3º NEURÔNIO

Poze do Rodo não pode fazer apologia do tráfico. E apologia do golpe? Pode?

Compartilhamos o artigo do jornalista Reinaldo Azevedo, publicada em sua coluna no UOL


Não vi nem li nenhum dos supostamente fanáticos defensores da liberdade de expressão a pregar o direito que teria o tal Poze do Rodo de fazer a apologia do narcotráfico, de uma facção do crime organizado, do confronto armado. Em tempo: o problema do rapaz parece não ser apenas a apologia do crime — que é crime, ora vejam (Artigo 287 do Código Penal)! A Polícia o acusa de vínculo objetivo com o Comando Vermelho e diz ser ele peça do que chama “narcocultura”. O vídeo produzido pelos policiais peca pelo excesso de, digamos, estética do pavor e pela falta de dados mais objetivos. Falo disso daqui a pouco. Sigamos.

Ao entrar no sistema prisional, a Secretaria de Administração Penitenciária preenche um formulário em que o preso declara o que lá se chama “Ideologia Declarada”. As opções são estas:

– Neutro

– A.D.A

– T.C.P

– CV

– Federal Estrangeiro

– Servidor Ativo

– Ex-servidor

– LGBTQIA+

– Milícia.

Devem supor: A.D.A quer dizer “Amigos dos Amigos”; T.C.P, Terceiro Comando Puro, e CV, Comando vermelho. A depender da declaração, faz-se uma seleção que seja de menor risco para o ingressante no sistema. Poze do Rodo pediu para marcar “CV”. Não é, destaque-se, admissão de culpa, mas uma forma de sobrevivência.

Sim, “ora direis ser um despropósito”, leitor amigo. O sistema prisional chama “ideologia” coisas de natureza muito distintas e evidencia que as facções fazem parte da paisagem. É do balacobaco.

Mas o tal Poze do Rodo faz a apologia do crime em suas, digamos, letras? Reproduzo trechos:

Nós tem Glock, tem AK,

62 com mira laser

Terror dos alemão, é os moleque da 13

Nós vamo voltar pra casa e botar a bala pra comer

Retomar o que é nosso e gritar: É o CV!

(…)

Na CDD só tem bandido faixa preta

Tentaram vir pegar o homem e a bala voou

Nós é Comando Vermelhão de natureza

A meta é voltar pro Rodo e voltar pro Batô.

Ou esta:

Os TCP*ta tá peidando pro bloco dos cria

Nós odeia ADA e TCP

Desde menor sou Comando, nós é relíquia

Trem bala dos manos

Com os fuzil tudo na pista, ah, ah, ah

Tropa do General com vários ParaFAL

Voltemos ao ponto. A apologia é escancarada. Fosse só isso, é um crime de menor potencial ofensivo — sempre achei a pena ridícula, dada a gravidade da transgressão porque, por óbvio, importa menos a coisa em si do que sua repercussão. Mas, diz a polícia — e os defensores certamente se encarregarão de tentar descaracterizar a acusação —, os vínculos vão muito além da, como posso chamar?, “apreciação estética” que Poze do Rodo faz do Comando Vermelho.

De volta ao eixo

Apologia do crime é, pois, crime. No caso, sejamos genéricos, trata-se de narcotráfico e organização criminosa e seus derivados. Agora que a extrema direita e alguns sonsos na imprensa descobriram as delícias da “liberdade de expressão” como biombo para arrombar as leis, cabe indagar: se cantar as glórias de uma facção merece, para ser genérico, a mobilização da força coativa do Estado, o que dizer dos que, brandindo a bandeira do “direito à opinião”, pregam golpe de estado.

Quem são os “Poze do Rodo”, se me permitem uma pegada metafórica, da, agora em sentido estrito, ideologia? Cantar as virtudes do Comando Vermelho me parece, inequivocamente, um crime. E pregar que se rasgue a Constituição? Aí se trata de simples “direito à divergência”? Se assim é, por que esses valentes não defendem que o tal rapaz divirja de outros regramentos legais sobre o que é e o que é não é crime?…

“Não misture! Uma coisa é o narcotráfico, com todas as suas consequências deletérias, outra é a…” Vamos lá: “É a o quê?” Essa gente se dá conta das consequências e desdobramentos para o Brasil caso a aventura golpista tivesse sido bem-sucedida? Aventura golpista, diga-se, que ainda está em curso. As teses de Jair Bolsonaro, agora expressas com clareza por Eduardo Bolsonaro, seu porta-voz, continuam a representar o desmantelamento do estado de direito e do sistema de Justiça. De tal sorte é este o intento, que o deputado licenciado não tem pejo em dizer que tanto o Judiciário como o Ministério Público se tornaram suspeitos para avaliar as suas ações. Colocou-se acima das instâncias do Estado brasileiro. O Comando Vermelho domina áreas do Rio, como se sabe. Eduardo e os Bolsonaros têm a ambição de fazer de todo o Brasil o seu território privado.

Crime consumado

“Fazer ‘poesia’ para o Comando Vermelho e estar ligado à facção têm graus distintos de perigo para a sociedade”. Concordo. E é possível que a defesa de Poze do Rodo avance por aí: 1) evocará a tese da liberdade de expressão no caso das letras, com baixa chance de sucesso, mas o crime, infelizmente, é quase irrelevante no que respeita à pena; 2) tentará descaracterizar o vínculo objetivo do rapaz com a facção criminosa. Aí se vai ver a capacidade dos investigadores de apresentar as provas.

Da mesma sorte, uma coisa é escrever e falar besteira por aí sobre golpe. Se todos os que o fazem fossem alvos de ações judiciais, haveria milhões de processos. Na era das redes, o bueiro do capeta não para de emitir miasmas de estupidez. Todos, no entanto, os que hoje são alvos de ações penais ou são investigados em inquéritos ligados a esse assunto partiram para alguma forma de ação direta. E respondem não apenas por apologia do crime, mas por tentar praticá-lo. No caso de golpe de estado, o crime consumado é a tentativa. Afinal, como é sabido, não fosse assim, não haveria como punir golpistas bem-sucedidos.

Entrevistas

Felizmente, no campo da “liberdade de expressão”, ainda não se chegou ao requinte de abrir os microfones para Marcinho VP, Marcola e outros expressarem as suas vastas emoções e pensamentos imperfeitos sobre o que é crime e o que não é. Ainda não foram convidados a nos brindar com as suas utopias e desassossegos; ainda não foram estimulados a desenhar as suas prefigurações sobre futuros sorridentes para o Brasil. Por ora, isso tem sido um privilégio concedido aos golpistas sob o pretexto de se garantir a pluralidade de opiniões no Brasil. Chegamos ao requinte de tratar os afascistados como parte do espectro “ideológico” aceitável. Os narcotraficantes, por ora, não ganharam uma pulseirinha para entrar na festa.

Não é que não participem. O crime organizado, nas suas várias modalidades, avançou e hoje já financia a política. Não se enganem: a pancadaria contra a ministra Marina Silva no Senado recendia a desmatamento, mercúrio de garimpo e bosta de vaca ilegal. E, saibam, as organizações criminosas, nas suas várias modalidades, trocam experiência e serviços. Mas, reitere-se, por ora ao menos, os chefões do narco e afins não posam de filósofos. Esse é um privilégio que temos garantido a golpistas.

Encerro.

Vejo aqui e ali manifestações de protesto contra a prisão de Poze do Rodo, e há quem ouse apontar preconceito contra a “cultura preta” e bobagens afins. Obviamente, não caio nessa. Até porque são pretos de tão pobres de tão pretos os que fritam no “micro-ondas” de pneus, sem colar de quilos de ouro no pescoço. De resto, para cada chefão do tráfico que tiraniza comunidades, há ricaços nos asfalto, com seus apartamentos de frente para o Oceano Atlântico. Isso, sim, é conversa da narcocultura. Só recomendo à Polícia que não tente fazer vídeo “de artista”. Basta a informação objetiva.

Lugar de narcotraficante, golpistas e seus soldados é a cadeia.

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