boas histórias

Receita para espantar chatos 

Cresci ouvindo a mãe contar histórias sobre o Vovô Leôncio, pai do nosso avô Agnello, que vivia no campo, lá no interior de São Borja.

Embora não o tenhamos conhecido, gosto de acreditar que foi dele que herdei —  além da bomba de chimarrão de prata com suas iniciais gravadas um pouco abaixo do bocal, deixada pela mãe —, a pouca paciência com os chatos, aquelas pessoas que, bem disse o escritor John D. MacDonald, “privam-nos da solidão sem nos fazer companhia”.   

Pois é, depois de um dia inteiro de trabalho e de um bom banho, o único que o Vovô Leôncio queria era saborear um mate, aboletado em uma cadeira confortável, na varanda de casa, mas sempre aparecia um chato para interromper seu descanso.   

Assim que o vivente diminuía o trote do cavalo, fazendo menção de entrar para um dedo de prosa, ao passar pela porteira de sua propriedade, ele gritava: “Apeia, Fulano, apeia e vem tomar um mate!”, mas, ao mesmo tempo, esfregava contra o chão o pé direito, o que era a deixa para seus cães avançarem contra o intruso.

E, nesse momento, fingia estar envergonhado: “Que horror, Fulano! Mil perdões! Não sei o que há com esta cachorrada hoje! Volta outro dia, tá?”

 

Fã-clube secreto  

 

A casa em que vivi boa parte de minha infância e adolescência, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, tinha um telhado alto, como os dos chalés suíços, e, além de um sótão grande, cheio de trastes, que me fascinava, de todos os cômodos do segundo andar tinha-se acesso a seus desvãos, por meio de pequenas portas. 

Certo dia, entrei no quarto da Bia, minha irmã, e encontrei aberto um desses depósitos, ao qual ninguém tinha permissão de entrar. E, para minha surpresa, encontrei ali — Imaginem só! —, um fã-clube secreto do Elvis Presley.

Além de um toca-discos portátil (que chamávamos de vitrola), da marca Phillips, ela mantinha, naquele espaço, todos os elepês do Elvis, e as paredes estavam cobertas, de cima a baixo, por recortes de matérias sobre ele, publicadas pela Radiolândia e pela Cinelândia, as revistas de celebridades da época.

Depois de a Bia ter me xingado bastante (Irmã mais jovem sofre, né?), não lhe restou alternativa a não ser me admitir como sócia do Clube. Então, informou-me a programação da semana e, no primeiro sábado, arrastou-me ao Cine Ritz, onde assistimos não a uma, mas a quatro sessões seguidas do Saudades de um Pracinha, do Elvis, pois, naquele tempo, não obrigavam a plateia a se retirar quando terminava cada exibição de um filme.

Foi então que, completamente entediada, pedi, pela primeira vez na vida, desligamento de uma instituição, o que faria muitas vezes mais, nas décadas seguintes, cada vez que algo não me parecesse convincente e agradável.

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