O prefeito Cristian Wasem (MDB) enviou ofício à Câmara de Vereadores de Cachoeirinha retirando o projeto de lei que unificava a advocacia pública a partir da criação do cargo de Procurador do Município, mas que tinha potencial de, em quatro anos, custar R$ 30 milhões caso os vencimentos de todos 15 profissionais atingissem o teto constitucional de R$ 41,6 mil.
O Seguinte: teve acesso a mensagem enviada em grupo de secretários pelo assessor especial do prefeito, André Lima.
“Bom dia! O Governo está retirando o projeto dos Assessores e de honorários pra uma melhor análise e ajustes! Obrigado Secretário Vicente, membros da CCJ e demais vereadores pelo elevado nível de debate!”, escreveu o advogado, que confirmou a autoria do comunicado, mas não quis dar mais detalhes.
No agradecimento da mensagem, André Lima se refere ao secretário de Governo, Vicente Pires, e à comissão de Constituição e Justiça do legislativo.
Semana passada, em É hora errada para o governo Cristian agradar procuradores e altos salários em Cachoeirinha, alertei que o governo Cristian tem um notório problema de timing político. Por vezes propõe coisas certas, mas na hora errada.
O projeto, apesar de assustar pelo potencial de criar supersalários no serviço público, é legal e tem uma boa intenção, mas não poderia ser uma prioridade em um município sob alerta do tribunal de contas pelo gasto excessivo com folha de pagamento, além de chegar para apreciação dos vereadores em um momento em que o governo é pressionado pelo debate do pagamento do piso do magistério, o atraso na reposição retroativa da inflação para o conjunto do funcionalismo e uma conta de 30% de defasagem salarial apresentada pelo sindicato dos municipários.
Sem falar, é claro, da cobrança popular por investimento em saúde, educação e infraestrutura, que, para fazer justiça, começam a aparecer, mesmo que tímidos, após uma década em que a política se ocupou mais de denúncias de corrupção, impeachments, golpeachments, cassações e eleições.
Para piorar, o projeto foi publicizado quatro dias depois de site de Porto Alegre revelar contracheque de procuradora que já recebe mais do que o prefeito (a Prefeitura ainda não respondeu ao Seguinte: sobre o caso):
O Projeto de Lei nº 5053/2025 propunha a criação de 15 cargos de Procurador do Município, com subsídio inicial de R$ 18 mil, além de benefícios como participação em honorários de sucumbência (valores pagos pela parte perdedora em ações judiciais), extinguindo as de funções de assessores jurídicos.
A proposta, apesar de alinhar o município a precedentes de capitais como Porto Alegre e Florianópolis, provocou debates sobre custos, legalidade e concentração de vantagens.
Em cima dos anexos com a estimativa financeira, o jornalista Roque Lopes, em O Repórter, fez uma projeção de que, caso todos os advogados público cheguem ao teto, a atual gestão pode gastar até R$ 30 milhões até o fim do mandato em 2028, o que equivaleria ao maior projeto de pavimentação de ruas da história recente de Cachoeirinha.
Salário inicial de R$ 18 mil, ganho até R$ 41,6 mil
O texto estabelecia o cargo de Procurador do Município como único efetivo privativo de advogados no Executivo, com carga horária de 30 horas semanais. Os atuais 14 Assessores Jurídicos (9 ocupados e 5 vagos) seriam incorporados aos novos cargos, e futuras contratações dependeriam de concurso público com participação da OAB.
A remuneração inicial seria de R$ 18 mil em subsídio, podendo ser complementada por gratificações por funções de confiança; direitos sociais (como férias e 13º salário) e 80% dos honorários de sucumbência obtidos em ações judiciais, limitados ao teto constitucional (atualmente R$ 41,6 mil, o mesmo do STF).
A justificativa do prefeito citava jurisprudência do STF (como a ADI 6.159/2020) para validar o repasse de sucumbência, além de emendar que a medida modernizaria a estrutura jurídica municipal, seguindo exemplos de outras cidades.
Como antecipei na reportagem, o Seguinte: apurou que havia dúvidas e críticas inclusive dentro do governo e entre vereadores da base parlamentar, o que antecipava uma tramitação polêmica – e uma crise desnecessária.
Críticos apontam como riscos o custo elevado, já que a soma do subsídio com sucumbência poderia aproximar a remuneração do teto constitucional, onerando os cofres públicos. O próprio projeto admitia que o impacto seria equivalente à contratação de “dois novos Procuradores”, mas não detalha projeções de longo prazo.
Outro risco seria a extinção de cargos: a migração dos Assessores Jurídicos para a nova carreira ocorreria sem concurso. O prefeito argumentava, na justificativa do projeto, que as atribuições já são similares (desde 2014, Assessores atuam em processos judiciais) e que os requisitos (diploma em Direito e OAB) são idênticos.
Havia, ainda, questionamentos sobre os benefícios extras: a não incidência de contribuição previdenciária sobre a parcela de sucumbência e a garantia de isonomia na distribuição desses valores são vistas como vantagens incomuns no serviço público.
O prefeito sustentava a proposta na Constituição Federal (arts. 131 e 132), no Código de Processo Civil (art. 85) e em decisões do STF que validaram unificações similares em outros municípios, além de destacar casos como Porto Alegre, onde procuradores recebem subsídio de R$ 21,6 mil, e em Gravataí, onde recebem R$ 18,8 mil.
A justificativa também mencionava a PEC 28/2023, em trâmite no Congresso, que busca incluir explicitamente os Procuradores Municipais no art. 132 da CF, consolidando a carreira.
Concluo.
Conclui assim o artigo da semana passada:
É obvia a intenção do governo de não perder procuradores, ao unificar os cargos da advocacia pública e alinhar salários e gratificações a outros municípios. A rotatividade atrapalha nas demandas judiciais da Prefeitura.
Reputo, porém, não é o momento. Alcançar com uma mão para o topo da pirâmide salarial, enquanto nega com a outra para a maioria do pobre funcionalismo, é uma bomba política que pode explodir até em greve.
É um erro em um momento em que o governo vai precisar dizer aos seus funcionários, e à sociedade, que precisa ajustar as contas e “não tem para ninguém”.
Ao fim, entendo acerta o prefeito, ao hoje retirar o projeto. Emite um bom recado à sociedade e estanca uma crise interna em seu governo.
Na política, feio é errar, não recuar e atender às circunstâncias.
Cabe na distinção entre a Ética da Convicção e Ética da Responsabilidade, estabelecida pelo sociólogo Max Weber: a convicção pessoal não pode ser uma cláusula pétrea para governantes ou legisladores. Não significa habeas corpus para políticos traírem suas promessas, mas apenas o reconhecimento de que, por vezes, a realidade de impõe.