Recebi uma ilustre visita: Lana, minha afilhada de um ano e meio. É uma menininha adorável, pronta para descobrir o mundo. Comovo-me quando chega: fechamos a porta, e ela entra num choro ressentido. Sempre faz isso quando fechamos qualquer porta ou portão: sente medo de não poder continuar as suas descobertas.
A porta fechada é a substância do medo.
Também temo as portas fechadas, todos tememos. O que nos diferencia como adultos é que passamos também a ter medo das portas metafóricas e do que elas significam.
O enclausuramento é um dos temas do romance Teoria Geral do Esquecimento, do escritor angolano José Eduardo Agualusa. Ludo, a protagonista da obra, é uma personagem portuguesa que vai para Luanda. Numa determinada circunstância, constroi uma parede no corredor de seu apartamento, que a encerra no ambiente interno por mais de 30 anos.
“Sinto medo do que está para além das janelas, do ar que entra às golfadas, e dos ruídos que traz. Receio os mosquitos, a miríade de insetos aos quais não sei dar nome. Sou estrangeira a tudo, como uma ave caída na correnteza do rio. Não compreendo as línguas que me chegam lá de fora, que o rádio traz para dentro de casa, não compreendo o que dizem, nem sequer quando parecem falar português, porque esse português que falam já não é o meu.” (Agualusa, Teoria Geral do Esquecimento, 2012).
Ludo sente medo do que vem do espaço externo, e isso também reflete os medos interiores com os quais ela precisa se defrontar no confinamento. Os mosquitos, o idioma que a personagem não reconhece refletem o medo do espaço africano e do que ele representa para a portuguesa.
Mas como esquecer o medo?
A maestria da obra está em nos conduzir por essa narrativa de encontros, desencontros e superação. Além disso, faz-nos conhecer uma África que em nada tem a ver com as imagens estereotipadas de safáris e savanas a que estamos acostumados.
Lana, minha afilhada, ainda tem muito o que aprender sobre portas e medos. Nós também. E a Literatura nos auxilia nessa tarefa.