Após o vereador de Gravataí Roger Correa (PP) postar foto comemorando ter recebido a vacina contra a COVID-19 aos 31 anos, leitores me questionaram se não havia ‘fura-fila’. Não, o caso é análogo a Saulo, filho do prefeito de Cachoeirinha Miki Breier (PSB), que reportei em Por que filho do prefeito Miki foi vacinado aos 29 anos em Cachoeirinha; Sem ’fura-fila’.
O parlamentar, que assumiu em março após a morte de Roberto Andrade em consequência da COVID-19, foi imunizado no grupo dos industriários. O estranhamento restou por ser funcionário de uma sistemista da GM que está com a produção suspensa desde março, assim como todo complexo automotivo.
Roger enviou nota ao Seguinte:.
– O cronograma estabelecido pelo poder público foi claro, ao estabelecer critérios e grupos prioritários, para aplicação da vacina contra COVID-19. Sou funcionário há mais de 10 anos de uma empresa sistemista da GM, ou seja, uma indústria. No mesmo cronograma não há diferenciação quanto a situação das atividades de cada empresa (com produção na ativa ou não) – escreveu, e em áudio defendeu a vacina como a saída para a pandemia.
Ao fim, legal é a vacinação, mesmo que, na prática, neste momento Roger esteja imunizado para a função de vereador e não de industriário, já que não exerce trabalho presencial em sua empresa.
Compreensível também é a fiscalização – e revolta – de eleitores com casos de ‘fura-fila’. Inclusive os ‘dentro do cronograma’. É impressionante como apareceram diagnósticos de hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca e outras comorbidades nestes tempos de vacinação.
A fila nunca termina.
E é cada vez mais ‘rica’.
O médico R. M.* contou ao El País, na reportagem Busca por atestados falsos para vacinar contra covid-19 preocupa médicos: “Não é só uma receitinha, é fraude”, que não recebe esse tipo de pedido pelo SUS.
– Mas entre meus colegas que atendem no sistema privado, todos recebem. Já vi um familiar e uma amiga que conseguiram se vacinar desse jeito.
Segundo o médico, existe um recorte de classe e racial muito claro nesse debate sobre os atestados e receitas falsas: geralmente, são pessoas brancas e da classe média e alta, com médicos na família ou em grupos de amizade.
– O perfil é de quem tem dinheiro para pagar um particular ou um plano de saúde bom e tenta tirar proveito dessas coisas – explica.
Já a médica H. M.*, que trabalha num posto de saúde na zona sul de São Paulo aplicando vacinas contra a COVID-19 – e que atende tanto uma elite do Morumbi como cidadãos que vivem nas favelas do entorno –, afirma que esse recorte social é muito evidente desde o início da campanha de vacinação. Por exemplo, os mais pobres têm mais dificuldade de acesso à informação.
– Há pessoas com mais de 60 anos que ainda não foram vacinadas por dificuldade de chegar à unidade de saúde ou por pouca informação.
É nojento relato feito ao El País pela clínica geral J. K*, que atende em consultório particular em São Paulo:
– Acordei no último sábado e havia três mensagens de pessoas que conheço. Uma delas queria cinco receitas, para ela, para os irmãos e as cunhadas. E ainda teve a capacidade de mandar a foto de uma receita com o medicamento que ela queria. Eu fiquei muito brava e nem respondi. Eu não fiz nem para meus irmãos, que acham errado e então esperando na fila a vez deles.
Associo-me ao médico Gerson Salvador, especialista em infectologia e saúde pública, que afirma que “a palavra certa é fraude”, já que são pessoas que “buscam fraudar um documento com o objetivo de obter uma vantagem.”
Lembra-me uma millôriana: “Uma característica curiosa do corrupto se observa em restaurantes. O corrupto está sempre nas outras mesas”.
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