançar.

Tambor é incapaz de cantar.

Oboé não consegue mugir.

Flauta não assoa o nariz.

A Tuba, gorda e grave, não tonifica as bochechas

de quem a toca.

Contrabaixo não tem como descer a escadaria

sozinho.

A batuta se agita no espaço, mas não voa.

E o maestro,

quando vai ao banheiro,

não rege,

escoa.

 

 

CAVALO

Vou morrer sem saber

desenhar um cavalo.

E os cavalos também vão morrer

sem saber me desenhar.

Assim que estamos quites,

os cavalos e eu.

Eu não relincho

e eles não leem em voz alta

o que acabo de escrever.

 

 

AS SETE BESTEIRAS

Tenho sete besteiras pra te contar.

Só que o meu irmão chegou e me disse:

– Fui, ontem, à recepção do Comendador e gastei

todas as besteiras que eu tinha. Será que tu não

podias me emprestar uma, qualquer uma?

Então, comovido, emprestei duas pro meu irmão e

me restaram cinco besteiras.

Das cinco, tem duas que são muito parecidas,

quase idênticas. Me sobraram quatro besteiras pra

te contar.

Das quatro, tem uma que tu mesmo – agora

lembrei – me contaste na semana passada, essa

não vale, e aí ficaram três.

Das três, uma eu esqueci. Então só tem duas

besteiras.

Das duas, tem uma que é em grego antigo – e essa

só funciona em grego antigo, idioma que tu e eu

não entendemos.

Daí é que me sobra apenas uma besteira, que é

esta história que eu acabo de te contar.

 

 

PANELA

Cozinheiro

que sou,

me fascino

com a minha panela de pressão

e aquela atividade febril que tem.

Parece estar viva,

ansiosa,

insatisfeita,

mal paga,

trabalhando de má vontade,

mas,

obstinada,

furiosa,

eficiente.

Locomotiva, ela,

maquinista, eu,

dessa traquitana

a apavorar

velhotas

acostumadas

à paz da lenha

e às cambucas

mornas

de barro.

Caldeireiro, eu,

doida, ela,

se num redepente,

explode

na minha cara,

fantasma

de abóbora fervente,

eu.

 

 

TATTOO

Lamentável essa tatuagem tua

com esse desenho floral idiota

estampadoforever sobre a tua bunda

a destruir a curva primordial

que o Deus no qual não creio

teve tanto trabalho pra calcular.

 

 

VALDEREZ

Teu nome é bom de

bajular as maiúsculas,

fazer cócegas nas minúsculas,

lamber as vogais e

mastigar as consoantes.

Depois,

na impossibilidade

de te subjugar,

te conjugar,

em francês,

como convém a um tarado

do meu jaez:

Jevaldère

Tu valdères

Il valdère

Nousvalderons

Vousvalderez

Ilsvaldèrent.

 

 

TEOGONIA

Eu não creio em Deus,

eu creio em deuses.

O que é muito melhor,

porque deuses são vários,

a gente escreve com letra minúscula

e eles estão pouco ligando pra isso.

Mas, te cuida, que nas noites de sábado,

quando estiveres distraído no bar,

desconcertado pelos vapores do licor,

eles te passam a mão na bunda e,

se bobear,

te afanam a carteira.

E eles tem hálito de hortelã,

sobrancelhas espessas e

labios grossos,

atenta que, ao menor descuido,

eles te lambem o pescoço e te enrabam.

Os safados dos deuses te enrabam.

Atenta com os deuses, que eles te enrabam,

os safados.

 

 

SÚDITOS

Os ingleses instauraram

a brutalidade gentil neste mundo.

Inventaram a luta de box

e a respectiva luva,

pra sangrar o adversário,

maciamente.

Engendraram o soco-inglês,

pra quebrar dentes, vômeres e malares,

sem que seus delicados dedos

sofressem com isso,

sequer parcialmente.

Então, as fuças sangradas,

os dentes quebrados,

os vômeres fraturados,

os malares destroçados,

os rapazolas argentinos

liquidados nas Malvinas

se vingam desses súditos

feios e leitosos,

pau cor-de-rosa,

lhes desejando uma irmã,

chorosa e ruiva,

de tetas mal resolvidas,

que se apaixone

por algum padeiro irlandês,

pobre, burro e arrogante,

alcoólatra, pícnico e retrognata,

rancoroso, macrofálico e sodomita,

E era isso.

Se quiser mais informação, você,

please,

dirija-se

à BBC.

 

 

 

MISTURA GROSSA

Sou filho de um cavalo ruano,

fogoso, sargento-telegrafista,

cruzado com uma égua branca,

inteligente, séria e farmacêutica,

pernas sólidas, mãos comportadas.

Sou neto de uma vaca uruguaya, costureira,

bugra, desbocada, comunista, mulher-fêmea e

diaba,

casada com um cachorrinho guaipeca,

prognata, doce e simplório,

tipógrafo, jornalista, poeta, ex-borracho,

nariz de couve-flor.

Irmão sou de um touro bravio, doido e

fotolitógrafo,

casco duro, sem argola na venta,

dois sabres castelhanos no lugar das guampas,

então, sai da frente, nem te mete,

não me inventa de lhe mudar o rumo,

nem de lhe mostrar pra que lado fica o açude.

Ele nem banho toma, de tão limpo que é,

assim como Nossa Senhora nunca o fez,

ao menos a mim não me consta,

de tão sagrada e teimosa que era.

 

MIL GOIABAS

Uma imagem vale por mil palavras?

Goiaba, por exemplo, é goiaba, sem dúvida.

De que servem mil palavras pra confirmar isso?

Pra se dizer mil goiabas,

basta dispor de duas palavras:

mil e goiaba

Mas, se eu vejo a foto de mil goiabas,

ou se vejo exatas mil goiabas no caixote da

CEASA,

estarei vendo, mesmo, mil goiabas?

Verei goiabas, tantas goiabas, porradas de goiabas,

até mais que mil, mas, mil?

Isso, só escrevendo com uma esferográfica azul,

no verso do folhetinho de propaganda do

lava-a-jato:

Mil Goiabas

Aí, sim, consigo ver, no total e no absoluto,

as tais mil goiabas, graças à eficiência

do desenho da palavra,

aliada à dança nervosa e descritiva da

caneta BIC, escrita fina e precisa.

 

Roberto Silva é gaúcho e vive em João Pessoa, Paraíba. É poeta, fotógrafo, desenhista, cartunista, ilustrador, designer, entre outras artes. Para acompanhar sua criação, acesse seu Facebook.

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