Um cartaz escrito ‘por piedade’ dos 400 cervos ameaçados de extermínio não pareceria estranho, minutos atrás na Marcha da Defesa Animal, que acontece há cinco anos em 40 diferentes cidades brasileiras e, neste ano, foi promovida simbolicamente em frente ao Pampa Safari, em Gravataí. Numa triste ironia, ativistas, protetores e simpatizantes da causa animal eram separados do parque pelo muro de telas recém construído e por placas onde, por erro de grafia, era feito o alerta para a propiedade privada.
– Os defensores dos animais estão mobilizados para evitar a matança desde quando descobriram que 24 cervos tinham sido abatidos, quatro deles no ventre das mães – rememora Gelcira Teles, organizadora da marcha que levou mais de uma centena de ativistas ao parque e, no encerramento, trancou a RS-020 no Km 11.
A jornalista, que milita há 27 anos na causa animal, foi um das primeiras ativistas a mobilizar as redes sociais e participar das vigílias que ocorrem no Pampa desde 22 de agosto, quando foi confirmada a autorização da Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Secretaria Estadual da Agricultura e do Meio Ambiente aos sacrifícios de animais, sob a justificativa da suspeita de um até agora não comprovado surto tuberculose bovina.
– Até o momento, os testes realizados nos animais assassinados resultaram inconclusivos. E dados dos processos apontam indícios de descaso sanitário e ambiental pela administração do parque no controle de doenças, alimentação e reprodução dos animais há mais de 10 anos – argumenta a ativista, que responsabiliza a família Febernati, “que explorou os animais por 40 anos” por “usar a suspeita de tuberculose como desculpa para se livrar dos bichos e empreender outro negócio”.
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– Alguém tem alguma dúvida de os animais estão atrapalhando um grande negócio nessa área de mais de 300 hectares, que alguns veem como um paraíso de vida silvestre, outros como uma mina de ouro? Preparem-se, das migalhas para os animais sairá aqui algum parque aquático ou um condomínio chique com nome bonito, tipo ‘reserva silvestre alguma coisa’ – alerta a ativista Thiane Nunes, que defende a desapropriação de parte do Pampa para a criação de uma reserva pública.
A suspeita da ativista é alimentada por lobista que circula nos bastidores de grandes empreendimentos gaúchos e informou ao Seguinte:, pedindo anonimato, que uma grande incorporadora já tem planos para negociar a área com os proprietários para construir um megaempreendimento imobiliário.
: Thiane Nunes (com o V, do veganismo tatuado no pulso) com a bandeira internacional do abolicionismo animal
– Os proprietários estão pensando no lucro, nós na vida – critica Juliana Coube, que também tem participado de vigílias no Pampa e, com um grupo de ativistas, circulava pela marcha com alegorias imitando galhadas de cervos.
– Pampa Safari, santuário já – puxava o coro quando os ativistas fecharam a 020.
: Ju Coube (à esquerda) tem organizado vigílias em frente ao Pampa Safari desde a denúncia das primeiras matanças
O Seguinte: não conseguiu contato com os proprietários do parque.
A 020 fechada, por Ju Coube
Gravataí segura a porteira
A angústia dos ativistas cresceu na quarta quando, mesmo com uma audiência de conciliação marcada para o dia 17 no Foro Central de Porto Alegre, o desembargador do Tribunal de Justiça gaúcho Arminio José Abreu Lima da Rosa derrubou liminar que suspendia os abates, concedida em 24 de agosto pelo juiz João Ricardo dos Santos Costa, da 16ª Vara Cível da Capital, em ação popular movida pela deputada estadual Regina Becker contra os abates até que se provasse que havia um surto da doença.
– Estamos fazendo um agravo interno apresentando dados e ponderações para que sejam analisados a fim de viabilizar a reversão da situação. Os exames feitos no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor comprovaram que os animais já sacrificados não tinham tuberculose. Há também um estudo complexo feito na Ufrgs que comprova que a tuberculose dos animais não é transmissível aos homens. Exames feitos pelo empreendedor, que começaram em outubro do ano passado e terminaram em fevereiro, também mostraram que nenhum animal tinha a doença – observa a deputada, que é ligada à causa animal e participou da marcha em Gravataí.
Apesar das autorizações do Ibama e da Agricultura, a matança só não começou ainda porque a Fundação Municipal de Meio Ambiente (FMMA) de Gravataí manteve a proibição, determinada em 24 de agosto por via administrativa, tanto da retirada dos cervos do local quanto o abate deles – medida que só pode ser derrubada por ordem judicial específica. O Ministério Público de Gravataí também expediu na quinta recomendação ao secretário estadual de Agricultura Ernani Polo para que não emita guias de abate por não existir comprovação efetiva de doença. Para a promotora Carolina Barth, sem exames conclusivos, o secretário e os proprietários do Pampa poderão ser responsabilizados administrativamente e criminalmente por maus tratos.
Da justiça dos homens
O argumento do desembargador, que derrubou a liminar no Dia dos Animais e do padroeiro São Francisco de Assis, é que a Lei de Proteção ao Meio Ambiente, que proíbe matar animais sem a devida permissão, não inclui espécies exóticas como os cervos, e que a medida do Pampa Safari se justifica pela necessidade de evitar a proliferação da tuberculose.
O “abate sanitário” é autorizado por Arminio José Abreu Lima da Rosa “desde que vedada a crueldade com os animais” e seria “a solução para um empreendimento prestes a ser fechado, cujos espécimes não podem ser vendidos para consumo, já que há risco de contaminação, e geram custos a uma empresa sem receita”.
Em março de 2013, o próprio veterinário que era o responsável técnico do Pampa fez denúncia destacando mortalidade por tuberculose bovina, predação e até desnutrição supostamente causada pela superpopulação do local. A contaminação atingiria 3 a cada 10 cervos testados, o que levou o Ibama a interditar o parque à visitação e, alegando questões sanitárias, começar uma verdadeira campanha pelo sacrifício dos animais.
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Inventário por drone e campo
Não se sabe ainda o número de cervos abrigados no parque, já teve mais de 2 mil animais e era considerado o maior safári da América Latina. Para fazer a contagem por ordem do Ministério Público para o inquérito civil público aberto em agosto, equipes de fiscalização da Fundação Municipal de Meio Ambiente de Gravataí e do Grupamento Ambiental da Guarda Municipal iniciaram um inventário na última quinta, com equipamentos de visibilidade de longa distância, como drone, e levantamentos de campo.
– Como órgão fiscalizador e licenciador ambiental do município acompanharemos dia a dia a situação dos animais, para que seus destinos sejam definidos por alternativas com critério técnicos – diz o biólogo e doutor em ecologia Jackson Müller, diretor-presidente da fundação e crítico do abate sem a comprovação de contágio de tuberculose.
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Ato no Fórum da Capital, dia 17
Os ativistas se organizam para cercar o Fórum de Porto Alegre na audiência de conciliação marcada para o dia 17, às 16h. Conforme o Seguinte: apurou extraoficialmente com fontes do órgão, deve ser levada à reunião uma proposta do Ibama de eutanaziar animais cujo contágio for comprovado por novos exames feitos com veterinário credenciado, e transferir os demais para santuários ou criadouros. A Quinta da Estância, em Viamão, seria um dos locais.
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Assista ao comentário sobre o muro que é uma lápide