JEANE BORDIGNON

Por Ana e por todas nós

A beleza, bem dentro do padrão, não a poupou.

O dinheiro que ela sempre ganhou com seu trabalho desde cedo, também não a poupou.

A fama e o sucesso não a pouparam.

Trabalhar sempre com muita gente, em projetos que envolvem grandes equipes, tampouco a poupou.

Mesmo sendo uma pessoa pública e uma profissional bem-sucedida, Ana Hickmann é mais uma mulher que passou anos enredada em um relacionamento abusivo. Mais uma vítima do machismo e do patriarcado que precisou da Lei Maria da Penha para garantir afastamento imediato de um marido violento e manipulador.

Muito do que Ana contou em sua entrevista ao Domingo Espetacular neste 26/11 é bem do roteiro típico das relações abusivas. A apresentadora conheceu a violência muito cedo, vendo o pai agredir a mãe. Foi uma das razões que a levaram a casar tendo apenas 16 anos. Alexandre tinha 26. É fácil perceber que havia desde ali uma relação de poder de um homem adulto com uma adolescente, né? 

O marido era controlador e afastava Ana de muitas pessoas. E quando ela tentava expor o lado tóxico de Alexandre, não era compreendida. Pelo contrário, ouvia que o homem estava tentando proteger a família e que ela era quem estava errada. Como muitas de nós já ouvimos. Loucas, desequilibradas, sensíveis demais, ingratas… Muitos adjetivos num único objetivo. 

E porque ela permaneceu 25 anos ao lado desse sujeito? Quem já esteve numa relação abusiva sabe. A gente se acostuma com o tratamento da outra pessoa a ponto de nem identificar mais o quão agressivo é. Torna-se natural ser tratada daquele jeito. E geralmente, o abusador vai minando a autoestima da vítima até que ela perca a sua autoconfiança e não veja possibilidade de sair daquele ciclo tóxico.

“[Ele] foi um covarde, um canalha, que acha que tem poder e domínio sobre os outros. Eu tô com muito medo dele, comecei a me deparar com grandes mentiras, minha vida desmoronou”. Tenho certeza que a maioria das mulheres já se viram ou irão se ver nessas palavras. E somos muito fortes, todas nós que já nos envolvemos com homens abusivos e conseguimos renascer, nos reconstruir.

Quão importante foi uma mulher como a Ana ir num programa de domingo contar que pediu divórcio pela Lei Maria da Penha, explicando que dessa forma o afastamento de corpos é imediato e a burocracia corre muito mais rápido? É necessário que cada vez mais mulheres saibam que esse direito existe e que façam uso da lei para se libertarem.

Ana é gaúcha como eu e temos a mesma idade, ela apenas uns meses mais nova. Então entendo como crescemos em um contexto ainda muito machista e que supervaloriza o casamento. Nossa geração ainda foi criada para “lutar pela família” e “fazer sacrifícios”, mesmo que essa luta e esse esforço partam apenas da mulher, né? E viemos de um estado que há não muito tempo tinha uma música muito famosa, de um grupo gauchesco, que no ritmo de um vanerão animado, dizia: “Ajoelha e chora / quanto mais eu passo o laço / muito mais ela me adora”.

Na minha adolescência havia outra que muito dancei nos bailes de CTG, antes de ter noção do ambiente que era:
“Bota um perfume e nos olhos passa um brilho

Que uns cinco filho ainda tem que me parir

Inté comprei um escapulário pra rezar

Caso faiá e nóis não possa fica junto

Se isso acontece eu mato nóis dois num tendeu

E lá no céu vai ter casório de defunto”

Como a gente normalizava frases assim? Hoje a gente percebe o quão problemáticas elas são. Mas faço parte das crianças que cantavam Maria Chiquinha junto com Sandy & Junior inocentemente. E achávamos fofinho aquele toco de gente dizendo que ia cortar a cabeça e aproveitar o corpo da moça. Não tinha um adulto pra dizer que era muito errado tratar assim uma mulher?

Assim crescemos com ideias bem distorcidas de relacionamento, distantes do saudável. Ainda bem que hoje discutimos tudo isso abertamente e vejo as mulheres mais jovens muito mais empoderadas. Mas precisamos dar as mãos umas às outras. Se uma mulher dá sinais de estar em uma relação abusiva, acolha e acredite. Os abusadores na maioria das vezes são sedutores com todo mundo, e passam imagem de bons-moços, fazendo com que as pessoas ao redor duvidem que eles sejam capazes se serem tóxicos e agressivos. 

“Muitos depois daquela ligação (da denúncia) tentaram me convencer de não ir para a delegacia, no dia seguinte também. Agora entendo porque muitas chegam a ir à delegacia, prestam queixa e voltam atrás. Não é só por medo do agressor, é porque as pessoas te fazem fazer isso”, contou a Ana na entrevista. Precisamos mudar essa realidade, começando pela união entre mulheres. Juntas somos mais fortes!

Se alguma irmã que está lendo esse texto encontra-se numa relação abusiva, saiba, você não está sozinha! Pode me procurar nas minhas redes sociais, não sei se posso fazer muito, mas ouvidos e abraços sempre terei.

E precisando, ligue 180! A Central de Atendimento à Mulher registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher, e também dá informações sobre nossos direitos, e sobre locais de atendimento mais próximos.

Chega de violência contra mulheres!

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