Se até parte das esquerdas entregou-se ao fatalismo de que vai ter golpe, e se o Brasil está resignado desde 2016, o que será de nós com Bolsonaro, militares e milicianos com poder absoluto?
O fatalismo precisa levar em conta o ingrediente essencial de um golpe. Todos os outros componentes, que vão determinar a intensidade e a violência de ações autoritárias da natureza dos golpes, passam pela imposição do medo.
Um golpe, antes de se estabelecer pela conquista de confianças e colaboracionismos, impõe-se pelo terror e pela propagação do medo.
E do que devemos ter medo hoje, se Bolsonaro, os militares e os milicianos se apossarem do governo, do Congresso e do Judiciário?
O Congresso pode ser tomado pelo jipe só com o soldado e o centrão. Mas o cabo tomaria o Supremo com facilidade, como tomaram em 64?
O Supremo seria abandonado sem reação do que ainda resta da tal sociedade civil organizada? Essa sociedade omissa diante das afrontas ao STF e ao TSE pode reagir?
Um golpe avança com perseguições e prisões. Segue adiante com cassações e expurgos nas universidades e no serviço público.
Um golpe com militares, como foi o de 64 no Brasil e como foram os golpes na Argentina, no Chile, no Uruguai, no Paraguai, na Bolívia e em toda parte, tem prisões arbitrárias.
Um golpe com o protagonismo de militares tem invasões de domicílios. Tem tortura, tem assassinatos e tem desaparecidos.
Um golpe militar pode um dia ter reparações, mesmo que parciais, como aconteceu principalmente na Argentina e no Chile. Mas um golpe militar no Brasil tem mesmo criminosos impunes.
Crimes de lesa humanidade, reconhecidos como atos de barbárie imprescritíveis em qualquer democracia, no Brasil são apenas desvios empurrados para os cantos do esquecimento.
Assassinos e torturadores da ditadura, que geralmente são a mesma coisa, nunca foram punidos no Brasil. Porque o Supremo, agora acossado pelo fascismo, entendeu como ampla, irrestrita e absoluta a anistia que livrou os criminosos de punição.
Se o golpe é mesmo inevitável, como parte das esquerdas anuncia, devemos nos preparar para o pior. Um golpe militar hoje pode ter todos os ingredientes dos golpes que já aconteceram e algo mais.
Golpes são bestas que se movem sem controle. As crueldades políticas de um começo de golpe, com o amordaçamento de líderes dos inimigos, evoluem para a caçada, a tortura e o assassinato de pessoas comuns.
É compreensível que muitos tenham medo. Não acreditem, como a Folha de S. Paulo acreditou, que o próximo golpe possa gerar mais uma ditabranda. Temam os que dizem não ter medo.
O golpe de 64 tinha até marechais que estudaram em Paris. Este pode ter milicianos que se formaram na escola de altos estudos do banditismo e do bolsonarismo.
Um golpe hoje não estaria sob o controle de quem fala francês.