O Fidel de cá não é o mesmo Fidel de lá. O de cá, sequer tinha pretensões políticas, nunca aceitou qualquer cargo e rejeitou concorrer a funções eletivas. O de lá tentou uma, duas vezes, e derrubou um governo dito totalitário prometendo democracia e instalou uma ditadura.
O de cá era Zanchetta, filho de imigrantes, e se notabilizou pelo espírito empreendedor, visão de futuro empresarial e um hábil negociador.
O de lá era Castro Ruiz, ou simplesmente Castro, e ficou famoso pela oposição ferrenha ao regime dos Estados Unidos, pelo alinhamento com a (ex) Rússia comunista e pela mão de ferro com que conduziu a mais importante ilha do Mar do Caribe, Cuba.
Enquanto na ilha dos Castro se preparam os funerais do “el comandante”, com pompas e circunstâncias, o Seguinte: rememora quem foi o Fidel da “aldeia dos anjos”, o seu Zanchetta que, se vivo fosse, teria completado 100 anos em 28 de agosto passado.
Veio da Serra
O Zanchetta veio parar no eixo Gravataí-Cachoeirinha pela mão do pai, de Veranópolis, Serra gaúcha. Ficou órfão aos oito anos e começou a trabalhar cedo. Com o irmão, José Zanchetta, criou em Porto Alegre o Café Pan-Americano, que funciona até hoje no Mercado Público.
Em 1951, mirando negócios maiores, vendeu o Pan-Americano. Para a família teria dito que havia ganho na loteria. E investiu tudo que tinha na compra de terras que transformou em loteamentos, tanto em áreas de Gravataí quanto de Cachoeirinha – ainda não emancipada.
Pioneiro
Em Cachoeirinha, a primeira investida de Fidel, o Zanchetta, foi na implantação do loteamento que, hoje, é o bairro Veranópolis (nome da cidade em que nasceu). Depois criou a Vila Regina, nome que escolheu para homenagear sua mãe, Regina Riggo Zanchetta, e uma das filhas, Regina Beatriz Zanchetta.
Ele ainda teve participação decisiva no loteamento dos bairros Imbuí e Mauá, e foi o “capo” na divisão dos terrenos e instalação da vila Fátima, onde doou a área e mandou construir uma escola que, hoje, leva seu nome.
— Ele era uma pessoa muito engraçada, mas muito sério nos negócios — conta a filha, Sônia Zanchetta, jornalista, ativista cultural e hoje funcionária da Câmara do Livro, em Porto Alegre, sendo uma das responsáveis pela tradicional Feira do Livro da capital.
Sônia lembra que a ideia do pai era fazer os loteamentos e negociar os terrenos a preços populares, bem mais em conta do que os praticados em Porto Alegre. Como empreendedor, Fidel Zanchetta também atuou na venda de imóveis, prontos ou que mandava construir.
E sempre entregava as obras nos moldes combinados com os compradores, o que lhe atribuiu a boa fama de homem cumpridor do que acertava em seus negócios. Afinal, naqueles anos, um “fio do bigode” valia mais que uma assinatura.
: Sônia Zanchetta, jornalista, produtora cultural e funcionária da Câmara do Livro
A professora
Na vila Fátima, a família da professora aposentada e ex-vereadora Ana Fogaça foi uma das primeiras a fixar residência. Ou a primeira. Ana ensinava crianças no pátio de casa, na falta de uma escola regularmente instalada.
Como Zanchetta estava com alguma dificuldade para regularizar e liberar o loteamento, uniu o útil ao necessário. Ao passar pela casa da família Fogaça, convidou a professora Ana para que seguisse com ele no carro.
Em determinado ponto, mostrou o terreno afirmando que mandaria construir, ali, uma escola. E teria perguntado se ela aceitava dirigir o novo educandário e ensinar as crianças que viriam a morar na região, convite prontamente aceito.
Mas tinha uma condição!
Para isso era necessário que ela intercedesse junto à administração municipal para agilizar a liberação do projeto imobiliário. Resultado: a escola foi inaugurada em 19 de junho de 1969, um chalé de madeira com duas salas de aulas, cozinha, secretaria e banheiro.
O Fidel da aldeia assim como o Fidel de Havana foi um visionário em termos de educação. O de cá, além da escola da Vila Fátima, hoje totalmente remodelada e modernizada, doou terreno para a escola Roberto Silveira, no bairro Mauá.
: Chalé de madeira que serviu como primeiras instalações da Escola Fidel Zanchetta
Os dois Fidel
Quem analisa o de cá e o de lá é a filha do “da aldeia”, Sônia Zanchetta.
— O Castro não era totalmente do mal. Ele foi inicialmente um libertador e fez muita coisa pela educação e a saúde da população. Era um homem muito carismático. Eu lamento a falta de liberdade no país — diz Sônia.
E continua:
— Do Zancheta só tenho boas lembranças! Ele teve seus probleminhas, como todo ser humano tem, mas foi um pai provedor que trabalhou feito um louco e que sempre nos proporcionou, por exemplo, bons colégios. Minha mãe (Maria Adália) dizia que ele era um pródigo porque era um homem benemerente e voltado à comunidade! — fala a jornalista.
Pela Europa
Ela recorda de uma viagem que fez, com o pai, para a Europa, no ano de 1982. Sônia morava em Quito, capital do Equador, onde trabalhava na embaixada brasileira, e havia programado uma incursão aos países europeus quase ao estilo mochileira.
— Foi a grande ação da minha vida — avalia, hoje.
O pai, o Fidel de cá, soube que ela viajaria nas férias para a Europa e perguntou se poderiam viajar juntos. Sônia refez toda sua programação e acompanhou o Fidel da aldeia pela Itália, Portugal, Fraça, Holanda, entre outros países.
— Antes de viajar ele leu tudo sobre os lugares que iríamos passar ou visitar. Num museu, em Milão, ele é quem me chamou para irmos a um outro andar onde estavam obras que queria ver. Ele já sabia tudo do museu.
Em Quito
Sônia morou no Equador por 17 anos, e recorda que seu pai a visitava, regularmente, ano após ano.
— Ele sempre levava o porta-ternos porque achava chique eu morar em um país onde os cassinos eram liberados. E ele levava os ternos que usava para ir aos cassinos jogar — se diverte, com a recordação.
Fidel Zanchetta morreu em 1985.
Senhor indústria
— O Fidel Zanchetta foi o homem que deu a largada, que começou o desenvolvimento de Gravataí.
A afirmação é do empresário Romeu Pessato, diretor da Pessato Negócio Imobiliários, que manifesta uma profunda admiração pelo homem que comprou 100 hectares na região em que hoje é o Parque dos Anjos para transformar em terrenos.
Romeu garante que foi o amigo – e sócio de seu pai, Atílio Giácomo Pessato nos primórdios da expansão imobiliária de Gravataí – quem trouxe a primeira grande indústria para o município, dando início ao que hoje é o poder industrial da aldeia.
— A Icotron funcionava em Porto Alegre e havia sido vendida. Os novos donos queriam expandir e lá (na capital) não tiveram permissão. Daí passaram a procurar terras na região, e foram a Guaíba e depois a Gravataí — conta Romeu.
Aqui, os investidores literalmente bateram com a cara na porta da prefeitura e não chegaram sequer a serem recebidos pelo prefeito da época, que Romeu Pessato não conta quem foi para não criar constrangimentos.
Um corretor de imóveis teria presenciado a investida frustrada, abordou o grupo e lhes pediu um cartão de visita. Foi até Porto Alegre para encontrar com Fidel Zanchetta e contou o episódio que assistiu em Gravataí.
100 hectares
O Fidel de cá procurou a Icotron, se inteirou dos planos e convidou seus dirigentes para virem à Aldeia dos Anjos, argumentando que tinha uma área na qual poderiam se instalar e mostrando um mapa no qual já havia até o traçado por onde passaria a futura Free Way.
— Ele tinha comprado 100 hectares de terras onde hoje é o Parque dos Anjos. A metade ele loteou e vendeu os terrenos para construção de casas, e a outra metade ele transformou em áreas maiores para a instalação de empresas.
De acordo com Romeu Pessato, para a Icotron, Zanchetta deu uma área de 7,5 hectares. Não cobrou pelo terreno. O visionário Zanchetta queria, com a indústria, atrair moradores que adquirissem seus terrenos que estavam à venda.
Na Icotron, hoje Epcos-TDK, passaram a trabalhar quase quatro mil pessoas, a grande maioria mulheres recrutadas do meio rural e de municípios vizinhos, mão de obra que agradou muito à direção da empresa pela alta produtividade.
Sônia e o Fidel de cá
Essa passagem foi contada em agosto passado pela jornalista Sônia Zancheta, a filha do Fidel de cá, em sua página pessoal no Facebook:
“A história do burro
Já relatei aqui várias histórias do velho Fidel mas, já que estamos em época de eleições e para não deixar o Dia dos Pais passar em brancas nuvens, reconto, hoje, uma bronca que ele teve com a Prefeitura de Cachoeirinha há algumas décadas.
Meu pai estava vendendo os terrenos de um loteamento novo e, uma manhã, ao passar por lá para ver como iam as coisas, deu com um burro morto no meio da rua. Alguns moradores lhe contaram que haviam acionado a Prefeitura há algumas horas, mas que ninguém havia aparecido para remover o corpo do animal.
Ele correu, então, à secretaria correspondente, onde lhe garantiram que tomariam providências, mas, depois do almoço, voltou ao local, e nada havia sido feito. Voltou então à prefeitura e falou com o próprio prefeito, que telefonou em sua frente para a tal secretaria e determinou que fossem de imediato até lá, para resolver o problema.
No entanto, uma hora depois ainda não havia novidades. Então, ele informou aos moradores que, se até as seis da tarde não tivessem levado o burro, ele mesmo o enterraria, com as devidas pompas.
E, na hora marcada, lá estava ele com um monte de flores, uma cruz e um fotógrafo, que se encarregou de registrar o funeral e de enviar as fotos ao jornal da cidade”.
Sônia e o Fidel de lá
O texto a seguir foi postado no Facebook por Sônia, sobre o Fidel de lá, sábado (26/11), um dia após a notícia da morte do líder revolucionário e dirigente cubano:
“O dia em que não conheci Fidel Castro
Pois é. Em 1984, uma amiga brasileira que também vivia no Equador, e eu, nos inscrevemos para participar de uma viagem do Clube Photo, da Aliança Francesa, de Quito, do qual ela participava, e lá fomos nós para um congresso internacional de fotografia em Havana.
Na época o Brasil ainda não havia retomado as relações diplomáticas com Cuba, cortadas por imposição dos Estados Unidos no período do Bloqueio Econômico e, como a Sylvia era casada com um diplomata brasileiro e eu trabalhava na embaixada brasileira no Equador, nossa viagem foi meio secreta, o que só contribuiu para lhe dar mais sabor.
Nosso primeiro voo foi para o Panamá, o paraíso dos consumidores frenéticos, entre os quais jamais me inclui, e dali embarcamos em outro, para Havana, onde já sabíamos que era possível pedir que os vistos de entrada e de saída fossem concedidos à parte, e não no passaporte, para que não tivéssemos problemas na volta.
Eu estava animadíssima pois, depois de décadas ouvindo e lendo informações totalmente divergentes a respeito da revolução cubana, ia, finalmente, poder tirar minhas próprias conclusões a respeito. Mas isto é assunto para um outro post.
O que quero contar, aqui, é sobre o dia em que deixei de conhecer Fidel Castro. Pois é, em uma das nossas fugidas do guia da Cubatur colocado à disposição do grupo, Sylvia, eu e outros amigos fomos parar na praia de Varadero, onde ficamos até o dia seguinte.
Quando voltamos ao tal congresso soubemos que, na véspera, Fidel Castro tinha aparecido de surpresa por lá, como fazia em todos os eventos que ocorriam no Palácio de Convenções de Havana.
Algumas colegas de viagem nos relataram o impacto que ele tinha causado sobre a plateia:
— Imaginem vocês que estávamos aqui, tranquilos e, de repente, entra Fidel, flutuando sobre nuvens…
Mas em 12 de agosto de 1988, tive a oportunidade de ver Fidel de perto, na festa de aniversário que lhe ofereceu o pintor equatoriano Osvaldo Guayasamín, quando ele esteve em Quito para participar da posse do presidente Rodrigo Borja.
Era, realmente, um figura impressionante, com mais de 1,90 metro de altura, sua farda verde e aquele vozeirão que ecoava pela casa, chamando a atenção de todos. E, como de praxe, fez um discurso interminável, recheado de tiradas humorísticas, que alguns convidados adoraram. E outros odiaram.”
: A filha do Fidel de cá, Sônia (centro) nar Floridita, o berço do daiquiri, em Havana, com Gonzalo Luzuriaga e Sylva Carvalho.