a coluna da jeane

Quarenta!

A moça que vejo no espelho ainda tem olhar e sorriso de menina. Não fosse por alguns pés-de-galinha que já se apresentam, poderia dizer que ela não tem nem trinta anos. Até eu mesma me tomo de espanto quando confronto a real idade que completo neste 5 de dezembro. “Quarenta? Como assim?” 

Quando fiz trinta ainda não me sentia adulta de verdade, mas uma garota com “medos bobos e coragens absurdas” (me apropriando da frase de Tati Bernardi). Já sonhava em ir além da aldeia, apesar ficar assustada diante da ideia de me jogar no mundo. Foi no início da terceira década de vida que comecei a planejar um futuro no Rio de Janeiro. 

E se os planos iniciais não deram certo, outros surgiram. De repente, parecia que a vida estava me levando para onde eu queria. Mas os caminhos precisavam ser tão tortos? Talvez sim. O meu mapa tem Lua, Vênus, Mercúrio e Urano em Escorpião. Ainda estou entendendo o que isso significa, mas já compreendi que sinto muito, com todas as entranhas. Amo muito, sofro mais ainda. 

Na idade em que Cristo morreu e ressuscitou, eu renasci. O Rio foi um desafio imenso e que deixou cicatrizes na alma. Mas também foi a terra onde a menina assustada e que se achava feia deu lugar a uma mulher que não tem medo de dizer poesia na rua e no palco, que se descobriu desejada como uma musa (algo que nunca acreditou que fosse para ela) e que descobriu uma força tão grande que nem ela sabe explicar. 

Uma mulher que descobriu que é pequena só no tamanho físico. E que se tornou imensa ao se juntar a outras mulheres para fazerem ecoar suas vozes. Que entendeu que para viver num mundo que nos odeia, as mulheres precisam caminhar juntas, precisam dar as mãos. 

Quando a viagem era apenas planos, eu me sentia chamada pelo Rio de Janeiro. Sentia que eu precisava estar lá, que só lá encontraria o que meu coração buscava. Pensei que fosse uma pessoa. Depois comecei a perceber que essa jornada me levou para algumas pessoas que se tornaram fundamentais e que me transformaram. 

Agora cresce em mim o sentimento de que encontrei meu caminho, porque a vida está cada vez mais fazendo sentido nas construções com o coletivo Nós, as poetas! Sabe a sensação de que as peças estão se encaixando? Como se tudo que eu vivi estivesse me preparando para essa missão de construir coletivamente com mulheres, por mulheres, para mulheres. 

Mas houve muita dor nessa jornada. Quando analiso a terceira década da minha vida, tenho a sensação de que vivi vinte anos em dez. E talvez tenha sido necessário para que eu conquistasse as vivências das quais os medos me afastavam. Talvez eu precisasse me rasgar e me reconstruir para ser realmente inteira. 

E precisei voltar às raízes para completar a reconstrução. Enquanto contava os dias para os quarenta, parece que passei a limpo minha vida, organizei a história vivida até aqui e entendi melhor quais os próximos passos. Joguei fora culpas e mágoas e guardei somente o que importa: os aprendizados. 

Chego ao quarenta com a sensação de que amadurecer é bom. Você se desespera menos porque entende que tudo bem não dar conta de tudo, que o dia é curto mesmo e o mundo não vai acabar se algumas coisas ficarem para amanhã. Você compreende que não vai salvar o mundo e que não tem como mudar as escolhas dos outros, e sofre menos com os erros alheios. Você consegue entender que palavras ásperas muitas vezes são pedidos de socorro e não pedras, e que você não precisa absorver aquela energia. 

Será que maturidade é esse lance de entender que devagar e sempre é o melhor ritmo para viver? É uma sensação bem gostosa de que viver não é complicado, basta andar de passinho em passinho. Senão a vida literalmente te joga no chão e te faz ir devagar (no dia do tombo realmente senti como se estivesse sendo jogada contra a cerca. E acredito que existe muito mais do que nossas palavras são capazes de explicar). 

Claro que avançar na idade não é só flores. Cada dia tem uma dor diferente. O estômago já não aguenta as aventuras gastronômicas de antes e se você insiste em ir a um rodízio de pizza sofre com o refluxo depois. E não dá mais pra bater cabelo sem sentir o mundo rodar e se descer até o chão os joelhos não dão mais conta de te levantar. Melhor nem falar sobre a coluna. O negócio é rir pra não chorar. 

Mesmo com dores, refluxos e labirintite, estou curtindo essa nova fase. O corpo pode estar sentindo os efeitos do tempo e da minha pouca afeição a exercícios (juro que depois de recuperar o bracinho vou praticar yoga com mais dedicação. Posso não recuperar o tempo perdido, mas quero envelhecer com mais qualidade de vida), mas a mente nunca esteve melhor. 

Consigo me sentir em paz, e isso para quem tem crises de ansiedade desde que se entende por gente, é de um valor imensurável. Acho que agora entendi a frase da Cecília Meirelles: “Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira”. 

Completo 40 primaveras com a deliciosa sensação de ser inteira. 

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