Era um dia frio e luminoso de abril, e os relógios davam 13 horas.
Tirando o frio da frase que abre 1984, clássico de George Orwell, foi mais ou menos assim que surgiu na Câmara de Gravataí, não de Winston Smith, mas de autoria de Dilamar Soares (PSD), um projeto que obriga funcionários públicos efetivos e em cargos comissionados a serem submetidos a exames clínicos toxicológicos periódicos.
Polêmico, como é seu autor, o projeto divide opiniões no legislativo, entre servidores e nos sindicatos. Ninguém quer falar ainda, já que na última sessão, quando a proposta entrou na ordem do dia para votação, o próprio Dilamar retirou “para adequações”.
Vitalina Gonçalves e Neuza Vicentini, presidentes dos sindicatos dos professores e dos municipários, preferem não comentar o projeto antes de uma melhor análise, inclusive jurídica.
– Já somos os vilões de tudo, só faltava essa agora para a sociedade alimentar preconceitos contra o funcionalismo – opina uma professora, que pede anonimato.
– Acho urgente, a gente sabe de cada coisa. Pelo menos previne daqui para frente – diz outra servidora há mais de uma década, que também pede para não ter o nome divulgado.
Entre mais de uma dezena de servidores e CCs ouvidos pelo Seguinte: por telefone e pelas redes sociais, as opiniões são divididas. E ninguém quer aparecer falando no tema – nem a favor, nem contra.
– Vai parecer que estou fazendo apologia às drogas – diz um CC, sintetizando o receio dos contrários.
– Não quero ser vista como dedo-duro de colegas – fala uma servidora, também resumindo a precaução dos favoráveis.
– Se o projeto for reapresentado, logo o Grande Irmão pode estar de olho em você – brinca, fazendo alusão a trecho do livro 1984, um CC crítico ao projeto que prevê exames confidenciais no ingresso no serviço público e a cada três anos, determina o encaminhamento do servidor flagrado para tratamento, mas não especifica se o álcool está incluído entre as substâncias tóxicas.
CONFIRA A ÍNTEGRA DO PROJETO
O PREFEITO MUNICIPAL DE GRAVATAÍ. FAÇO SABER, em cumprimento ao artigo 58, inciso IV, da Lei Orgânica Municipal, que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono e promulgo a seguinte Lei:
Art. 1º Esta lei institui a obrigatoriedade de exames clínicos toxicológicos periódicos para funcionários públicos efetivos e em cargos comissionados.
Art. 2º Aos funcionários públicos efetivos e em cargos comissionados será exigido exames clínicos periódicos para detecção de presença de substâncias tóxicas no organismo.
§ 1º Sendo positivo o resultado, o servidor poderá apresentar contraprova, podendo optar, à sua expensa, por instituição de sua preferência, credenciada pelo poder público.
§ 2º O exame será realizado antes do ingresso do servidor e a cada três anos, no mínimo, enquanto estiver em atividade.
§ 3º Negando-se a ser submetido ao exame o servidor será responsabilizado administrativa e criminalmente.
§ 4º A recusa do servidor poderá sujeitá-lo à inabilitação no estágio probatório ou cargo comissionado, à sanção disciplinar e mesmo à demissão por contumácia, se for o caso.
§ 5º No caso de resultado positivo, o servidor será encaminhado para tratamento até sua total recuperação, não podendo, nesse período, exercer função gratificada.
§ 6º O tratamento do servidor será provido pelo poder público, diretamente ou mediante convênio ou contrato com instituição idônea.
Art. 3º O resultado do exame previsto no art. 2º é de natureza confidencial, só podendo ser divulgado ao interessado e, sendo positivo, não poderá motivar sanção de caráter disciplinar ao servidor.
Art. 4º Os critérios para realização dos exames, validade, prazos e outras condições serão previstos na sua regulamentação.
Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
A JUSTIFICATIVA DO VEREADOR
A proposição pretende instituir a obrigatoriedade de exame toxicológico para ingresso dos servidores municipais. O exame toxicológico negativo passaria a ser condição para a nomeação dos candidatos aprovados em concurso público e nomeações de cargos comissionados.
Esses exames, além de inibir envolvimento com entorpecentes, evitaria que usuários tomassem posse em um cargo público de interesse social. A informação acerca do uso de substância psicotrópica ficará ao abrigo do sigilo.
O resultado positivo não terá efeito para aplicação de qualquer sanção disciplinar ao servidor, pois não há que se falar em sanção criminal nesse caso. A sanção possível consiste em deixar de cumprir algo que a lei manda, com as cominações de natureza criminal (desobediência) e disciplinar decorrentes, a contrário senso do disposto no art. 5º, inciso II da Constituição Federal.
Pelo exposto verifica-se que o objetivo é qualificar o atendimento à população, prevenindo problemas de saúde do próprio servidor e evitando a má influência que o consumo de drogas pode exercer sobre os servidores, motivo porque solicito aos meus Pares o apoio ao presente projeto.