opinião

Razões para criticar o prefeiturável bolsonarista de Cachoeirinha

João Paulo Martins, 62 anos, é delegado aposentado e ex-chefe da Polícia Civil gaúcha

O delegado João Paulo Martins divulgou a nota “razões para ser pré-candidato a prefeito”.

Como é o prefeiturável do PSL de Jair Bolsonaro, que na eleição presidencial fez sete a cada dez votos em Cachoeirinha, há força nas palavras do policial civil aposentado.

Siga a íntegra, com comentários meus a cada trecho.

 

“(…)

Ao acompanhar o andamento da política nacional e percebendo o rumo perigoso que o país estava tomando, a corrupção desenfreada, as consequências desastrosas no campo econômico, cheguei à conclusão de que cada um, na medida de suas possibilidades, tem que fazer alguma coisa para melhorar este país.

Muitas coisas ruins que aconteceram são por culpa da inércia, da omissão e do comodismo de muitos de nós. É muito fácil ficar reclamando, exigindo direitos e transferindo a responsabilidade aos outros. E quem são os “outros”? São aqueles que estão ocupando os espaços que nós deveríamos ocupar!

(…)”

 

Analiso.

João Paulo se apresenta como um Bolsonaro, ‘contra tudo e contra todos’. Não deixa de ser uma tática muito usada pelo outro lado da ferradura, pelos ‘petralhas’, do ‘nós contra eles’.

Os impuros são todos os que estão no poder?

Generalizações são sempre perigosas.

 

“(…)

O nosso Hino Rio-grandense nos ensina “… povo que não tem virtudes acaba por ser escravo…”. Se deixarmos os fatos acontecerem de acordo com os interesses dos adeptos ao “quanto pior, melhor”, dos corruptos, dos “apoiadores” em troca de cargos, dos “politicamente corretos”, dos invasores de propriedades, logo estaremos nós, brasileiros, procurando outro país para viver, a exemplo dos sírios e dos venezuelanos, ou condenados a viver num “paraíso”, como os cubanos, citando apenas alguns exemplos.

(…)”

 

Analiso.

Quando li a citação do trecho do hino, fiquei pensando no trabalhador negociando com o patrão pós-reforma trabalhista “vale o negociado sobre o legislado” e pós-reforma sindical que sugou o sangue do sindicalismo brasileiro.

Exerçamos a virtude então.

Que dê certo.

Em seguida, João Paulo comete um terrorismo das palavras que parece estar levando o Brasil a se tornar um pária internacional. Apesar de usar de mais elegância, e não reviver um comunismo que nunca existiu no país para além da paranóia de napoleões de hospício, o delegado estabelece uma relação entre “corruptos, apoiadores em troca de cargos, politicamente corretos e invasores de propriedades” com a existência de ditaduras e teocracias como a Síria, Venezuela e Cuba (faltou incluir a Arábia Saudita & Cia).

O que tem a ver corrupção com politicamente correto? E chupins de cargos com invasores de propriedades?

No Dicionário de Significados, politicamente correto é explicado como “título para classificar algo ou alguém que segue as normas e leis estabelecidas por uma instituição oficial”.

Mais:

Normalmente, quando se fala em “politicamente correto”, refere-se a neutralização de uma linguagem ou discurso, evitando o uso de narrativas estereotipadas ou que possam fazer referências as diversas formas de discriminação existentes, como o racismo, o sexismo, a homofobia e etc.

É contra isso que João Paulo se rebela?

Entrevistei-o por telefone, no artigo Moderado é candidato a prefeito do bolsonarismo em Cachoeirinha, publicado pelo Seguinte:, e não parece a mesma pessoa que escreveu o texto. Na entrevista, onde descrevi-o como "moderado", o delegado inclusive criticou a política de segurança witzeliana onde as balas já acharam 19 crianças negras só neste ano.

Permitam-me um adendo sobre os ‘invasores de propriedades’: o ‘politicamente correto’ usa ‘ocupantes’, porque, no caso do MST, os sem-terra apenas ocupam temporariamente terras improdutivas. Não há no país nenhum assentamento que não seja regularizado.

Já o MTST, dos sem teto, só ocupa prédios abandonados e de proprietários com dívidas com os governos municipal, estadual ou federal.

Sobre corrupção, é preciso comentar? Afinal, quem é a favor da corrupção?

 

“(…)

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”, disse o sábio Martin Luther king. Efetivamente os “maus” são audaciosos, barulhentos, disfarçados, ameaçadores, providos de “recursos” (que obtêm a qualquer custo), mas não são imbatíveis. Temos que enfrentá-los e acho que boa parte da sociedade brasileira “acordou”, deixou a zona de conforto e está disposta a protagonizar a mudança.

Devemos valorizar o fato de que nós ainda temos a expectativa de mudar o rumo das coisas através do sistema eleitoral (alguns povos não têm mais essa possibilidade – há eleições, porém fraudadas).

A eleição de Jair Bolsonaro foi o início da reação, o primeiro passo, mas as dificuldades que estão sendo a ele impostas bem demonstram a que ponto chegou o “aparelhamento” das instituições, não apenas brasileiras.

(…)”

 

Analiso.

É um acinte citar Martin Luther King em um discurso impregnado pelo bolsonarismo. É, no mínimo, incoerência. Luther King não foi um ‘sábio’, foi um ativista pelos direitos civis, um símbolo da luta contra o racismo e um desarmamentista crítico à Guerra do Vietnã.

Percebam que a citação de Luther King antecipa a frase “devemos valorizar o fato de que nós ainda temos a expectativa de mudar o rumo das coisas através do sistema eleitoral (alguns povos não têm mais essa possibilidade – há eleições, porém fraudadas)”.

Ainda temos? O que ameaça a democracia e eleições diretas no Brasil? Um jipe e um cabo? Ou uma milícia digital robotizada espalhando fake news sobre mamadeira de piroca, kit gay e incesto?

 

“(…)

É nesse contexto que me incluo. Nunca fui político, não tenho cargo público, assessores ou máquina pública para usar em benefício próprio, mas tenho coragem, vontade, o apoio das pessoas de bem, das pessoas que me conhecem e querem o melhor para Cachoeirinha.

Depois de muito refletir e analisar todos os aspectos, mesmo tendo concluído que, pessoalmente, tenho muito mais a perder do que a ganhar, resolvi aceitar o desafio. Recusá-lo seria para mim motivo de grande desconforto, como cidadão, por recair na omissão que tanto critico.

Aceito o desafio, entretanto, com um propósito muito claro (e inegociável): mudar, fazer o que sempre deveria ter sido feito. Na minha visão, ser gestor público é ter o máximo respeito ao interesse público, fazer com que cada vintém arrecadado retorne aos cidadãos na forma de serviços e benfeitorias. O administrador público tem que pensar na próxima geração (e não na próxima eleição), contribuindo, no que lhe compete, para um Brasil melhor.

Cargos públicos (CCs) não são “moedas de troca” e devem ser ocupados apenas se imprescindíveis ao funcionamento de determinado órgão.

Minha missão é ser prefeito para fazer a diferença. Se for para manter o que aí está, não sou necessário!

(…)”

 

Analiso.

Como já tratei no artigo Outsider candidato a prefeito pelo PSL já foi CC do prefeito Vicente; ’nova política’ é fake news, apesar de não parecer apreciar muito a inclusão dessa passagem em seu currículo, João Paulo foi secretário de Segurança do prefeito socialista Vicente Pires entre 13 de março de 2014 e 1º de janeiro de 2017.

É um outsider das urnas, mas já pisou muito nos tapetes do poder.

Talvez um trauma pela passagem pelo governo explique o discurso de demonização da política, facilmente identificável nas linhas e entrelinhas do texto.

E, já que propôs o discurso, mesmo seja um gasto ínfimo no Orçamento Municipal, João Paulo poderia anunciar em seu plano de governo quais CCs serão ocupados e quais serão extintos.

Ao fim, o delegado tem tudo para ser uma novidade na eleição. Bom currículo, boa conversa (ao vivo, bem diferente deste texto) e, possivelmente, um bolsonarismo ainda não totalmente ‘descollorido’ até 2020.

Uma pena se for contagiado por diatribes da incivilidade.

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