Proposta que cria 21 cargos em comissão para o próximo mandato foi alvo de recomendação do Ministério Público.
Antes das 16h, a promotora Carolina Barth já estava com sua equipe pelos corredores da Câmara de Vereadores, hoje (23). Ela soube da existência de um projeto da Mesa Diretora que cria 21 cargos em comissão – que os assessores dos gabinetes dos vereadores – e prometeu:
– Se esses cargos forem criados, vai ter ação civil pública por improbidade administrativa – disse ela, em entrevista ao Seguinte:, depois de ser informada que não poderia ocupar a tribuna da Câmara já que o Regimento Interno só permite o uso pelos parlamentares ou às terças, com pedido por escrito.
Nem era preciso: se a intenção da promotora era ser notada, foi. A tensão subiu. E seguiu quando Carolina e quatro assessores ocuparam as cadeiras da terceira e quarta fileiras à frente do plenário, logo que a sessão começou.
Vereadores assinaram acordo em 2014
Os cargos que podem ser criados pelo projeto só poderiam ser nomeados a partir do ano que vem, ou seja, na próxima legislatura. A iniciativa, no entanto, foi vista pela promotora Carolina Barth como uma espécie de manobra para descumprir o acordo firmado entre a Câmara, os vereadores e o Ministério Público em 2014 e que previa a diminuição de cargos em comissão.
– Hoje, 82% dos cargos na Câmara são comissionados. Há uma disparidade entre o número de concursados e o de CCs – diz a promotora.
Para a promotora, se os vereadores criam cargos, descumprem o acordo – e estariam sujeitos às suas penalidades, como multa e a demissão de todos os assessores do gabinete e eventuais ações civis do Ministério Público.
– A gente ouviu assessores no MP. Uns dizem que atendem o telefone, ficam ligando para aniversariantes. Isso é trabalho? Precisa tantos para isso? Parte do serviço é administrativo e poderia ser feito por concursados – afirma a promotora.
Tentando impedir que o projeto fosse votado, Carolina Barth redigiu uma Recomendação à Câmara e a todos os vereadores, alertando para as consequências do descumprimento do acordo.
– Recomendação é para ser cumprida – avisou ela.
Entenda o caso
O acordo de 2014 previa que, no ano passado, 21 assessores dos gabinetes fossem exonerados – demitidos – e foram. Ele surgiu depois que uma liminar em uma ação civil pública do MP concedida pela Justiça em Gravataí previa a demissão de todos os assessores dos gabinetes, o que gerou revolta entre os parlamentares.
Ainda segundo o acordo, outros 21 assessores deveriam ser demitidos em 2016, deixando os gabinetes com apenas três funcionários nomeados.
Ao mesmo tempo, a Câmara poderia promover um concurso público para os novos assessores a serem lotados nos gabinetes parlamentares – o que também não é visto com bons olhos pela maioria dos vereadores.
Dos 21 vereadores, apenas Márcio Souza (PV) e Dilamar Soares (PSD) não assinaram o acordo com o MP, em 2014.
Diante da promotora, só três enfrentaram
Enquanto a promotora estava no plenário, apenas os vereadores Carlito Nicolait (PSB), Paulo Silveira (PSB) e Dilamar Soares (PSD) defenderam a possibilidade da Câmara criar os novos cargos.
– O acordo prevê a exoneração de 21 cargos, não a extinção. Então, estamos defendendo que se cumpra o acordo, na verdade. Essa recomendação que recebemos hoje é algo que não está nos mesmos termos do acordo anterior – disse Carlito.
– É uma interferência clara. Eu não assinei o acordo e não vou aceitar um assessor que eu não conheço dentro do meu gabinete, tomando conta do meu trabalho – adiantou-se Dilamar.
Nadir: interferência na autonomia
Poucas vezes em 2016 o presidente da Câmara, Nadir Rocha (PMDB), foi visto tão tenso como hoje, no comando da sessão. Depois de pensar e conversar com parlamentares de diversos partidos durante a primeira hora e meia de trabalho, pediu a palavra e atacou a ação do Ministério Público ocorrida aquela tarde na Câmara.
– O Ministério Público pode fazer o trabalho dele, mas deve respeitar o nosso. Não pode vir aqui e nos tratar como se fôssemos um bando, interferir na nossa autonomia. Quando a promotora vem aqui e faz isso, não é a mim que agride, que sou um cara simples. É a instituição da Câmara que ela ataca.
Nadir disse, ainda, que levaria o projeto à votação por entender que não há incompatibilidade com o acordo, nem ilegalidade.
Vistas adia a votação
Logo que deixou a tribuna, Nadir pediu cinco minutos de intervalo na sessão para discutir com os líderes de bancada a medida que deveria adotar. Como presidente, queria a solidariedade dos demais que se beneficiariam do cargo criado mas pensavam em votar contra para não contrariar a promotora.
Um pedido de vistas feito pelo vereador Juarez Souza (PMDB) resolveu a questão, pelo menos por uma semana, adiando a votação do projeto.