Uma hipótese aparentemente fantasiosa e carnavalesca, porque no século 21 tudo é possível, inclusive arlequim sem máscara. Essa é a hipótese, que se apresenta no texto a seguir.
No início de fevereiro, Putin decide que vai atacar e que precisa vencer a guerra, não só com a imposição do poderio militar, mas com a conquista de corações, mentes e fígados do mundo todo.
Putin precisa vencer e convencer de que está certo. Hoje, muito mais do que nas guerras do século 20, é preciso entrar e sair de um conflito sem ter a cara de bandido exposta em toda parte e nas redes sociais.
E então, poucos dias antes de atacar a Ucrânia, Putin chama Bolsonaro a Moscou. Por que chamar um sujeito exposto ao mundo como genocida, sem a inteligência e sem a força política de seus similares europeus de extrema direita?
Por que Bolsonaro, sem expressão internacional e exposto nos últimos meses como um governante fragilizado e a caminho de perder a eleição para Lula?
O que o sujeito foi fazer em Moscou? Defender relações comerciais diante da proximidade da guerra, assegurar que não faltará adubo ao Brasil e dizer que, se precisar, Putin pode contar com nossos tanques fumegantes?
Não faz sentido. E Putin não ganha nada com Bolsonaro. O russo chamou a Moscou um governante fraco e desesperado, que volta a ameaçar com o golpe, para dizer murmurando ao pé do ouvido: você também deve fazer o que está pensando para permanecer no poder, porque você tem a força.
Putin encorajou Bolsonaro a ser um Putin brasileiro, com ou sem vitória na eleição, sabendo que ele tem a obsessão pela permanência no poder a qualquer custo.
Putin disse: eu posso entrar na guerra, sair vencedor, desmoralizar Joe Biden, subjugar a Europa, abrir as portas para o retorno de Trump e assumir o controle das novas relações mundiais ao lado da China.
O mundo seria dele, de Putin, com Trump retornado, Viktor Mihály Orbán na Hungria, Andrzej Duda na Polônia, Aleksandr Lukashenko na Bielorrússia, Bashar al-Assad na Síria e outros que quisessem aderir ao clube, todos sob as asas do poderio chinês.
Bolsonaro seria seu representante no Brasil. Porque Putin deve acreditar no êxito de um golpe aqui, assim como acreditou que vencerá a guerra. Estaria formado um timaço de déspotas.
Putin deve ter transmitido mais de uma vez a Bolsonaro, durante a visita, uma mensagem que os tradutores passaram adiante em tom assertivo: mete os peitos e segue em frente do seu jeito.
Não há nada na visita da racionalidade das relações internacionais, mesmo que essas sejam movidas por atitudes esdrúxulas e incoerentes.
Bolsonaro foi a Moscou com seus principais generais, às vésperas da declaração de uma guerra. A comitiva tinha 32 militares.
Voltou sem saber o que diria da viagem e até hoje não há nada plausível que dê sentido à excursão.
Putin fez uma aposta num sujeito que hoje é um perdedor. Deu a Bolsonaro o sinal para que vire o jogo e continue blefando com a ameaça de que não irá abandonar o poder.
A visita de Bolsonaro não tem relação nenhuma com a visita de Alberto Fernández, que está no meio de um mandato. Com Bolsonaro, um enjeitado pelo mundo, a história é outra.
Putin não acredita em Deus, nem Bolsonaro, mas ambos apostaram na ideia de que, se os dois estão no poder, é porque Deus assim quis. O brasileiro já avisou muitas vezes que só Deus pode tirá-lo do governo.
Bolsonaro volta de Moscou com a certeza de que seu vice será Braga Netto e manda espalhar a escolha como boato aos amigos da imprensa. E a partir dali retoma com força os ataques aos ministros do Supremo e do TSE, à eleição e à democracia.
Putin chamou Bolsonaro à Rússia para submetê-lo a um coaching, como escolhido a fazer parte da sua turma. Transmitiu confiança a Bolsonaro, para que não fraqueje diante dos obstáculos.
Bolsonaro voltou sentindo-se um ungido, e agora tem o Brasil, Deus e Putin acima de todos e de tudo. E os dois podem perder a guerra, lá e cá.