E não foi só no jogador Valdívia, ídolo do Internacional de Porto Alegre, que ele meteu a agulha. A esposa do atleta, o irmão, o pai e a mãe também já passaram pela – hoje nem tanto – tortura de imprimir no próprio corpo uma, ou várias, imagens na forma de tatuagem.
Do mesmo Inter, outro que submeteu-se a uma sessão de tatuagens com Izael Andrei Gonçalves Mendes foi o jogador Brenner. De quebra, o rapaz de 25 anos tatuou o também jogador de futebol Diego Assis, sobrinho do ex-atleta e eterno ídolo (será?) dos gremistas, Ronaldinho Gaúcho.
Izael, natural de Porto Alegre e morador de Gravataí desde que nasceu, não poupou a esposa, uma maquiadora que não tinha tatuagens, até conhecê-lo. E fez tatuagens na sogra e no sogro. E se o filho, que ainda não veio, quiser tatuar o corpo, promete que não vai frustrar sua intenção, mas vai aconselhar bastante quando chegar a hora.
A faculdade
O personagem desta reportagem do Seguinte:, de 25 anos, Izael, é dono do atelier Tatuaria Mendes (rua Benjamin Constante, 410) e conta que abandonou a faculdade de Engenharia Mecânica quando faltavam apenas dois semestres para concluir o curso, a fim de se dedicar ao ramo da tatuagem.
Ele tem o estúdio em Gravataí há seis anos, e neste meio tempo também atuou em um conceituado atelier de Porto Alegre, por dois anos, com a finalidade de se aperfeiçoar na atividade. E Izael garante que se sente realizado com a profissão até porque adotou um estilo que o torna único no Estado.
Ou seja: ele não usa catálogo para que seus clientes escolham o que querem que seja desenhado no corpo. Izael ouve o cliente, sugere, debate. E desta conversa ele mesmo produz a imagem que julga ideal para aquela pessoa. Um novo encontro e, se for necessário, o trabalho é aprimorado antes de ser tatuado.
O conselho
O portoalegrense-quase-só-gravataiense disse que “se descobriu” na profissão meio ao acaso. Sempre teve aptidões para desenhar e garante que desenhava muito bem desde bem pequeno, mas não havia passado pela cabeça, até então, se transformar em um tatuador.
Só que quando procurou um atelier com um desenho de sua autoria para tatuar no próprio corpo, o amigo lhe aconselhou que fizesse um curso para se tornar um profissional na área.
— Ele viu o desenho e gostou tanto que me disse para procurar um curso já que eu tinha condições de ser um tatuador — conta.
O desenho que ele fez foi parar na sua pele.
: Com Valdívia, ídolo colorado. Tatuagem para a esposa do atleta, irmão, pai e mãe
O atelier
A Tatuaria Mendes tem, além de Izael, mais dois colaboradores. Um é ex-aluno dele. O outro é um aluno que já tem plenas condições de exercer a atividade. Somente Izael faz, no mínimo, três tatuagens por dia, em média, de segunda a sábado. Isso quando o desenho é grande.
Se for uma tattoo pequena ele conta que chega a fazer seis em apenas um dia de trabalho, e garante que ter o corpo tatuado não é mais motivo de discriminação, como acontecia até alguns anos atrás, especialmente em se tratando do mercado de trabalho.
— Hoje as pessoas não veem mais a tatuagem como coisa de marginal. O mercado está em alta e num crescente, nos últimos anos, por conta do preconceito que deixou de existir. A tatuagem bem feita e bem produzida passou de feia e grosseira, feita em casa e sem técnicas adequadas, para algo bonito e – por que não? – luxuoso até — garante.
O artista
O fato de produzir os desenhos que vai tatuar e não dispor de catálogo em sua loja faz com que Izael Mendes se posicione como um artista no mercado das tattoos. Mais de 90% do que é feito na Tatuaria Mendes é rabiscado no próprio estúdio. Ele admite que tatua desenhos tradicionais, mas que a prioridade não é esta.
O mercado, segundo Izael, tem “um monte” de gente trabalhando com suas próprias peculiaridades. Isso não é ruim, na opinião dele, porque acabam se destacando os que têm as técnicas mais apuradas, utilizam os melhores produtos – agulhas e tintas – e alcançam um resultado final mais aprimorado.
— Nesse contexto não dá para reclamar do faturamento, da grana que entra — diz, sem revelar números.
Mas garante que o dinheiro é suficiente para manter a loja e a família.
— Eu procuro valorizar o meu trabalho, e o importante é que os clientes sabem disso e reconhecem o que a gente faz — afirma, deixando a modéstia de lado.
A técnica
O tatuador, que tem pelo menos 15 desenhos espalhados pelo próprio corpo, diz que desenvolve uma técnica que é única – pelo menos na Região Metropolitana de Porto Alegre. É chamada de ‘black and gray’, que ele define como sendo “uma sombra mais realista”.
Os desenhos mais pedidos ainda são os de animais, seguido pelos de guerreiros e artes tribais. Grande parte – quase a totalidade – porém, com o toque pessoal do artista no sentido de simplesmente alterar ou de acrescer e melhorar o que o cliente escolheu para ter no corpo.
Imagens de filhos, namorados ou namoradas – do companheiro ou companheira, enfim! – já estiveram mais em alta. É que a tatuagem é uma marca que a pessoa vai carregar para o resto da vida e, em uma época de relações conjugais nem tão duradouras, é um risco tatuar a imagem do amado, ou da amada, e depois…
: Jogador Brenner, do Inter, conheceu o trabalho de Izael através de Valdívia e veio a Gravataí
Premiado
Multipremiado nos últimos anos em certames nacionais e internacionais de tatuagem, realizados entre Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Porto Alegre, Mendes exibe com orgulho os troféus que coleciona, na recepção do estúdio.
E garante que se inspira em vários tatuadores de renome no planeta, mas principalmente em Gabriel Gonzalez, um sul americano que vive atualmente nos Estados Unidos. É que ele é ‘o papa’ da técnica que Izael pratica, a black and gray.
O material
Sobre os cuidados que tem com a saúde dos clientes e para que o resultado seja o melhor, o tatuador diz que utiliza apenas material (agulhas) descartável, e que as tintas são as de melhor qualidade comercializadas no Brasil, que são apenas de três marcas.
— Isso é um atraso. No Brasil só temos três marcas de tintas liberadas pela vigilância (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), embora existam marcas muito superiores em uso na Europa e nos Estados Unidos — critica.
Izael diz que gostaria de trabalhar com as tintas importadas mas que, além de correr risco de ser autuado, multado, pode ter o estúdio interditado.
— Não vale a pena o risco — assegura, acrescentando que as agulhas são importadas, uma forma de “ter equipamento de alta qualidade”.
Mais loucas
Sobre as tatuagens mais estranhas, ou mais loucas, que já fez – embora não use catálogo – revela que foi a de uma “Peppa Pig” com metralhadora e granada na mão. Foi no braço de um homem, amigo, e ele nem questionou a opção por se tratar de uma pessoa que já tinha várias tatuagens de diferentes personagens pelo corpo.
Izael Mendes assegura que não gosta – e não faz! – tatuagens em seios, nádegas ou na virilha. Porque não aparecem e que a sua preferência é por desenhos grandes, que possam ser apreciados pelas outras pessoas. E sabendo desta sua filosofia profissional, raramente surge alguém com estas preferências.
Picaretagem
— Esse é um meio que tem muito picareta. Qualquer um pode comprar um kit pela internet e já sai tatuando em casa mesmo, sem qualquer técnica mais elaborada — critica Izael.
Ele não condena quem busca a atividade como forma de “ganhar a vida”, mas não concorda com a "mentalidade pequena" de quem quer só ganhar dinheiro, sem buscar o aperfeiçoamento e sem ter como objetivo a evolução profissional.
— É preciso pensar também no bem-estar, na satisfação do cliente. Por isso que tenho uma forma de trabalho que é exclusivo. Não adianta a pessoa fazer uma tatuagem e no dia seguinte pedir para outro cobrir o trabalho porque não gostou do resultado — conclui.
A tatuagem
1
A tatuagem é uma das formas de modificação do corpo mais conhecidas e cultuadas do mundo.
2
Trata-se de um desenho permanente feito na pele humana que, tecnicamente, é uma aplicação subcutânea obtida através da introdução de pigmentos por agulhas.
3
É um procedimento que durante muitos séculos foi completamente irreversível (embora, e dependendo do caso, mesmo as técnicas de remoção atuais podem deixar cicatrizes e variações de cor sobre a pele).
4
A motivação para os cultuadores dessa arte é ser uma obra de arte viva, e temporal tanto quanto a vida.
5
O pai da palavra "tatoo" que conhecemos atualmente foi o capitão James Cook também descobridor do surf), que escreveu em seu diário a palavra "tattow", também conhecida como "tatau" (era o som feito durante a execução da tatuagem, em que se utilizavam ossos finos como agulhas e uma espécie de martelinho para introduzir a tinta na pele).
6
Com a circulação dos marinheiros ingleses a tatuagem e a palavra tatoo entraram em contato com diversas outras civilizações pelo mundo novamente.
7
Porém o governo da Inglaterra adotou a tatuagem como uma forma de identificação de criminosos em 1879, e a partir daí a prática ganhou uma conotação fora-da-lei no Ocidente.