A questão, naquele inverno, é que o Camilo, diretor do departamento denominado Grandes Estruturas, comandava uma equipe que vivia com a cabeça 20 anos à frente, enquanto, ele, desfilava um repertório de pérolas administrativas que mais pareciam de um filme B dos anos 1980.
Para a equipe de produção da fábrica de estruturas metálicas o serviço bruto sempre foi amenizado pela engenhosidade do design criado de forma única para cada projeto.
Com a evolução nos sistemas de construção, especialmente na última década, tudo seguia padrões técnicos, normas ambientais e rígidos critérios de montagem.
A empresa que acomodava duzentos funcionários e toneladas de aço parecia uma estação espacial ultramoderna e a tecnologia e a inovação apareciam da porta de entrada ao lote de vigas que saia para ser entregue a um grande shopping center.
E entre tirar um pedido e empilhar treliças de 12 metros de comprimento tinha gente fazendo o serviço.
Por isso, criatividade, responsabilidade, conhecimento técnico e, principalmente, a sinergia da equipe formavam o amálgama que sustentava a fábrica.
Mas é o Mundo do Trabalho e, nele, gente faz a diferença pra tudo, inclusive pra ser diferente do que deve ser.
O paradigma de Camilo era que nas reuniões, diante dos clientes, no discurso, palavras como Colaboração, Gestão integrada, Interação e Sustentabilidade eram as mais empregadas.
Na prática do dia a dia, as atitudes eram mais condizentes com o “vence o mais forte”, “manda quem pode, obedece quem precisa” e por aí abaixo.
Na estante, atrás da mesa de trabalho, reluziam a bíblia sagrada e uma intocada coleção de Drucker.
Ao lado do notebook, uma capa surrada, em preto e dourado, gritava: “500 frases para influenciar sua equipe a fazer mais”.
O elo perdido entre o obstinado engenheiro Camilo, formado em 1983, com Pós-Graduação no Japão, e o Camilo alçado ao posto de administrador, tinha várias versões.
A mais plausível é de que o caráter é o que prevalece sobre qualquer cargo ou posto e este traço de personalidade nunca fora uma das virtudes do novo chefe (com conotação oitentista).
A pergunta sem resposta de novatos, experientes e excelentes profissionais era porquê sempre esse tipo de gente é que vira chefe (com a conotação de gestor e o salário dobrado).
Poucos percebiam que ele, de fato, se especializara em apertos de mão e sorrisos amarelos na hora certa e em colecionar pessoas que lhe deviam favores.
E numa epifania, um dos colegas teve a visão de um mundo pós-humano, em que máquinas dominaram a Terra.
E depois da extinção do humano, só por diversão, os robôs faziam jogos em que o exemplar com a programação com mais bugs e menor capacidade técnica comandava ordas dos mais modernos cyborgs.
Geralmente, ganhava o mais bonito.