MOISÉS MENDES

Quando Deus vira ajudante do prefeito de Sorocaba

O Brasil todo já conhece Rodrigo Manga. O prefeito de Sorocaba foi, segundo uma mulher que retornou de Israel em avião da FAB, o responsável pelo seu resgate. Ninguém mais foi citado por ela.

A chegada do primeiro voo teve show da fé. Talvez a mesma fé de que falava Braga Netto aos acampados nos quartéis depois da eleição de Lula e que faltou aos generais no golpe.

Nunca antes tantos religiosos deram tantos depoimentos num desembarque. Nunca a TV mostrou tantos pastores, pastoras e fiéis falando ao mesmo tempo da fidelidade de Deus aos brasileiros.

O governo Lula, o Itamaraty, a FAB e os estrategistas dos resgates conseguiram ajudar a produzir involuntariamente parte do marketing de guerra da extrema direita.

Os religiosos resgatados agradeciam a Deus, a Jesus Cristo, a Jerusalém e a Israel. E chegou o momento em que uma mulher agradeceu ao prefeito de Sorocaba. Ninguém viu nem ouviu alguém agradecendo a Lula.

Porque Lula estava envolvido em tentar recalibrar o tom da condenação à invasão do Hamas a Israel e, ao mesmo tempo, atacar o bombardeio israelense à Gaza.

Os evangélicos retornados de uma excursão a Israel, a direita da grande imprensa, a extrema direita que adora Ustra, todos assumiram em jogral o comando da situação. Passamos a ser pautados pelo surto de fascismo pacifista.

Um desses bolsonaristas de uma das CPIs em atividade em Brasília poderia dizer que eles retomaram a narrativa, depois de uma sequência de derrotas desde a eleição e do golpe tabajara.

O herói brasileiro era o prefeito de Sorocaba, um militante de extrema direita investigado por suspeita de corrupção e por incitação ao bloqueio de estradas depois da eleição de Lula. O prefeito conta em seu site pessoal que foi dependente de drogas, até ser salvo por sua religiosidade. 

Rodrigo Manga é o cara com uma história edificante. E Lula é o presidente acossado pelo que a direita entendia que ele deveria ter dito desde o começo. A direita exigiu um tiro de grosso calibre de Lula na condenação ao ataque do Hamas.

Fale do terrorismo, cite o nome do Hamas, é o que o jornalismo aliado ao fascismo mandava Lula dizer. Lula foi pautado por Merval Pereira. Todas as pautas da guerra foram sendo ditadas pela direita, e o fascismo mundial foi à forra de tudo o que sofreu desde a guerra do Vietnã.

Essa é uma guerra deles, vencida por eles antes nas redes sociais. Aqui, com a ajuda de Carla Zambelli, a nova pacifista brasileira.

Nunca Israel teve tantos amigos na extrema direita. Gente com vínculos com nazistas juramentados, terrivelmente nazistas, que odeiam negros, indígenas e gays, agora ama Israel e o povo judeu.

A extrema direita pauta até o tom de tentativas de debate, como aconteceu na aula da PUC do Rio com o massacre sofrido pelo professor Michel Gherman. E isso que Gherman se define como judeu sionista.

Adoradores de Brilhante Ustra têm os elementos para o controle das pautas da guerra. Têm crianças, desde que sejam israelenses e não palestinas, têm Jesus, têm Terra Santa e têm a fé que pode ter faltado a Braga Netto.

O pacifismo dos adoradores de torturadores está no comando, não só no Brasil. Há o que fazer, enquanto a Globo anuncia no Jornal Nacional que o que acontece em Gaza é um cerco ao Hamas, e não o extermínio de palestinos?

Há como tirar o prefeito de Sorocaba do pedestal de herói dos que não se importaram com a falta de aviões para levar oxigênio a Manaus, no auge da matança da pandemia?

Agora, talvez nada possa ser feito. Somente nessa quinta-feira à tarde o The New York Times deu em manchete que haverá um desastre humanitário em Gaza. Coisa que os grandes jornais brasileiros ainda não conseguem fazer.

O jornalismo é incapaz até de esclarecer o que é verdade e mentira na guerra e pode, como no suposto caso das crianças degoladas, estar contribuindo para institucionalizar o uso de fakes news também nas grandes corporações de mídia.

É a visão de mundo da direita que orienta o que devemos ver, ler e ouvir. As esquerdas não sabem como lidar com seus vacilos, porque certeza mesmo só o outro lado tem hoje.

A direita está certa de que vai dividir de novo o país ao meio, entre os pró-palestinos e pró-judeus. E que vai ganhar a guerra sempre com o controle da comunicação.

Lula decidiu que o avião presidencial, que ele usa, irá fazer resgates. Mas é a direita que sabe o que dizer no aeroporto no retorno de Israel. Deus traz os peregrinos de volta por intervenção do prefeito de Sorocaba.

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